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CAPÍTULO I O instituto jurídico da Extradição

3. Inconstitucionalidade do Estatuto de Roma

As normas e os procedimentos estabelecidos no Estatuto de Roma, a partir de uma leitura apressada do texto convencional e das questões acima mencionadas podem pressupor certas incompatibilidades com o direito constitucional brasileiro e o português, principalmente sobre os assuntos de fundamental importância, tais como, a entrega de nacionais ao Tribunal Penal condenatória com trânsito em julgado para a acusação, ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada.§ 2º - A prescrição, de que trata o parágrafo anterior, pode ter por termo inicial data anterior à do recebimento da denúncia ou da queixa.”

Internacional, a entrega nos casos de crimes políticos ou por motivação política, a questão das imunidades de direito interno e internacional, a instituição da pena de prisão perpétua e da imprescritibilidade dos crimes previstos no diploma.

Por isso, segundo Mazzuoli, com base no Direito dos Tratados, pode-se entender pela inconstitucionalidade intrínseca deste tratado internacional, que apesar de ter respeitado formalmente todo o procedimento constitucional de conclusão estabelecido pelo direito interno, contém normas violadoras de dispositivos constitucionais, diferentemente da inconstitucionalidade extrínseca ou formal ou ratificação imperfeita, que ocorre quando o Presidente da República ratifica o tratado sem o assentimento prévio do Congresso Nacional, no Brasil, ou da Assembléia da República, em Portugal, violando norma constitucional de fundamental importância para celebrar tratados, fato que não ocorreu com o Estatuto de Roma196.

Em relação às discussões sobre a constitucionalidade do Estatuto, alguns juristas e conservadores têm cogitado o caso de inconstitucionalidade desse instrumento internacional diante das antinomias entre este e a Constituição Brasileira e Portuguesa. Ademais da inconstitucionalidade, a cláusula geral de aceitação da jurisdição do Tribunal Penal Internacional qual seja o novo preceito introduzido em 2001 na CRP no artigo 7º, nº7 e em 2004 pela emenda constitucional nº45 na CRB, entende-se que não é o suficiente para superar as incompatibilidades.

Nesse sentido, durante os debates parlamentares sobre a revisão constitucional da CRP, o Deputado Alberto Costa indagou se a norma geral habilitadora diante das colisões referentes à extradição, extradição/prisão perpétua, imunidades ou regimes especiais de efetivação de responsabilidades, é suficiente para que um tribunal possa determinar a extradição ou a entrega ao Tribunal Penal Internacional197. Também, Jorge Bacelar Gouveia dispõe que esta norma não constitucionalizou o Estatuto, apesar de redigida em homenagem aos valores e princípios evidentemente não despiciendos, pois apenas se limitou a conferir função de política pública a faculdade de vincular o Estado ao Estatuto e a intenção da revisão que instituiu o artigo 7º, nº7 se revelou “estéril”, pois o texto constitucional não fica sujeito à adoção do procedimento de entrega, que dependerá da vontade dos órgãos que intervêm na fase de conclusão interna dos Tratados internacionais na Ordem Jurídica Portuguesa198.

196

MAZZUOLI, Valerio de Oliveira, 2009, ob. cit. pp. 75-76.

197 Diário da Assembléia da República II S-RC, nº 5, de 6 de Junho de 2001, p. 17. 198 GOUVEIA, Jorge Bacelar, 2008, ob. cit. p. 441.

Este mesmo autor esclarece que a revisão constitucional permite a aceitação constitucional da justiça penal internacional e da idéia de que essa justiça promova o respeito pelos direitos da pessoa humana e dos povos, contudo ressalta que são visíveis as incompatibilidades entre as opções do Estatuto e a proteção dos direitos humanos, principalmente no que tange a prisão perpétua, à ausência de algumas garantias jurídicas processuais penais, dentre outros. E se este tratado for alterado no sentido de redução dos direitos humanos, como a introdução da pena de morte, “cessa a eficácia da autorização constitucional para o mesmo vigorar no Direito Português, tornando-se posteriormente inconstitucional”199. Conclui Jorge Bacelar Gouveia e Jorge Miranda, aceitando a inconstitucionalidade das normas constitucionais supervenientes, em especial o artigo 7º, nº7 da CRP, em alguns dos seus sentidos, que:

“Somos da opinião de que algumas alterações constitucionais efectuadas são inconstitucionais, abalando não só normas e princípios constitucionais originários como essencialmente ofendendo valores transcedentes, em relação aos quais os textos constitucionais são unicamente declarativos e não constitutivos.200”

Assim, a doutrina contrária a inserção do instituto da entrega do Estatuto de Roma persiste no reconhecimento de parcial inconstitucionalidade e clama pela aplicabilidade dos mecanismos de controle de constitucionalidade brasileiro e o português. Defendem que as alterações efetivadas nas Constituições seriam inconstitucionais, abalando as normas e princípios originários, ofendendo valores transcedentes, o que devem ser eliminadas da ordem constitucional através do Supremo Tribunal Federal e Tribunal Constitucional Português201. O exemplo da França, em que o Conseil constitutionnel declarou202 a inconstitucionalidade parcial do Estatuto no que se refere às imunidades do Presidente da República, à preservação da soberania nacional e aos dispositivos sobre a prescrição e anistia.

