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2. Conflito entre aliados: África como pólo de discórdia

2.1. Ajudas secretas americanas

A conjuntura internacional marcada pela Guerra Fria estimulou a aproximação dos diplomatas portugueses e americanos devido à necessidade mútua de ajuda militar. Contudo, mais tarde, essa aproximação não surtiu os efeitos práticos pretendidos, fazendo com que Portugal se encontrasse isolado a nível internacional. Porém, como anteriormente mencionado, esse isolamento não era preocupante, uma vez que Portugal era membro de organizações internacionais tais como a ONU, a NATO e a EFTA. Importa ter presente, neste contexto, que o movimento anticolonialista continuava a deixar pouco espaço de manobra à política externa

portuguesa e, no que dizia respeito à aliança luso-americana, a ajuda era apenas unilateral, de Portugal para os Estados Unidos.

Conforme previamente analisado, o ano de 1961 foi um ano extremamente difícil para o governo salazarista quer a nível interno como externo. E, em ambos os cenários, a influência americana esteve presente porém, não para ajudar e apoiar o seu aliado, mas antes para influenciar e precipitar o seu derrube.

Um dos pontos de fricção entre o governo português e o americano foi o contato frequente entre os Estados Unidos e as organizações e líderes nacionalistas da África portuguesa. A documentação norte-americana permite constatar com segurança que os contatos entre a Administração americana e os movimentos independentistas ocorreram, tendo sido especialmente intensos com a UPA, liderada por Holden Roberto. O líder da UPA encontrou-se, por várias vezes, com a delegação americana nas Nações Unidas com o intuito de convencer os Estados Unidos a pressionar Portugal de modo a “reconhecerem Angola como um território sem autogoverno” (Rodrigues, 2002 a, p. 105). A tese americana defendia que, caso os Estados Unidos não assumissem a liderança desse processo de libertação das colónias, existiria um perigo real de crescimento da influência comunista.

No seguimento dessa linha de pensamento, a nova Administração americana pretendia manter ligações com a UPA, ainda que discretamente, de maneira a proteger a integridade do movimento nacionalista e a evitar um maior agravamento nas suas relações com Portugal. No entanto, as relações entre o governo americano e Holden Roberto não passaram despercebidas às autoridades portuguesas. Um relatório elaborado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros demonstrou que o governo português estava ocorrente das frequentes visitas de Holden Roberto aos Estados Unidos. Esse mesmo relatório aludia, em especial, para o apoio que a UPA estava a receber por parte da American Committee on Africa (ACA). A mesma tratava-se de uma organização norte-americana que procurava influenciar as políticas do governo americano, num sentido anticolonialista, a apoiar a autodeterminação das colónias em África. A organização tinha, anteriormente, “acusado o governo português de ser responsável pela morte de dezenas de milhares de angolanos e tinha exigido a expulsão de Portugal das estruturas da NATO, caso não suspendesse as medidas repressivas que havia tomado em Angola” (Rodrigues, 2002 a, p. 109).

No entanto, só meses depois, em setembro de 1961, é que o governo salazarista decidiu tornar públicas as acusações de que existiam contatos entre a Administração

Kennedy e as organizações nacionalistas africanas. Assim, a 20 de novembro de 1961, a embaixada portuguesa em Washington entregou ao Departamento de Estado uma nota formal de protesto acerca da nova visita do líder da UPA aos Estados Unidos.

Contudo, o descontentamento por parte do governo português em relação aos contatos mantidos entre os EUA e a UPA só atingiu o seu clímax em fevereiro de 1962. Por essa altura, Franco Nogueira reuniu-se com Charles Elbrick e apresentou- lhe o documento que confirmava a existência de um acordo político entre os Estados Unidos e a UPA, onde se encontrava, também, discriminada toda a transação de armas e de dinheiro que tinha sido feita pelo lado americano. Embora o documento aparentasse ser verdadeiro, o governo português não excluiu a hipótese de se tratar de uma manobra russa para prejudicar as relações entre os Estados Unidos e Portugal. E, tal como se viria a comprovar mais tarde, o documento era falso. Todavia, independentemente da veracidade ou não do documento em questão, a verdade é que os contatos entre os Estados Unidos e a UPA se mantiveram até 1962. Neste registo, Frank Carlucci, embaixador dos Estados Unidos em Lisboa, prestou, mais tarde, declarações ao jornal Expresso, relativamente aos apoios americanos dados à UNITA e ao MPLA, onde afirmou que “era implacavelmente hostil aos Estados Unidos e tinha uma agenda totalmente diferente da nossa. Não acredito que estivessem minimamente empenhados no processos democrático” (Alves, 2014, p. 22) negando as supostas ajudas americanas fornecidas a esses movimentos.

É importante aludir ainda a dois aspetos que também fizeram parte do mote de queixa por parte do governo português. Um deles relaciona-se com as missões protestantes norte-americanas em solo africano. O seu propósito era a formação de futuras elites africanas sendo que muitos dos dirigentes dos movimentos nacionalistas receberam a sua educação nessas missões, como foi o exemplo de Agostinho Neto, líder do MPLA. As mesmas, desenvolviam, de um modo ativo e perigoso, uma campanha contra os interesses da soberania portuguesa no continente africano. Já o outro motivo dizia respeito ao papel desempenhado pelas organizações privadas norte-americanas, como era o caso da já referenciada ACA. O governo português culpava essas organizações pelos atos de terrorismo que se verificavam em Angola.

Pode concluir-se, portanto, que os contatos entre as organizações sindicais norte- americanas e os movimentos nacionalistas africanos eram do conhecimento do governo português. Diante deste cenário, Portugal chegou a ameaçar retirar-se da NATO devido aos seus “supostos” aliados serem os primeiros a atacar os seus

interesses nacionais. Mais ainda, o governo português não tinha dúvida alguma de que os Estados Unidos “enquanto simulavam, por um lado, professar a sua amizade com Portugal, estavam, por outro lado, trabalhando para destruiu a posição de Portugal no Ultramar” (Rodrigues, 2002 a, p. 113).