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CAPÍTULO III Superação dos pontos divergentes entre a extradição e pedido

2. Superação das incompatibilidades do Estatuto de Roma perante o

2.2. Abrandamento da soberania

A cooperação internacional e o princípio da complementaridade ratificam a idéia de que a jurisdição do Tribunal Penal Internacional é subsidiária à jurisdição estatal, atuando somente quando o julgamento local tiver sido forjado para absolver o autor dos crimes definidos pelo Estatuto, ou quando a investigação e o processamento dos acusados demorarem injustificadamente236. Fato que não apóia o argumento de violação da soberania dos Estados Parte.

Não há violação de soberania, porque o seu reconhecimento é confrontado com os seus próprios limites, pois ganha credibilidade a interdependência moral entre os Estados e faz nascer o princípio da responsabilidade237. Esta interdependência implica na ausência de um controle satisfatório do que se passa dentro de suas próprias fronteiras, por isso os Estados pedem cada vez mais cooperação e em muitos casos, intervenção nos seus próprios assuntos, na espera de

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MAZZUOLI, Valerio de Oliveira, 2009,ob. cit. pp.42-49; e SABÓIA, Gilberto Vergne, 2000, ob. cit. p. 8. 236 RAMOS, Andre de Carvalho. O Estatuto do Tribunal Penal Internacional e a Constituição Brasileira. In CHOUKR, Fauzi Hassan e AMBOS, Kai. Tribunal Penal Internacional. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2000, p. 275.

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Sobre a responsabilidade internacional do Estados SOARES, Guido Fernando Silva. Curso de Direito

Internacional Público, São Paulo, Editora Atlas, 2002, p. 184 para quem a responsabilidade internacional do Estado

se regula por dois grandes grupos. O primeiro grupo é o tradicional, que utiliza de usos e costumes, da doutrina, dos princípios gerais do direito, de códigos e de normas de Direito Internacional para imputar ao Estado responsabilidade subjetiva ou por culpa. O outro grupo, regulado por tratados e convenções multilaterais sobre assuntos específicos, imputa a responsabilidade objetiva, ou seja, sem culpa ou por risco. A responsabilidade subjetiva emanaria de normas jurídicas que exigissem uma determinada obrigação de um Estado, como a de proteger a pessoa humana contra tratamentos cruéis e desumanos, assim como, exigisse normas jurídicas que instituiriam o dever de reparar o dano, a partir do conhecimento do prejuízo, da autoria e do nexo de causalidade entre ambos. Entretanto, da responsabilidade objetiva surgiria um instituto rígido com normas especiais escritas, não sujeitas a mudanças pelos usos e costumes internacionais.

regular sua capacidade de regulamentação interna e internacional o que abandonam a soberania, instituindo uma soberania razoável perante a comunidade de responsabilidade238.

Ademais, a ratificação do Estatuto de Roma é um ato de soberania realizado de acordo com a Constituição Brasileira e Portuguesa no que tange a celebração de tratados internacionais. Esta ratificação fomentará a melhoria dos sistemas jurídicos nacionais para desenvolver mecanismos processuais eficazes para repressão e punição dos crimes previstos no Estatuto, inexistindo diminuição ou restrição de soberania.

Nesse sentido, Ojasvita Srivastava dispõe que a soberania não protege os Estados das interferências externas, mas os obriga a respeitar os direitos fundamentais e os interesses dos Estados membros239. Por isso, vislumbra-se a necessidade de adaptação da soberania punitiva do Estado brasileiro e português aos princípios de Direito Internacional Penal, justificado pela necessidade de incriminação e do interesse da comunidade internacional, na qual o Estado apenas será órgão ou expressão particular240.

Assim, a legitimidade do Tribunal funda-se na aceitação voluntária, sem a possibilidade de reservas da sua jurisdição. É infundada a crítica de que o Tribunal Penal Internacional invade indiscriminadamente a esfera das soberanias nacionais quanto à concretização do Direito Penal e Processual Penal. Os Estados conscientes de suas limitações territoriais e estruturais de persecução criminal buscam na cooperação internacional um meio de evitar a impunidade na comunidade internacional, diante de um mundo globalizado.

Nesse sentido, Pedro Caeiro afirma que,

“O Estado goza de uma ampla liberdade no exercício da sua jurisdição penal. Essa liberdade legitima-se formalmente através do dispositivo da soberania, na sua veste de mecanismo de delimitação internacional de poderes (independência); mas o seu fundamento material encontra-se à semelhança do que sucede com os restantes titulares da jurisdição penal não-estaduais – na responsabilidade pela paz e a segurança da comunidade sob o seu domínio”241

.

Por fim, a soberania é um princípio do qual deriva toda a autoridade e oponível às pretensões ou a críticas dos outros, estando presente “nos conflitos mais medíocres, serve de

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BADIE, Bertrand. 1999, ob. cit. pp. 112-117.

239 SRIVASTAVA, Ojasvita. The International Criminal Court: The Zeitgeist. Civil Law Studies: An Indian

Perspective, Edited by Anthony D´Souza and Carmo D´Souza. Cambridge Scholars Publishing, 2009, p. 99

240 PALMA, Maria Fernanda. 2001, ob. cit. p. 36. 241

CAEIRO, Pedro, 2007, ob. cit. p. 557. Afirma também que “Não podemos, por isso, acompanhar aqueles que associam exclusivamente a exigência de certas condições para a cooperação judiciária internacional à quase absoluta

guarda-chuva às manobras mais cínicas e é chamada para ilustrar os direitos mais diversos”242. O princípio da responsabilidade substitui o da soberania, pois cada Estado é responsável pela sobrevivência do planeta, pelo seu desenvolvimento e pelos seus valores constituídos e universais na proteção dos direitos humanos e na repressão à criminalidade.

Pode, pois, afirmar que a existência de um abrandamento ou relativização da soberania, pois desde o pensamento de Grotius a soberania não pode ser vista como poder absoluto e inatingível a partir de sua idéia ética e jusnaturalista em que consegue manter a soberania dentro de certos limites, pressentindo algo que já se assemelha a uma sociedade mundial, o que temos atualmente243. Nesse sentido Bertrand Badie sublinha sobre o desdobramento do conceito de soberania, em que o ato de cessão dos Estados ao progresso de uma comunidade de segurança e de integração regional cria uma nova ordem de opções políticas, como ocorre na União Européia e em instituições que relativizam o conceito de soberania como secretariados permanentes, grupos de trabalho interestatais, conselhos de ministros ou mesmos tribunais de arbitragem244.

A ratificação do Estatuto de Roma no ordenamento jurídico brasileiro e português e a conseqüente inserção da entrega do Tribunal Penal Internacional não apresenta como uma violação à soberania dos Estados Parte, mas sim um reforço ao princípio da cooperação internacional e à necessidade de repressão e punição da criminalidade na comunidade internacional.