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O racionalismo aplicado

No documento A metafísica de Isaac Newton (páginas 30-35)

1.4 Aspectos de metodologia científica e filosófica

1.4.2 O racionalismo aplicado

O entendimento da realidade fenomênica só é possível porque traduzimos as ações práticas em programas de realização lógica. Não podemos tentar compreender os fenômenos sem fundamentar esta compreensão na própria razão. A ação científica, guiada pelo racionalismo matemático, não é uma negação da condição empírica, mas, a ação racional, determina uma realidade experimental sem irracionalidade. Em outras palavras, o fenômeno, ordenado por um raciocínio lógico é mais rico que o fenômeno puramente natural, sem nenhum conteúdo racional. O que a filosofia da ciência procura, é, justamente, eliminar a ideia de que “a realidade é uma fonte inesgotável de irracionalidade” (BACHELARD, 1976, p. 13) – busca, justamente, uma eliminação da irracionalidade dos fenômenos – a ciência moderna busca esta eliminação, esta proteção contra toda a perturbação irracional. Para o racionalismo científico, a aplicação da lógica racional não é uma derrota, mas um compromisso com o conhecimento mais puro. A ciência moderna quer aplicar esta cooperação. Deste modo, a filosofia da ciência, é uma filosofia aberta, por superar os seus próprios princípios 21.

Deste modo, é o racionalismo newtoniano que dirige toda a física matemática do século XIX, a partir de seus elementos fundamentais como o espaço absoluto e o tempo absoluto, movimento e massa, propondo um novo sistema fundamental de medida da

21 Segundo Bachelard, qualquer outra filosofia coloca os seus princípios como intocáveis, as suas

verdades primeiras como totais e acabadas, se glorificando pelo seu caráter fechado. A filosofia da ciência se aplica determinando uma superação dos seus princípios experimentais, modificando-se quando necessário. (BACHELARD, 1976, p. 13).

construção da realidade. Segundo Bachelard, tais elementos são a base daquilo que podemos chamar de átomos nocionais 22, ou seja, elementos a priori que fundamentam as bases métricas de tudo o que pode ser medido. A noção de massa, por exemplo, define-se não apenas como um elemento primitivo de uma experiência imediata e puramente direta, mas num corpo de noções racionais. Newton é o principal precursor deste racionalismo científico, que tem a pretensão de ir além da física da balança, e de outros instrumentos puramente empíricos, para atingir, um grau maior, no conhecimento dos próprios fenômenos, fomentando o surgimento da sua mecânica racional. E, não se trata de ultrapassar as barreiras empíricas, numa necessidade de simplificar o fenômeno em algo puramente racional, mas, procurar um maior esclarecimento do fenômeno, enriquecendo-o. Newton consegue isso, quando define, por exemplo, a massa como o quociente da força pela aceleração. Percebemos os conceitos de massa, força e aceleração em perfeita harmonia, numa relação racional, analisada pelas leis racionais da aritmética.

Entretanto, na opinião de Bachelard, para interpretar, no sentido realista, a correlação das três noções de massa, força e aceleração, é preciso ir além do realismo das coisas para o realismo das leis, obrigando-nos a admitir duas ordens de realidade: o realismo sobre entidades e o realismo sobre leis.

A partir do momento em que se definiram em correlação as três noções de força, de massa, de aceleração, realizou-se imediatamente um afastamento em relação aos princípios fundamentais do realismo, dado que qualquer destas três noções pode ser apreciada através de substituições que introduzem ordens realísticas diferentes. (BACHELARD, 1978, p. 17).

Esta ordem epistemológica complica-se mais ainda com a era da Relatividade, no início do século XX, principalmente a partir dos estudos de Albert Einstein, que abre o racionalismo essencialmente fechado nas concepções newtonianas e kantianas, pois, constata-se, que a noção de massa tem uma estrutura funcional “interna”, ao passo que todas as noções anteriores, eram, de certo modo, “externas”. A Relatividade descobre que a massa, antes definida como absoluta e independente no espaço, é na verdade uma função complicada da velocidade – a massa de um objeto passa a ser relativa ao

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(Notionnels), bases nocionais que fundamentam a estrutura das coisas, permitindo estabelecer a o espo d iaà e t eà asà oçõesà eà aà edidaà dasà oisas.à Tudoà oà ueà seà ede,à de eà eà podeà depoisà apoiar-seà estasà asesà t i as . (BACHELARD, 1976, p. 41).

deslocamento deste objeto – e é impossível definir a massa de forma tão simples como fazia a dinâmica newtoniana. Neste sentido, o realismo tradicional torna-se condicional; ele admite um realismo das coisas e dos fatos, e um realismo das leis, sendo que, agora, ele vai fragmentar o realismo das leis em uma realidade idealista ou teórica. E a hierarquia destas realidades (dos fatos e das noções) só existe na medida em que a racionalidade tenta impor seu domínio tentando separar e organizar os conceitos que analisa. De fato, como veremos adiante, Newton está persuadido que existe uma realidade verdadeira das leis naturais, e que o homem é capaz de perceber essas leis pelos métodos da filosofia da ciência ou conforme ele mesmo, da “filosofia natural” 23.