O exemplo de inconstitucionalidade verifica-se em razão da previsão no Estatuto de pena de prisão perpétua, assim, Jorge Bacelar Gouveia entende que esta pena está em total desarmonia com as mais recentes tendências no que tange a perspectiva preventiva, encontrando-se

199 Ibid, p. 442-443. 200

Ibid, p. 470.

201 No que tange ao ordenamento jurídico português. GOUVEIA, Jorge Bacelar, 2004, ob. cit. p. 869.

202Decisão 98-408 de 22 de janeiro de 1999. Disponível em http://www.conseil- constitutionnel.fr/decision/1998/98408/98408dc.htm. Acesso em 20 de Janeiro de 2010. Nesse sentido, o Conseil d´ Etat belga no parecer publicado dia 21 de Abril de 1999, em que havia incompatibilidades sobre as previsões de levantamento de imunidade do Rei e de outras autoridades governamentais, disponível em www.icrc.org. Acesso em 20 de Janeiro de 2010.

abandonada pelos Estados mais avançados nos respectivos estudos criminológicos e jurídico- penais e que o Direito Penal está há muito tempo desprovido de uma dimensão exclusivamente retributiva, sendo sensível à prevenção e à ressocialização, não sendo no tipo de crime que reside o problema da valoração da pena a aplicar203.

O mesmo autor enumera os aspectos que determinam a inadmissibilidade constitucional do ERTPI, quais sejam, a pena de prisão perpétua, o princípio da legalidade criminal, as imunidades constitucionais dos políticos e a complementaridade jurisdicional. A prisão perpétua é proibida, conforme o artigo 30º, nº 1 e nº 4 da CRP e não se pode entender pelas “duas velocidades” do Direito Penal, no direito interno sem prisão perpétua e no direito internacional admitindo-a, considerando improcedente o argumento de que não seria prisão perpétua, em virtude do mecanismo de reexame de pena, ao fim do período de 25 anos, pois o Tribunal poderá reduzir a pena, mas nunca estando obrigado, diferentemente de Vital Moreira que refere-se à revisão obrigatória como “atenuante”204

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Por fim, explicita que a exclusividade da fonte legal, do princípio da não retroatividade, o princípio da tipicidade e o princípio da determinação não foram respeitados pelo Estatuto de Roma, em razão do estabelecimento de normas penais em branco ou normas penais de incidência que contém conceitos indeterminados e cláusulas gerais, admitindo tipologias exemplificativas ou fontes penais costumeiras205. Bem como os princípios da independência do poder judicial e do caso julgado, entendendo que pela complementaridade o Tribunal Penal Internacional poderia modificar os acórdãos proferidos pelos tribunais portugueses, com base na alegação de que a justiça portuguesa não foi suficiente. E conclui que a 5ª Revisão Constitucional que alterou o artigo 7º e o 33º da CRP foi uma “gravíssima quebra valorativa ou de uma auto-ruptura material de ordem constitucional”206

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Contudo, uma primeira solução as incompatibilidades entre o instituto da entrega e as Constituições brasileira e portuguesa, seria o exercício do direito de retirada, previsto no art. 127º do Estatuto de Roma. Dispõe que qualquer Estado Parte poderá, mediante notificação escrita e dirigida ao Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas, se retirarem do Estatuto,

203 GOUVEIA, Jorge Bacelar, 2004, ob. cit. pp. 737-738. 204

Ibid, pp. 743-745. 205 Ibid, p. 746.

produzindo ainda efeitos um ano após a data de recepção da notificação, salvo se indicar uma data ulterior.

Contudo, este dispositivo não isenta o Estado das obrigações do Estatuto enquanto Parte, como as obrigações financeiras, a cooperação com o Tribunal nos inquéritos e procedimentos criminais que se iniciaram antes da data da retirada, assim como a persecução de causas que o Tribunal já tivesse iniciado antes da retirada.

Porém, o aumento da criminalidade internacional e a necessidade dos Estados soberanos de reprimirem e punirem os crimes de grande repercussão, como os crimes contra a humanidade, genocídio, de guerra e de agressão, através de um órgão permanente de jurisdição internacional e imparcial que institua mecanismos mais eficazes de persecução criminal, justificam a utilização pela doutrina da interpretação constitucional e da relevância dos princípios de cooperação internacional, assim como a regulamentação do instituto da entrega, como formas de superação destas aparentes incompatibilidades.

Capítulo III. Superação dos pontos divergentes entre a extradição e pedido de