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1.2 FONÉTICA SEGMENTAL E SUPRASSEGMENTAL

1.2.2 Acústica dos segmentos

No desenvolvimento deste estudo fez-se necessário recorrentemente associar as informações articulatórias aos achados acústicos correspondentes, tendo sido tal conhecimento especialmente importante durante a delimitação precisa dos intervalos de fala a serem examinados, na caracterização das pausas do discurso (quando se faz discriminação entre pausa silenciosa e pausa articulatória17) e na definição tanto dos segmentos efetivamente produzidos quanto do número de sílabas fonéticas (definidas na Subseção 2.1, Capítulo 2) constantes em cada um dos intervalos de fala identificados como passíveis de submissão ao cálculo das taxas em estudo.

Por essa razão apresenta-se, a seguir, a caracterização acústica das principais classes de sons linguísticos, ressaltando-se que a descrição dos vestígios associados aos vocoides e contoides aqui exibida compreende uma reunião do publicado em Fujimura e Erickson (1997), Kent e Read (1992), Ladefoged (2001, 2003), Ladefoged e Maddieson (1996) e Martins (1988).

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A pausa silenciosa compreende o tempo de não emissão usado linguisticamente ou para reposição do suporte aéreo enquanto que a pausa articulatória refere-se ao tempo de não emissão

necessário para reposicionamento dos articuladores, questão expandida na Subseção 2.1 do Capítulo 2.

1.2.2.1 Vocoides

Os vocoides, que têm por representantes as vogais e as semivogais, são produzidos sem constrição significativa no aparelho fonador, mas com modificações nos articuladores que produzem padrões específicos de ressonância, visualizados especialmente através da configuração dos dois primeiros formantes. Quanto mais alto é o ponto articulatório da vogal ou da semivogal, menor tende a ser o valor em frequência de seu F1 (formante associado ao posicionamento vertical de língua) e quanto mais anterior é o ponto de articulação da vogal, maior tende a ser o valor de seu F2 (formante associado ao posicionamento ântero-posterior da língua). A fonte de energia nessa classe de segmentos é a sonoridade. Os achados acústicos representativos especificamente das vogais indicam que essas:

a) são quase periódicas, como é possível observar no oscilograma e no espectrograma da Figura 7 (respectivamente exibidos no quadro superior e inferior), o que justifica serem classicamente utilizadas para visualização de harmônicos e formantes;

Figura 7 – Periodicidade tipicamenteassociada à enunciação vocálica

Fonte: A autora (2013).

b) são intensas (por não terem fonte de ruído conjugada) e apresentam a maior parte da energia até 4000 Hz;

c) possuem duração de, aproximadamente, 50 a 400ms;

d) se nasais ou nasalizadas, são mais fracas do que as vogais orais, têm formantes com maior largura de banda e formante nasal de baixa frequência.

As semivogais apresentam propriedades acústicas muito similares às das vogais, podendo-se citar como diferencial o fato de que as semivogais:

a) são mais curtas e mais fracas do que as vogais (pois implicam constrição mais estreita entre os articuladores), contendo menor porção estável, essa inclusive inexistente no segundo formante, conforme Padgett (2008);

b) participam na formação dos ditongos decrescentes (vogal seguida de semivogal) e crescentes (semivogal seguida de vogal), respectivamente ilustrados à esquerda e à direita na Figura 8, com valores correspondentes aos monotongos [ɪ, ʊ]. São descritas normalmente quanto aos seus valores de entrada e saída.

Figura 8 – Exemplar de ditongo decrescente e crescente

Fonte: A autora (2013).

1.2.2.2 Contoides

Os contoides caracterizam-se pela presença de obstrução da corrente aérea durante a articulação, sendo representantes desse grupo as plosivas, as fricativas e as africadas, adiante caracterizadas.

As plosivas e africadas preveem em sua produção um tempo inicial de contato absoluto entre os articuladores, ao que segue a soltura (explosão) da corrente aérea expiratória tipicamente encontrada nessas classes de segmento e, no caso das africadas, após a mencionada soltura, uma zona de ruído associada ao período fricativo do segmento. Os mencionados vestígios são ilustrados na Figura 9.

Figura 9 – Pré-plosão, soltura e zona de ruído típicos

Fonte: A autora (2013).

São achados acústicos típicos das plosivas:

a) o tempo pré-plosão, visualizado como intervalo de silêncio ou de baixa energia no sinal, apontado como menor nos exemplares sonoros;

b) a barra vertical com aproximadamente 10 a 30ms, mais tênue nas manifestações sonoras e cuja concentração de energia varia de acordo com o ponto articulatório da plosiva (bilabiais em torno de 500 a 1500 Hz, dorsais de 1500 a 2500 Hz e alveolares entre 2500 e 4000 Hz, podendo haver, no caso das plosivas velares, mais de uma barra vertical e, ainda, no caso do [k], ruído após a soltura;

c) o VOT (Voice Onset Time), correspondente ao intervalo (em

milissegundos) entre a soltura da plosão e o início do vozeamento da vogal seguinte (no caso das plosivas desvozeadas) ou da sonorização do próprio segmento (no caso das plosivas vozeadas), como exibido na Figura 10 a seguir. É um recurso utilizado para diferenciar as plosivas surdas de suas contrapartes sonoras (tendo as últimas o VOT negativo).

Figura 10 – VOTs tipicamenteobservados na enunciação de plosivas

Fonte: A autora (2013).

As fricativas são produzidas com constrição que gera um ruído turbulento, considerado a fonte de energia típica dessa classe de segmentos (embora não necessariamente a única, dada a existência de fricativas sonoras). Apresentam como referência acústica a zona de ruído espectral em altas frequências, essa mais longa nos exemplares desvozeados ou posteriores e com valor de frequência associado ao tamanho da cavidade anterior ao local da articulação (acima dos 4000 Hz em [s, z] e ao redor dos 3000 Hz em [ ʃ, ʒ ], sendo o espectro das labiodentais [f, v] fraco, plano e difuso). A imagem espectrográfica exibida na Figura 11, a seguir, ilustra as propriedades mencionadas.

Figura 11 – Localização dos vestígios tipicamente associados às fricativas [f, v, s, z, ʃ, ʒ ]

As nasais têm o vozeamento (ativação das pregas vocais) como fonte de energia e a presença de antiformantes. São achados acústicos típicos dessa classe de segmentos:

a) o “murmúrio nasal”18, equivalente à energia acústica periódica (conforme detalhe sobreposto, na Figura 12), de baixa intensidade, com formantes fracos e elevada largura de banda em decorrência do amortecimento gerado pela rápida absorção de intensidade nas paredes da cavidade nasal (identificada como “Antirressonância” na Figura 12);

Figura 12 – Regularidade oscilográfica e antirressonância típicas das nasais

Fonte: A autora (2013).

b) o “formante nasal”, equivalente ao primeiro formante, que se apresenta tipicamente baixo, entre 200 e 300 Hz;

c) os vales nos espectros FFTs e LPCs que variam conforme o ponto de articulação da nasal (quanto mais posterior o ponto articulatório da nasal, maior o valor da frequência dos antiformantes).

Finalmente, as líquidas, com características acústicas gerais semelhantes às das nasais, destacam-se por exibirem no sinal sonoro:

a) primeiro formante baixo, como é típico nos segmentos soantes; b) porção estável (steady-state portion);

c) antiformantes em frequência bem superior (em torno de 2000 Hz) ao encontrado no caso das nasais.

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Conforme Kent e Read (1992, p.130, tradução nossa), o murmúrio “é o segmento acústico associado à radiação exclusivamente nasal do som”.