Contudo, a definição de “filosofia da ciência” que pretendemos chegar, é de uma filosofia aberta, sem preconceitos, consciente de um espírito e ações, que se fundam, na medida em que trabalham sobre o desconhecido, sempre com a disposição de encontrar na realidade aquilo que contradiz conhecimentos anteriores. Newton é um grande, se não o maior, expoente desse novo espírito científico, que busca uma ‘transcendência experimental’ 24. Ele é o grande responsável à objeção que impõe uma leitura

necessariamente sensível do conhecimento científico, à objeção que pretende reduzir “a experimentação a apenas a leitura física dos fenômenos, negligenciando a leitura teórica” (BACHELARD, 1976, p. 16). Assim, não é nenhum absurdo dizer que a experiência, nas ciências físicas, tem um além, uma transcendência, que ela não está fechada sobre si própria. Isto é claramente exposto por Bachelard, quando afirma que a razão não deve sobrevalorizar uma experiência imediata, mas deve pôr-se em equilíbrio com a experiência, de modo a construir uma estrutura mais rica, naquilo que ele chama de “filosofia do não”. Deste modo, o racionalismo que explica ou informa uma experiência, deve estar de aceite com esta abertura, deve permitir esta transcendência empírica. Bloqueio que a ciência tradicional, pré-newtoniana, insistiu em adotar, mas que a cultura científica de Newton e seus contemporâneos determinaram mudanças

23 Uso o termo filosofiaà atu al ,àe à elaç o ao termo filosofiaàdaà i ia àa ui,ào deà o al e teà

usar-se-iaà ape asà i ia ,à ouà i iaà ode a ,à oà e à se tidoà t adi io al,à deà u aà i estigaç oà filosófica a respeito dos limites, possibilidades e conexões do conhecimento científico, mas para deixar clara a hipótese que subjaz esta pesquisa, a saber, que toda a investigação científica em geral, e a de Newton em especial, é também investigação filosófica, pois traz consigo pressuposições e posicionamentos sobre a realidade e o conhecimento que não podem ser justificados pelos métodos empírico-racionais da ciência e, no caso de Newton, muitas vezes, trazem também, como se espera de um texto filosófico, a exposição, argumentação e justificação destes posicionamentos. Sobre este aspecto, ver (JANIAK, 2008).

24 Com efeito, esta expressão não é exagerada para definir a ciência instrumentada como uma

profundas nesta forma de pensamento científico, estabelecendo novas bases para o que ficou conhecido como “o novo espírito científico”.

2. A METODOLOGIA DE NEWTON

Na modernidade, a filosofia mecânica compreende que a única forma de garantir a certeza de algo é dispô-lo matematicamente. Propõe a redução da natureza às categorias matemáticas e, deste modo, conforme Galileu, decifrar o “alfabeto com que Deus escreveu o universo”. A outra corrente, a filosofia empírica, argumentando sobre a capacidade humana diante da diversidade das coisas da realidade, propõe grandes sistemas coerentes com a realidade empírica, cujo experimento criterioso é fundamental para o estabelecimento de verdades ou conceitos acerca dessa realidade. A metodologia newtoniana, o uso de tecnologias 25 na busca pelo conhecimento dos fenômenos da natureza, não negava esta ou aquela disciplina, simplesmente, por divergirem em seu método, mas, como disciplinas que podiam andar juntas, pois seus métodos almejam se aproximar do verdadeiro conhecimento. O talento e o discernimento experimental de Newton ajudaram-no em uma completa compreensão, bastante clara, do método e do sentido de investigação, que o novo pensamento científico exigia. Durante quase um século de matemática, mecânica, astronomia e ótica, e de que este século esteja repleto de grandes gênios em cada um destes campos, atestaram o gênio poderoso de Newton e de que este gênio estivesse pronto para realizar as suas próprias descobertas. Aliás, o próprio Newton, certa vez, assinalou que, “se eu vi mais adiante [do que outros homens], foi porque me ergui por sobre os ombros de gigantes” 26. Serviu-se de um

método necessário para reduzir os maiores fenômenos de todo o universo da matéria a uma simples lei matemática. A filosofia da ciência de Newton desfruta de uma especial posição, por ter-se tornado uma autoridade equiparada somente à de Aristóteles, numa época caracterizada, principalmente, pela rebelião contra a autoridade da igreja. Podemos encontrar, em vários trechos de sua obra, Newton relatando o modelo do

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Entendemos tecnologia como o uso de qualquer método ou técnica evolutiva que caracteriza a criatividade humana, seja acerca de um conhecimento empírico, como os cientistas, ou acerca de um conhecimento metafísico como os filósofos – o uso simultâneo de métodos ou tecnologias em busca de um conhecimento mais verdadeiro, acerca de algo em comum, determinado a conhecer, não significa uma contraposição de métodos, uma anulação de um ao outro, e que não podem serem pensados e usados juntos, mas que contribuem e enriquecem a construção de um conhecimento mais apurado acerca das coisas quando fazemos uso de mais métodos do que apenas só um.

26 Num ensaio intitulado A note on science and democracy Nota sobre ciência e democracia"), Robert

King Merton menciona uma observação de Isaac Newton: "Se me foi possível enxergar mais longe, foi por estar nos ombros de gigantes." Acrescentou uma nota de rodapé esclarecendo que "o aforismo de Newton é uma frase padronizada que encontrou repetida expressão a partir do século XII .àDeàfato,à oà encontramos essa frase nas obras de Newton, entretanto, é consenso, entre os historiadores e a comunidade científica, que de fato o Newton proferiu essa frase.

método utilizado por sua mente para realizar seus desempenhos brilhantes na filosofia natural, e algumas outras declarações, muitas vezes, vagas, a respeito de seu método, que requerem trabalhosas interpretações, e um rigoroso estudo de sua biografia. Seus escritos sobre método, todavia, são superiores aos seus pronunciamentos metafísicos, fato natural, em vista do seu interesse na estrutura científica e da herança que herdou de seus antecessores. Analisemos como ele descreve seu método para que seja necessária uma apreciação de sua influência ao surgimento da metafísica newtoniana.

No documento A metafísica de Isaac Newton (páginas 30-35)