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Absoluto ou relativo?

No documento A metafísica de Isaac Newton (páginas 71-75)

3.3 O espaço e o tempo

3.3.1 Absoluto ou relativo?

No Escólio de Principia Newton introduz suas definições sobre esses assuntos, com o propósito principal de remover certos preconceitos empíricos.

Até aqui estabeleci as definições dos termos acima do modo como eles são menos conhecidos e expliquei o sentido no qual eles devem ser entendidos no que se segue. Não defino tempo, espaço, lugar e movimento por serem bem conhecidos de todos. Contudo, admito que o leigo não concebe essas quantidades sob outras noções, exceto a partir das relações que elas guardam com objetos perceptíveis. Daí surgem certos preconceitos, para a remoção dos quais será conveniente distingui-las entre absolutas e relativas, verdadeiras e aparentes, matemáticas e comuns. (NEWTON, 2008a, p. 44).

Após esta polêmica introdução no Escólio de Principia, contra os relativistas de seu tempo, Newton passa a fazer suas próprias definições. O que se segue adiante são definições ou corolários acerca do espaço e tempo, com a finalidade de acabar com certos conceitos vulgares estabelecidos pela física de Descartes de que o espaço e o tempo são exclusivamente relativos, algo que Newton em suma condena. O entendimento de Newton acerca do espaço e tempo absolutos e relativos ainda hoje é muito discutido pelos estudiosos do seu pensamento. Na realidade o que Newton quer evitar é justamente o erro de tomar os conceitos de espaço e tempo de uma maneira vulgar e aparente. É justamente por isso que se faz necessário ter uma compreensão filosófica e, portanto, metafísica destes termos, evitando assim que classifiquemos estes termos apenas num sentido mais vulgar.

I – O tempo absoluto, verdadeiro e matemático, por si mesmo e por sua própria natureza, flui uniformemente sem relação com qualquer coisa externa e é também chamado de duração. O tempo comum aparente e relativo é uma medida de duração perceptível e externa (seja ela exata ou irregular) que é obtida por meio de movimento e que é normalmente usada no lugar do tempo verdadeiro, tal como uma hora, um dia, um mês, um ano.

II – O espaço absoluto, em sua própria natureza, sem relação com qualquer coisa externa, permanece sempre similar e imóvel. Espaço relativo é alguma dimensão ou medida móvel dos espaços absolutos, a qual nossos sentidos determinam por sua posição com relação aos corpos, e é comumente tomado por espaço imóvel; assim é a dimensão de um espaço subterrâneo, aéreo ou celeste, determinado pela sua posição com relação à Terra. Espaços absoluto e relativo são os mesmos em configuração e magnitude, mas não permanecem sempre numericamente iguais. (NEWTON, 2008a, p. 45).

Espaço e tempo são vistos vulgarmente como inteiramente relativos, ou seja, são vistos pelos cartesianos apenas como distâncias entre objetos ou eventos perceptíveis. Na verdade, Newton nos alerta que além de tais espaços e tempos relativos, há espaços e tempos absolutos, reais e matemáticos. E estes são completamente distinguidos dos anteriores, pois são infinitos, homogêneos, contínuos e inteiramente independentes de qualquer objeto perceptível. O tempo flui uniformemente de eternidade para eternidade e o espaço existe todo, infinito, ao mesmo tempo, em mobilidade infinita. Assim, o espaço é imóvel por sua própria essência ou natureza, pois a ordem de suas partes não

pode ser mudada, de outro modo, seria mudada com relação a si própria, o que seria absurdo.

