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Os corpos sólidos e os corpos fluidos

No documento A metafísica de Isaac Newton (páginas 63-66)

3.2 Concepções metafísicas do conceito de massa

3.2.3 Os corpos sólidos e os corpos fluidos

Para Newton todos os corpos são constituídos de partículas muito pequenas, indestrutíveis, indivisíveis e imperceptíveis – estas partículas participam da formação de tudo o que existe. Mas, se essas partículas participam da constituição de tudo então obviamente elas também deveriam participar da constituição do espaço e do tempo, ou não?

Todos os corpos parecem ser compostos de partículas duras, pois se assim não fora os fluidos não congelariam, como o fazem a água, o óleo, o vinagre e a essência ou óleo de vitríolo pelo congelamento... Mesmo os raios de luz parecem ser corpos duros, pois de outra forma não teriam propriedades diferentes em seus lados diferentes. Portanto, a dureza pode ser considerada como a propriedade de toda matéria não-composta. (NEWTON, 2002, p. 282).

Nesta passagem de Óptica encontramos a pista para entender como Newton resolveria esta questão. O espaço assume propriedades de uma partícula corpórea, propriedades como a temperatura ou outras propriedades de textura, propriedades visuais como a reflexão da luz pelo espaço. Assim, não seria absurdo considerar o espaço como uma espécie de corpo muito tênue e que permite o deslocamento de qualidades formais pelo espaço e pelo tempo. Tudo o que existe no universo são corpos ou corpos semelhantes a outros corpos, ou como diria Newton, “se forem corpos neste

caso podemos definir os corpos como sendo determinadas quantidades de extensão que o Deus onipresente dota de certas condições” (NEWTON, 1991, p. 224).

Se pudermos imaginar ulteriormente que a impenetrabilidade não é sempre mantida na mesma parte do espaço, mas pode ser transferida para cá e para acolá segundo certas leis, porém de tal maneira que a quantidade e a forma desse espaço impenetrável não são alteradas, não haverá nenhuma propriedade corporal que este não possua. Teria forma, seria tangível e móvel, seria também capaz de refletir e ser refletido, constituindo também uma parte da estrutura das coisas, tanto quanto qualquer outro corpúsculo, e não vejo por que não haveria igualmente de operar sobre as nossas inteligências, visto não ser outra coisa senão o produto da inteligência divina realizado em uma quantidade definida do espaço. Com efeito, é certo que Deus pode estimular a nossa percepção pela sua própria vontade, e consequentemente aplicar este poder aos efeitos da sua vontade. (NEWTON, 1991, p. 224).

Em De gravitatione, Newton presume a extensão e um ato da vontade de Deus como suficientes para a existência dos corpos fluidos, ou seja, os corpos ocupam o lugar no espaço, no qual a forma do corpo é conservada pela vontade divina e, “aquele produto da vontade divina é a forma ou a razão formal do corpo que caracteriza cada dimensão do espaço no qual o corpo deve ser produzido” (NEWTON, 1991, p. 225). Esses “seres”, como ele chama o espaço e os corpos fluidos, não serão menos reais do que os corpos, apesar de qualquer realidade que atribuamos aos corpos serem derivadas de seus fenômenos e qualidades sensíveis. Por isso, Newton não considera estes “seres” fluidos não menos reais que os corpos, tendo em vista que podem receber todas as qualidades deste gênero, quando ocupados por um corpo, com exceção do movimento, já que para sua época era concebível que o espaço era isento de movimento em si mesmo 50. Seria a mesma analogia entre os corpos (extensão) e a forma impressa por eles, no sentido que Aristotélicos expõe no Capítulo 3 do Livro I da Metafísica, entre a matéria prima e as formas substanciais, com a ressalva de que, a extensão engloba um campo de domínio mais geral dos corpos, pelo fato de ser ao mesmo tempo quid (o quê), quale (de que constituição) e quantum (quanto), ao passo que o espaço encerra a

