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do tradicional ao sustentável

2.2. Ceramistas brasileiros que utilizam vidrado de cinzas

2.2.8. Acácia Azevedo

Figura 196. Acácia Azevedo.

Acácia é uma pessoa contagiante, ceramista primorosa, em que o poético está sempre atrelado às suas peças. Convida-nos a olhar para a essência da cerâmica, para além do objeto. Alquimista, seus vidrados possuem toda uma sutileza de cores e efeitos, resultado de suas intensas pesquisas e experimentações.

Pernambucana nascida em Recife, iniciou seu trabalho com a cerâmica em 1999, mas foi no ano de 2000 que passou a se dedicar com mais ainco a arte. Atualmente tem um ateliê em Vinhedo, onde desenvolve seus projetos e suas peças. Ministra aulas de modelagem em torno, modelagem manual, engobes e formulação de vidrados cerâmicos.

Desde pequena era fascinada pelos mestres ceramistas de Pernambuco, mas só quando se mudou para São Paulo, interessou-se pela cerâmica artística. O primeiro contato foi com a cerâmica popular, em que o igurativo está muito presente: bone- cas, comedouros para passarinhos, peças para jardins.

Nesse início, a argila era nua (sem vidrados), utilizava engobes para a decoração (argilas coloridas) e queimas de baixa temperatura (como raku e queimas primiti- vas). Mas como queria participar da vida das pessoas, alterar seus hábitos, seus gestos, interessou-se pelos utilitários e pelo trabalho em alta temperatura. 

Mas eu queria entrar na casa das pessoas, através do que faço participar da vida delas e talvez alterar seus hábitos, seus gestos... Foi quando veio o interesse pelos utilitários e o trabalho em alta temperatura [1250º/1300ºC]. Acredito que é no dia a dia que se dá a apropriação da forma, a revelação sensual do toque, a composição imagética da memória. Interessa-me in- tervir na superfície, forma e função dos objetos, estabelecendo um diálogo delicado com os que elegem a cerâmica para participar de seu cotidiano. E foi assim que parti para a alta temperatura, o que motivou um projeto de pesquisa que sigo até hoje: A formulação de vidrados, ou esmaltes. A pes- quisa das matérias-primas e a interação entre elas.37

Figura 198. Utilitário com vidrado de cinzas (40%), queima em forno elétrico.

Sua introdução aos vidrados de cinzas foi no Senai, em São Bernardo do Campo, e depois com os professores Estela Horta Miyauchi e Kenjiro Ikoma, em São Paulo. Com as inúmeras possibilidades e texturas que os vidrados podem oferecer, Acácia formula e desenvolve seus vidrados. Além das cinzas utiliza como matéria-prima terras encontradas com facilidade ao seu redor, que são recolhidas e preparadas. As matérias primas nacionais são preferidas por serem mais acessíveis e mais baratas.

Eu mesma formulo meus esmaltes e utilizo como matéria-prima, além dos minerais, cinzas vegetais. Fiz vários cursos no Senai, onde inclusive iniciei minha pesquisa sobre cinzas vegetais que até hoje desenvolvo. Continuo fascinada com os resultados das texturas das argilas queimadas nuas e em alta temperatura. Mas nos utilitários, além das formas, gosto de explorar as possibilidades oferecidas pelas superfícies dos vidrados; texturas que remetem aos arrecifes ou ao solo do sertão pernambucano, as espumas das ondas do mar de minha infância, os verdes claros do mar ou os verdes raros do sertão, dos azuis profundos das noites estreladas, aos tons do couro, da palha, os brancos das camisas dos sertanejos ou da areias das praias de minha memória. Algumas peças continuam ter detalhes em en- gobe, inluência de minha ascendência indígena, uma espécie de voz ances- tral, muito brasileira, que guia em meu trabalho dentro do contemporâneo.”

Figura 199. Testes com cinzas variadas, forno elétrico.

Utiliza as cinzas mais variadas possíveis: a de eucalipto, por ser a mais acessível, e também cinzas de jaqueira, bananeira, mangueira, pinheiro, jabuticabeira, pitan- gueira, laranjeira, amendoim, acácia, café, cana, caju, entre outras. Essas cinzas são provenientes de podas do sítio onde reside, uma das principais fontes, podas da prefeitura, das quais se informa periodicamente, vizinhos e parentes que queimam suas folhas de quintal, amigos que andam por fazendas e lembram que a ceramista as utiliza na composição dos seus vidrados. Segundo Acácia, sempre chega algo

novo, e dá exemplo de um amigo que a trouxe cinzas vulcânicas do Puyehue, no Chile. A preparação das cinzas antes de compor o vidrado consiste em: lavagem (em torno de seis vezes), peneiração e calcinação a 900°C, mas dependendo da cinza, utiliza-a sem calcinar. Ao perguntar por que ela utiliza as cinzas na composição dos vidrados, Acácia comenta:

Porque como diria Hamada, “[...] ao trabalharmos com cinzas, estamos lidando com as composições do universo.” Todas as cinzas vegetais são constituídas por substâncias fundentes e refratárias, contudo, suas com- posições químicas variam bastante. Por si só podem constituir um vidrado. Cálcio, fósforo, potássio, sódio e sílica são alguns dos óxidos encontrados nas cinzas, além de traços de uma série de outros que combinados produ- zem resultados únicos. As cinzas oferecem determinados elementos que normalmente não temos acesso. Para mim as cinzas são um recurso bara- to e disponível. Além de representar uma grande economia em relação às matérias-primas para os vidrados, seus efeitos são belos e suas possibili- dades ininitas. Além de ser um estudo instigante e surpreendente.

As queimas dos vidrados de cinzas são mais frequentemente realizadas em forno elétrico a 1260°C, mas também utiliza forno a gás a 1300°C e eventualmente queima em anagama em1300°C, onde o depósito das cinzas é natural. A ceramista comenta que os vidrados de cinzas tomaram um espaço especial e continuam despertando a curiosidade dos pesquisadores. Esse tipo de vidrado tem alcançado a condição de arte soisticada, admirado por colecionadores e apreciadores de arte.

Figura 201. Vaso, vidrado com 35% de cinzas, queima em forno elétrico.

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