As partes do espaço e do tempo não podem pelos nossos sentidos só pela metafísica, por isso usamos medidas relativas a outros corpos para podermos perceber a distância ou dimensão deste espaço, bem como a duração do tempo propagado. Pois, definimos todos os lugares pelas posições e distâncias das coisas em relação a outras coisas, que consideramos imóvel em relação ao objeto que consideramos estar em movimento; calculamos todos os movimentos relativamente a estes lugares, os quais, corpos imóveis preenchem. Por isso, para medir ou definir distâncias, por exemplo, temos de considerar algum corpo como imóvel, e então estimar os movimentos e medir as distâncias em relação a outros corpos. Por esse motivo, Newton nos alerta no Escólio de Principia, que “em vez de lugares e movimentos absolutos, usamos relativos, e isto sem qualquer inconveniente prático” (NEWTON, 2008a, p. 47), porém, nos alerta que em investigações filosóficas “devemos abstrair de nossos sentidos e considerar as coisas em si mesmas”, ou seja, se quisermos definir o espaço e o tempo filosoficamente, não devemos nos ater a uma espécie particular de espaço e tempo, o que seria uma definição muito vulgar, mas justamente ao conceito que representa toda forma de espaço e tempo, seja aquele tomado em referência a outros corpos, seja aquele na sua forma mais universal. Por isso o espaço e o tempo, verdadeiro e absoluto, não podem ser definidos pela translação a partir dos corpos vizinhos, que são vistos como parados. Por conseguinte, todos os movimentos oriundos dos lugares em movimento são somente partes dos movimentos integrais e absolutos, e todo movimento integral compõe-se do movimento do corpo a partir de seu primeiro lugar, e do movimento deste lugar para fora de seu lugar, e assim por diante. Logo, no pensamento newtoniano, as quantidades relativas não são as próprias quantidades na sua forma mais essencial de espaço, tempo e movimento, mas sim as medidas sensíveis delas (verdadeiras ou erradas), usadas vulgarmente em lugar das qualidades em si. Portanto, se queremos definir os termos “tempo”, “espaço”, “lugar” e “movimento”, teremos de entendê-los puramente em suas medidas absolutas e não relativas a outro corpo, pois, de outro modo, não estaríamos contribuindo com a matemática e a filosofia, mas confundindo as verdadeiras quantidades com suas relações e medidas vulgares.

Além do mais, Descartes, em sua física do movimento relativo, concluía que sem matéria não haveria espaço, e sendo este apenas consequência das posições relativas de partes materiais. Newton, em sua crítica a Descartes, defende que se retirada toda a matéria ainda se poderia conceber o espaço já que ele tem existência real, substancial e absoluta. Uma crítica baseada na incompreensão do conceito de sistema de referência cartesiano, já que o espaço não pode ser apenas a consequência da relação entre corpos, precisa ter existência concreta e necessária desde que o ser precisa necessariamente existir em algum lugar e Deus precisa existir em todos. Além do mais, observa Newton, quando Descartes concebe o espaço como algo puramente relativo, também abre espaço ao ateísmo e acaba dando realidade ontológica aos corpos, porque negligencia o espaço absoluto. O mesmo pode se dizer do movimento absoluto, o qual também é distinguido do tempo relativo. “Todos os movimentos podem ser acelerados e retardados, mas o fluxo do tempo absoluto não é passível de mudanças” (NEWTON, 2008a, p. 46). Portanto, essa espécie de duração deve ser distinguida daquelas que são apenas suas medidas perceptíveis, e da mesma forma como a ordem das partes do tempo é imutável, assim também o é a ordem das partes do espaço, pois é como se tempos e espaços fossem referidos tanto de si mesmos (absolutos) quanto em relação a todas as outras coisas.

No entanto, Newton assume como veremos adiante, no tópico dedicado ao movimento, que é impossível por observação e por experimento nos aproximar de qualquer dessas duas entidades absolutas, verdadeiras e matemáticas, pois elas são fundamentalmente inacessíveis a nós por experimento, e podemos nos perguntar: como então sabemos que há coisas tais como o espaço, tempo e movimento absolutos, tendo admitida inacessibilidade à observação e ao experimento, e da completa relatividade de todas as nossas medições com referência a corpos perceptíveis? Como Newton, o fervoroso empirista e refutador de hipóteses, ousa introduzi-las em suas definições de massa e força, e nos seus axiomas de movimento? Como mencionado anteriormente, esta questão será melhor abordada no tópico referente ao movimento, porque achamos que esta questão pode ser mais bem desenvolvida e respondida a partir dos conceitos newtonianos de movimento e de repouso absolutos.

No documento A metafísica de Isaac Newton (páginas 71-75)