50 É compreensível que Newton tivesse esta postura com relação à impossibilidade do movimento do

espaço em si mesmo, devido a imensa distância tecnológica de sua época, como telescópios espaciais ultra potentes. Não se sabia que o espaço poderia sofrer variações de movimento, algo bastante aceito nos dias de hoje depois dos estudos de Edwin Powell Hubble e da descoberta de que o universo está se expandindo.

mesma realidade dos corpos. Assim, Newton acaba supondo que toda forma pode ser transferida através de qualquer espaço e tão pouco, os “corpos fluidos” são menos substâncias do que os “corpos sólidos”, uma vez que eles também subsistirão exclusivamente pela vontade e virtude de Deus.

Consideradas todas essas coisas, parece-me provável que no princípio Deus formou a matéria em partículas sólidas, maciças, duras, impenetráveis, móveis, de tais tamanhos e formas, e com tais outras propriedades, e em tal proporção em relação ao espaço, como as que conduziriam mais ao fim para o qual Ele as formou; e que essas partículas primitivas, sendo sólidas, são incomparavelmente mais duras do que quaisquer corpos porosos que delas se componham e mesmo tão duras a ponto de nunca se consumir ou partir-se em pedaços, pois nenhum poder ordinário é capaz de dividir o que o próprio Deus fez uno na primeira criação. Enquanto as partículas continuam inteiras, elas podem compor corpos de uma mesma natureza e textura em qualquer época; mas se elas se consumissem, ou se fizessem em pedaços, a natureza das coisas que delas dependem seria modificada. A água e a terra, compostos de velhas partículas gastas e de fragmentos de partículas, não teriam hoje a mesma natureza e textura que tinham no princípio a água e a terra compostos de partículas inteiras. Portanto, para que a natureza possa ser duradora, as mudanças das coisas corpóreas devem ser colocadas apenas nas várias separações e nas novas associações e movimentos dessas partículas permanentes; com os corpos compostos tendendo a romper-se, não no meio das partículas sólidas, mas no lugar onde essas partículas se reúnem e apenas se tocam nuns poucos pontos. (NEWTON, 2002, p. 290).

Estas “partículas” não têm somente uma vis inertiae elas possuem leis naturais, “princípios ativos”, como a gravidade e outras qualidades ocultas, pelas as quais as próprias coisas são formadas, mesmo que se não reconheça suas causas. Pois, estas são qualidades manifestas, e somente suas causas estão ocultas. E conforme exposto a partir destes princípios, Newton infere que todas as coisas, materiais ou não, parecem ter sido compostas de partículas duras e sólidas, variadamente associadas na primeira criação pelo conselho de um agente inteligente.

Há uma passagem bastante interessante daquilo que poderíamos chamar de um primeiro indício da teoria da relatividade 51, posteriormente elaborada por Einstein. Na

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Questão 30 de Óptica, Newton se questiona a respeito da possibilidade dos corpos se transformarem em luz e vice versa.

A transformação dos corpos em luz, e da luz em corpos, é muito conforme ao curso da natureza, que parece deliciar-se com as transmutações... E, em meio a essas transmutações variadas e estranhas, por que não pode a natureza transformar os corpos em luz, e a luz em corpos? (NEWTON, 2002, p. 274).

Esta inocente questão demonstra que Newton realmente acreditava que a luz poderia assumir características de um corpo, e vice e versa. Encarar a luz como uma espécie de corpo, e vale ressaltar, um corpo de maneira bastante sutil e tênue, com características espirituais, mas ainda assim corpo, poderia determinar a extensão deste corpo fluido e suas propriedades mais gerais, o que lhe representava um objetivo crucial nos seus estudos sobre ótica. É claro que a ciência de sua época era muito juvenil, e a possibilidade de aplicar velocidades extremas a corpos, como a velocidade da luz, não foi se quer cogitada.

No documento A metafísica de Isaac Newton (páginas 63-66)