• Nenhum resultado encontrado

Primavera Política: Renovação na continuidade

Em 1968, Marcelo Caetano foi indicado, por Américo Tomás, para substituir António Salazar uma vez que este já não se encontrava em indicações para permanecer na presidência. No entanto, Marcelo Caetano herdou um país bastante diferente do que o que tinha sido o “Portugal de Salazar”, sendo na data da sua eleição um país mais europeu em termos de trocas económicas, possível de analisar no anexo L.

O novo presidente do Conselho tinha sido outrora ministro das colónias e um ideólogo da descentralização administrativa e financeira das mesmas. Em vista disso, Caetano defendia uma política de progressivo desenvolvimento e de uma crescente autonomia das províncias ultramarinas. Para atingir esse objetivo, decidiu manter a estrutura do gabinete mas demitiu alguns secretários e subsecretários de Estado, tratando-se apenas de mudanças “cosméticas” (Kovac, 1981, p. 7).

Numa contextualização geral, Marcelo Caetano pretendia implementar uma política mais moderna e liberal, sendo o lema da sua Administração “renovação na continuidade”. Assim, por um lado o novo presidente tomou medidas para modernizar, liberalizar e abrir Portugal à Europa e, por outro, decidiu dar continuidade à política que Salazar mantera em relação às colónias.

Aquando da tomada de posse de Marcelo Caetano, Portugal encontrava-se mergulhado numa guerra colonial que já travava desde 1961. No entanto, enquanto que para os salazaristas a defesa de África se tratava de uma “missão histórica” completada pela defesa do Ocidente, para o novo presidente, o que justificava a luta pelo Ultramar era apenas uma questão de defesa dos interesses das populações brancas que se encontravam há muito tempo lá instaladas (Kovac, 1981, p. 20). A nível interno, verificavam-se grandes dificuldades na sociedade portuguesa devido ao isolamento político português, à opressão política e intelectual imposta, bem como, à contestação, embora silenciosa, da população em relação à guerra colonial (Direito,

2017, p. 20). No contexto externo, o governo português encontrava-se submerso na guerra do Ultramar que entretanto se tinha alastrado a Guiné e Moçambique.

No entanto, em função da neutralidade colaborante que a presidência de Nixon aplicara a Portugal, tornou-se evidente que a pressão descolonizadora era quase nula. Essa mudança de atitude, devia-se ao facto de Marcelo Caetano ter adotado uma política mais realista em relação aos Estados Unidos. É neste sentido que, logo em 1969, Caetano informa os Estados Unidos do seu interesse em ver resolvida a questão dos Açores, propondo uma abertura nas negociações (Teixeira, 1999, p. 29). Doravante, passou a evitar-se qualquer confronto no terreno ideológico a respeito da política ultramarina portuguesa e procurou obter-se o máximo de cooperação possível em todos os setores, tendo-se sentido essa mudança especialmente na reação americana ao Ultramar. No seu conjunto, os catorze anos da guerra colonial assumiram pouca relevância a nível internacional por ter sido subsumida em prol de outros conflitos localizados que ocorreram durante a Guerra Fria, sobretudo pelo conflito do Vietname.

Sob a Administração Nixon, tornam-se mais fáceis as relações luso-americanas tendo cessado os ataques públicos à política portuguesa, nos organismos internacionais passou haver um maior apoio americano e as compras e encomendas de material militar, feitas por Portugal aos Estados Unidos, passam a ser autorizadas pelo governo de Washington (Nogueira, 2000 a, p. 352). Na presente conjuntura internacional, passou haver uma dicotomia entre os Estados Unidos e a NATO. Por um lado, Nixon elogiava Portugal pela sua dedicação na luta contra o comunismo e admirava o combate dos portugueses em África. Enquanto que por outro lado, a NATO nunca chegou a autorizar a utilização do seu material em África e a apoiar a guerra colonial portuguesa (Pinto, 2001, p. 28).

Perante este contexto, o novo presidente de Portugal mantinha-se determinado a romper com o isolamento diplomático em que o país se encontrava e a promover uma imagem renovada no cenário internacional. Contudo, mantendo, na mesma, a questão dos Açores como uma arma política destinada a servir para adquirir concessões dos Estados Unidos (Antunes, 1992, p. 51).

Foi então que, em outubro de 1973, se iniciou o conflito entre Israel e os países árabes, conhecido por Yom Kippur. Face à necessidade de oferecer apoio de emergência a Israel, os Estados Unidos pediram auxílio aos países aliados europeus para poderem reabastecer os seus aviões. No entanto, nenhum país quis prestar esse

auxílio e, como o presidente português tinha também rejeitado o pedido para a atualização da Base dos Açores, o secretário de Estado americano, Henry Kissinger, respondeu com um ultimato ao qual Portugal não pôde deixar de ceder (Pinto, 2001, p. 33).

No que diz respeito à questão colonial, esta manteve-se central na política de Caetano e acabou por condicionar o futuro do marcelismo, ao ponto de conduzir ao seu impasse final em 1974. Com uma solução federalista para o Ultramar, Caetano “tingiu a sua imagem com uma tonalidade liberal para aparentar uma versão modernista do regime” (Léonard, 2018, p. 178). Como notou António de Spínola, o problema residiu no modo como Marcelo Caetano promoveu a autodeterminação das populações ultramarinas e a sua integração no Estado Novo. De acordo com o mesmo, não se devia resolver o problema ultramarino através do abandono dos territórios a interesses de outras potências pois seria “antiportuguês abandonar à sua sorte esses milhares de europeus e milhões de africanos” (Spínola, 1974, p. 146).

Em relação ao problema da guerra colonial, Caetano manteve uma posição intermédia uma vez que pretendia manter a guerra e, posteriormente, aplicar uma “retirada progressiva”. A defesa da descentralização administrativa nas colónias era a principal proposta do presidente visto que o país se encontrava sob uma forte pressão internacional em relação ao processo de descolonização (Cabreira, 2017, p. 39).

Todavia, a insatisfação dos militares com a guerra em África e a desmoralização progressiva das Forças Armadas, que recebiam a culpa pelos insucessos do regime, somavam-se. A guerra já se desenrolava há treze anos e não havia nenhum vislumbre de qualquer solução política por parte de Caetano o que conduziu a uma crise severa nas Forças Armadas devido à iminência da derrota no Ultramar. A chamada “Primavera Marcelista” não colheu tantas flores como se esperava tendo falhado em todas as políticas, “desde a liberalização económica, passando pela abertura democratica até à descolonização” (Gomes, 2012, p. 15).