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Apesar do clima de revolta em relação ao Estado Novo já se fazer sentir durante a década de 1950, só em abril de 1961, é que desencadeou uma reação. O acontecimento ocorreu quando Botelho Moniz, representante da ala militar, que se encontrava insatisfeito com o rumo político seguido até então, planeou a revolta que ficou conhecida por Abrilada. O então ministro da Defesa Nacional, contatou várias personalidades relacionadas com as Forças Armadas com vista a ganhar apoios para organizar o golpe de Estado. Nesse seguimento, em abril, Botelho Moniz encontrou- se com Américo Tomás e exigiu-lhe a destituição de Salazar ameaçando-o de que, caso o seu pedido não fosse aceite iria tomar o poder pela força (Fonseca, 2007, p. 95).

A razão que levou ao descontentamento e, por conseguinte, à tentativa de derrube do Estado, foi a situação precária e insustentável em que as Forças Armadas se encontravam na luta pela manutenção das colónias em Angola. A decisão de ataque apenas foi tomada após colidirem as primeiras revoltas em Angola devido às Forças Armadas não possuíam métodos de defesa suficientes podendo, a qualquer momento, ficar à mercê de um ataque frontal dos rebeldes. Como Luís Rodrigues desenvolve, Botelho Moniz manifestara, no seu encontro com o embaixador Charles Elbrick, sérias preocupações em relação ao rumo dos acontecimentos em Angola e considerava imperativa uma mudança radical na política até então aplicada em África caso contrário, o “governo deixaria de contar com o apoio das Forças Armadas” (Rodrigues, 2002 a, p. 57).

Consoante o relato de Franco Nogueira, no dia 6 de março de 1961, Botelho Moniz e Charles Elbrick almoçaram a sós, ocasião essa em que o embaixador americano aproveitou para confidenciar ao ministro que tinha instruções para forçar o chefe do governo a alterar a sua política africana, uma vez que o presidente americano, John Kennedy, achava que a independência e autodeterminação dos países africanos constituía a maneira mais eficaz de travar a influência soviética. Após esse encontro, Botelho Moniz ficou a crer que podia contar com o apoio americano na preparação e execução do seu plano (Nogueira, 2000 a, p. 210).

Perante esse cenário, Botelho Moniz decidiu ir avante com a sua revolta e redigiu uma carta a Salazar, que a recebeu sem surpresa uma vez que já tinha conhecimento prévio do pensamento do ministro da Defesa em relação à questão anticolonialista. Na carta, Botelho Moniz sustentava a tese de que não se devia abandonar o Ultramar mas apenas “pintar a fachada” de modo a apaziguar os afro-asiáticos e a satisfazer os

Estados Unidos (Rodrigues, 2002 a, p. 63). Porém, o que chamou a atenção do chefe de Estado foram os contatos assíduos que o ministro mantinha com o embaixador americano, que podem ser constatados no anexo F, levando a crer que o seu aliado, uma vez mais, pretendia auxiliar o derrube do seu regime.

Embora Botelho Moniz receasse as consequências que qualquer atitude de apoio americano pudesse originar, dirigiu-se, de qualquer modo, à embaixada americana antes de proceder ao ataque para ter a certeza que podia continuar a contar com o apoio americano (Rodrigues, 2002 a, p. 65). Todavia, a atitude americana de apoiar Botelho Moniz alterou-se no momento em que se tornou evidente que o general e os respetivos apoiantes estavam prestes a executar o golpe. E, devido ao receio do relacionamento privilegiado que a embaixada americana mantinha com Botelho Moniz pudesse vir a trazer para a sua aliança com Portugal, a Administração americana decidiu aplicar a política do silêncio. Essa atitude justificou o facto de Charles Elbrick se ter recusado a receber Botelho Moniz. Assim, face à ausência do apoio americano, o golpe acabou por não ter o desfecho pretendido e Botelho Moniz foi prontamente demitido e substituído, no cargo de ministro da Defesa, por António Salazar.

Nesta situação, os políticos portugueses encontraram sinais evidentes do envolvimento dos Estados Unidos, o que os levou a crer que a Abrilada tinha sido orquestrada pela CIA e pela embaixada americana para derrubar o governo de Salazar. De acordo com Luís Rodrigues, os governantes portugueses acreditavam que o governo tinha sobrevivido a uma conspiração montada pela união de forças entre Botelho Moniz e a embaixada norte-americana sediada em Lisboa (Rodrigues, 2002 a, p. 67).

Sob o ponto de vista de Fernando Rosas, a Abrilada foi a última oportunidade histórica dos reformistas mudarem o regime visto que, logo de seguida, Salazar precipitou-se em remodelar, não só o governo, assumindo o cargo de ministro da Defesa como, também, as Forças Armadas através da substituição dos chefes máximos das Forças Armadas por “amigos” seus (Rosas, 1994, p. 536).

Uma vez mais, as relações luso-americanas ficaram tensas após se tornar evidente a existência de contatos entre Botelho Moniz e a embaixada americana e dos apoios e incentivos americanos dados aos revoltosos. O envolvimento de Washington foi de tal forma notório que Salazar adotou uma retórica ainda mais antiamericana do que a habitual e as revoltas contra os americanos fizeram-se sentir ainda mais. Em linhas

gerais, o movimento conspiratório acabou, assim, por não conseguir atingir o seu objetivo de derrubar o regime, mas sim por acentuar as desconfianças que o Estado Novo tinha em relação à nova Administração norte-americana.

Apesar destes antecedentes, o principal motivo que levou à eclosão da crise na aliança luso-americana residiu na questão colonial. Pouco depois de a Administração Kennedy ter sido eleita, a sua posição em relação à questão colonial alterou-se, com o intuito de se aproximar do continente africano e, dessa forma, neutralizar a intromissão política-ideológica da União Soviética. Devido a essa mudança de posicionamento, os EUA foram obrigados a assumir uma atitude crítica em relação ao colonialismo português que se refletiu, posteriormente, na votação favorável de uma resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas em relação ao fim do colonialismo português. Este facto, mais do que qualquer outro, contribuiu decisivamente para o início do período de maior tensão entre Lisboa e Washington no pós-1945. Nesse sentido, Charles Elbrick recebeu instruções do Departamento de Estado para se encontrar com Oliveira Salazar e lhe comunicar que os Estados Unidos iriam, doravante, alterar a sua posição de relativa “tolerância” em relação ao colonialismo português (Rodrigues, 2002 a, p. 59).

Perante este cenário, Portugal precisava de uma urgente e drástica liberalização na sua política ultramarina, não só por causa de a sua situação nas Nações Unidas começar a ser criticada, mas também porque a sua posição internacional começava a deteriorar-se.