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dos corpos. Se não for assim, a outra opção é adotarmos a leitura oca- sionalista. Vale ressaltar que essa posição (princípio de causalidade) não se compromete em estabelecer qualquer tipo de semelhança entre os objetos externos e as ideias produzidas por eles. Tão pouco, a prova da pluralidade corporal acontece a partir da diversidade do conteúdo das sensações. O problema é que a ontologia do mundo material cartesiana concebe apenas uma única res extensa, que é homogênea e indetermina- da. Ora, se existe apenas uma res extensa, como a mente pode perceber uma pluralidade de indivíduos? Como acontece a individuação?

Uma leitura possível da prova do mundo externo indica que, segun- do Descartes, os corpos causam os conteúdos sensíveis. Isso acontece na medida em que eles contêm, em sua realidade formal, as mesmas qua- lidades contidas na realidade objetiva das ideias dos corpos singulares. Assim, os objetos particulares seriam as causas das ideias sensíveis das qualidades secundárias e impeliriam às ideias claras e distintas das quali- dades primárias da matéria. A existência de objetos externos (compostos de certas particularidades) daria origem às minhas ideias sensíveis das qualidades secundárias. No entanto, há outras passagens importantes das Meditações, dos Princípios e dos Comentários sobre um Programa que nos mostram a inviabilidade dessa leitura.19

Battisti tem uma posição oposta de Rocha.20 Segundo ela, a prova

19 ROCHA, 2000, p. 18.

20 Outra solução é esboçada por Della Rocca. Segundo ele, não há conexão causal entre o mental

e o físico. Na discussão sobre interação mente-corpo, Descartes afirma que Deus criou essas relações causais de tal maneira para beneficiar mais o bem-estar do corpo no qual a mente está, de alguma forma unida. Contudo, não há nada sobre uma mudança física que considerada em si mesma, dita certa mudança mental. Não podemos, com base em uma mudança física apenas ver o surgimento de uma mudança mental. A mudança física, por ela mesma, não explica a mudança mental. O que é necessário para explicar a mudança mental é um fator além, a saber, a vontade de Deus que faz isso no caso de que certa mudança física causa certa mudança mental. Assim, não há inteligibilidade nas relações causais. O princípio de causalidade afirma que dado o fato de que uma coisa gerar outra, a realidade delas devem ser correlatas de certo modo. Dito de outra forma, a realidade da primeira deve ser, no mínimo, tão grande quanto da segunda, ou a realida- de da segunda deve estar contida na primeira. Mas essa correlação não torna o efeito inteligível. Apesar do princípio de causalidade cartesiano explicar que não há relações sem explicação, esse princípio não compromete Descartes à visão de que certas coisas explicam outras.

Outra solução é admitir que a atribuição do poder causal aos objetos finitos não ameaça a ativi- dade divina (semelhante a solução apresentada a relação corpo-corpo). Dessa forma, podemos descrever o poder causal aos objetos finitos como se Deus não desempenhasse nenhum papel e sem nos preocuparmos com ele. Descartes admite que nossas ações são livres e indeterminadas, ainda que, talvez, em outro sentido de determinação, Deus determine nossas ações. A liberdade e a falta de determinação de nossas ações livres (incluindo a de mover o corpo) não interferem

do mundo externo, na Sexta Meditação, é a da presença de um mundo externo em geral e não da existência determinada de coisas particulares. Assim, não podemos acrescentar qualquer tipo de determinação às coisas materiais. A prova dos corpos indicaria, apenas, a existência da matéria extensa, do mundo externo material. Dessa forma, as ideias sensíveis se- riam indicativas da existência da matéria extensa, da sua presença ou po- sição, mas sem incluir a diferenciação dos corpos. Vejamos como Rocha estrutura o seu pensamento.

A prova do mundo externo legitima a objetividade de todas as nossas representações sensíveis e não apenas daquelas representações gerais e abstratas. Porém, ela assegura apenas parcialmente a validade objetiva das ideias dos sentidos. Dito de outra forma, a prova do mundo externo garante a sua existência, mas não se compromete com a exis- tência de objetos singulares. Essa posição se baseia na afirmação carte- siana de que as ideias das qualidades sensíveis dos objetos não são se- melhantes a quaisquer qualidades que possam existir no mundo físico. Isso, porque, as qualidades específicas e determinadas representadas pelas ideias sensíveis não estão instanciadas nos objetos particulares específicos que causam essas ideias.21 Rocha defende que se mantiver- mos a versão do princípio de causalidade explicitamente mencionada por Descartes na prova da Sexta Meditação, deveríamos concluir que a causa das ideias sensíveis das coisas são as próprias coisas tais como são exibidas ao espírito pela realidade objetiva de suas ideias. Assim, Descartes concluiria que as coisas extensas existem e são variadas da mesma maneira como a singularidade de cada coisa é exibida nas ideias sensíveis. Mas não é isso que ele conclui. Descartes defende a existência de um mundo externo em geral e não a existência determinada das coi- sas singulares. Sendo assim, “trata-se de rever a versão do princípio de

na determinação divina dessas mesmas ações. Pode-se pensar que tendo a nossa liberdade, fi- caríamos no caminho do poder que Deus tem sobre estas ações, mas não. Podemos ir adiante e atribuir liberdade para nossas ações causais sem a preocupação se isso coloca limites ao poder divino (DELLA ROCCA, 2008, p. 248). Acreditamos que essas soluções se afastam muito do que é proposto nos escritos cartesianos.

21 Essa solução afirma que os objetos externos seriam considerados como a origem das nossas

ideias sensíveis na medida em que eles transmitiriam à mente, por meio dos sentidos, algo que daria ocasião para a formação de ideias sensíveis. Ou seja, o conteúdo representativo das ideias sensíveis não seria como uma imagem da coisa existente, mas um sinal da sua existência (RO- CHA, 2000, p. 18).

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