• Nenhum resultado encontrado

nossa interpretação do texto cartesiano, que utiliza o termo “causa”, atri- buído aos espíritos animais, na medida em que são causalmente relacio- nados com os movimentos físicos corporais, e também atuam no acon- tecimento e ação das paixões na alma. Vejamos a passagem do autor que demarca tal posição de que os espíritos animais podem não ser a causa, mas a determinação do movimento do corpo e do acontecimento das pai- xões na alma:

the motion of the body is determined, not caused, by that of the animal spirit; the motion of the animal spirits is determined, not caused, by that of the pineal gland; and the motion of the pineal gland is determined, not caused, by the actions of the soul. Noth- ing would be gained in terms of intelligibility by assuming that the mind actually moves the pineal gland, and everything would be lost in terms of consistency16 (MCLAUGHLIN, 1993, p. 162).

Ora, serão então os espíritos animais uma causa ou uma determina- ção da ação do corpo e das ações das paixões na alma? Procurando esta- belecer uma interlocução com o artigo de McLaughlin encontramos uma importante chave de leitura que precisa de maior cuidado para delimitar- mos aspectos ambíguos em relação à afirmação que McLaughlin procura sustentar. E diante da questão se os espíritos animais são a causa ou uma determinação da ação dos movimentos corporais, e também a causa das ações das paixões na alma, foi preciso retomar o texto cartesiano original, na condição de investigar de um modo mais apurado, como Descartes as- socia a noção de causa com a noção de movimento, e a posição dos espíri- tos animais nesta relação (causa/movimento).

Uma exegese do texto cartesiano procurando identificar o termo causa em se tratando da natureza e importância dos espíritos animais no pensamento de Descartes a respeito do movimento corporal e do acon- tecimento das paixões, nos lança para uma relação mais estreita com os termos utilizados pelo filósofo, de modo que nas principais passagens ao percurso do livro Les Passions de L’âme (1649) em que a expressão 16 “o movimento do corpo é determinado, não causado, pelos espíritos animais; o movimento dos

espíritos animais é determinado, não causado, pela glândula pineal; e o movimento da glândula pineal é determinado, não causado, pelas ações da alma. Nada poderia ser ganho em termos de inteligibilidade por assumir que a mente realmente move a glândula pineal, e tudo poderia ser perdido em termos de consistência” (tradução nossa).

“esprits animaux” aparece, a impressão que temos é a de que, os termos “cause”, “causée”, e “causes”, estão demarcados na condição de atribuir à doutrina dos espíritos animais o estatuto de causa, e não o de determina- ção como o procura sustentar Mclaughlin. Sobremaneira, o movimento dos espíritos animais, é condição para a causa de movimento do corpo, e isto Descartes deixa claro em diversas passagens17:

à cause qu’il n’y a que des passages fort étroits, celles de ses parties qui sont les plus agitées et les plus subtiles y passent seules pen- dant que le reste se répand en tous les autres endroits du corps. Or, ces parties du sang très subtiles composent les esprits animaux18

(Art. 10).

à cause que la machine de notre corps est tellement composée que le mouvement de cette main vers nos yeux excite un autre mou- vement en notre cerveau, qui conduit les esprits animaux dans les muscles qui font abaisser les paupières19 (Art. 13).

L’autre cause qui sert à conduire diversement les esprits animaux

17 No intuito de nos aproximarmos mais precisamente dos trechos do texto cartesiano que ver-

sam a respeito das paixões e a posição dos espíritos animais como condição de causa tanto para os movimentos corporais quanto em relação ao acontecimento das paixões na alma, optamos por praticar o exercício de tradução destes trechos sobretudo na investigação do uso do termo “cause/causées”, ao percurso da leitura do referido Tratado de Descartes. A necessidade deste exercício de tradução partiu da comparação com a tradução de J. Guinsburg e Bento Prado Jú- nior, para a versão em português do livro As paixões da alma, publicado através da Coleção Os

pensadores de 1979, da Abril Cultural. Constatamos que nesta tradução a escolha dos tradutores

para o termo “cause”, se fixou no aspecto de que esta expressão em muitos casos é compre- endida como uma locução “à cause”, o que de fato é encontrado no texto cartesiano, mas não em todos os momentos em que esta expressão aparece. Acontece que na tradução de Guins- burg e Prado Júnior, universalmente a expressão “cause” ou “à cause”, foram traduzidas para o português como “porque”. De certo, de acordo com o dicionário Wiktionary francês/francês, a expressão “à cause”, significa também “pourquoi” ou “parce que”. Contudo, de acordo com nossa leitura a tradução em todos os momentos das expressões “cause” ou “à cause”, para o português “porque”, não reflete plenamente o que encontramos ao percurso do livro Les Passions de L’âme (1649), e somente traduzimos para o português “porque”, quando utilizado por Descartes os termos “pourquoi” ou “parce que”, e procuramos preservar a tradução do termo francês “cause”, originariamente do latim “causa”, para o português “causa”, o que em nossa leitura nos parece mais preciso, ao passo que expressa a ideia de causa atribuída aos espíritos animais.

18 “a causa que nas passagens mais estreitas, aquelas partes que são mais agitadas e mais sutis e

passam isoladamente enquanto que o resto se espalha em todos os outros lugares do corpo. Ou, estas partes do sangue mais sutis compõem-se de espíritos animais” (tradução nossa).

19 “a causa que a máquina de nosso corpo é de tal maneira que o movimento da mão em direção

aos olhos excita outro movimento em nosso cérebro, que conduzem os espíritos animais através dos músculos que fazem abaixar as pálpebras” (tradução nossa).

102

103

Documentos relacionados