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3.2 A Semântica Cognitiva

3.2.2 Acerca de uma Semântica Lexical Cognitiva

Como dissemos anteriormente, neste trabalho, consideramos a Semântica Lexical Cognitiva como uma subárea da Semântica Cognitiva que aplica os construtos teóricos desenvolvidos no âmbito dessa abordagem aos estudos lexicais. Nas palavras de Taylor, Cuyckens e Dirven (2003, p. 1, grifo nosso),28 para a Linguística Cognitiva, “[...] itens lexicais, bem como classes de palavras e construções gramaticais, são categorias conceptuais que devem ser estudadas e investigadas com respeito a sua função cognitiva [...]”, o que contrasta diretamente com os modelos formais de descrição semântica. Por conseguinte, o léxico, tanto quanto as estruturas gramaticais, constitui um repositório de conhecimento de mundo, cuja estrutura não só armazena informações relevantes e significativas sobre experiências passadas, mas também auxilia na forma como lidamos com novas experiências (cf. GEERAERTS, 1995).

Geeraerts (2009) aborda a Semântica Lexical Cognitiva como parte da tensão entre visões minimalistas e maximalistas dos estudos lexicais. A abordagem estrutural, apresentada no capítulo anterior, a partir da qual se desenvolveu o modelo tradicional de onomasiologia, representa uma visão minimalista, em que se tenta a todo custo manter uma diferenciação clara entre o que é o território da Semântica e o que é o território da Pragmática. Busca-se, nessa visão de semântica lexical, impor uma distinção entre o que deve ser levado em conta e o que deve ser rejeitado em relação à descrição semântico-lexical. Segundo o autor (2009, p. 182),29 tal tensão pode tomar diferentes formas e se relacionar a diferentes aspectos das teorias semânticas, tais como:

[...] a velha questão da fronteira entre o conhecimento da palavra e o conhecimento do mundo. [...] a linha divisória entre semântica e pragmática. [...] uma escolha metodológica entre um modo de investigação orientado para a estrutura ou orientado para o uso. Ou [...] o grau de realismo cognitivo que uma teoria do significado das palavras deveria tentar alcançar.

A Semântica Lexical Cognitiva, nesse sentido, assume um posicionamento maximalista, uma vez que (i) defende a hipótese de que a estrutura semântica é a própria estrutura conceptual, (ii) rejeita uma distinção precisa entre estrutura semântica e estrutura pragmática e (iii) assume uma postura voltada para o uso da linguagem. Isso não significa dizer, contudo, que a Semântica

28 No original: “[…] lexical items, as well as word classes and grammatical functions, are conceptual categories

that have to be studied and investigated with respect to their cognitive function […]”.

29 No original: “[…] the old question of the borderline between word knowledge and world knowledge. […] the

dividing line between semantics and pragmatics. […] a methodological choice between a structure-oriented or a usage-oriented mode of investigation. Or […] the degree of cognitive realism that a theory of word meaning should try to achieve.”

Cognitiva não trata das estruturas linguísticas; significa, ao invés disso, dizer que as estruturas linguísticas são pontos de acesso para estruturas cognitivas, conceptuais, advindas da experiência com o mundo, numa relação contínua entre linguagem e conhecimento de mundo. A Semântica Cognitiva leva o ideal maximalista ao extremo, derrubando qualquer necessidade de que se tenha uma delimitação estanque entre o que pertence ao nível linguístico e o que não pertence.

Um dos primeiros pontos levantados por Geeraerts (2009) em relação a uma Semântica Lexical Cognitiva é a teoria dos protótipos, que caracteriza a forma como o cognitivismo entende o fenômeno da categorização. Assim, para Taylor, Cuyckens e Dirven (2003), a Semântica Lexical Cognitiva tem se mantido um campo vibrante de investigações dentro do paradigma cognitivista desde que, na década de 80, pesquisadores foram capazes de transpor os achados da Psicologia Cognitiva acerca da estrutura interna de categorias – estruturas de propósito e estruturas de semelhança de família – para o estudo das categorias lexicais. Assim, a teoria prototípica proposta por Eleanor Rosch no campo da Psicologia Cognitiva foi o ponto de partida para uma visão fresca e inovadora da estrutura lexical, indo de encontro ao modelo tradicional de descrição, que partia de traços suficientes e necessários, isto é, a estrutura semântica de um item lexical era descrita a partir de uma lista de condições que deveriam ser atendidas pela palavra que o seu significado fosse considerado verdadeiro.

Dessa forma, a partir das pesquisas de Rosch sobre categorias prototípicas e a sua influência no arcabouço teórico-metodológico da Semântica Cognitiva como um todo, os grandes interesses da Semântica Lexical Cognitiva, nas últimas décadas, têm sido:

[...] (i) estrutura interna das categorias lexicais (estrutura prototípica, estrutura de semelhança de família, estrutura de rede radial); (ii) a natureza polissêmica de itens lexicais e os princípios cognitivos (e.g., metáfora, metonímia, transformações de esquemas de imagem) que motivam as relações entre os diferentes sentidos dos itens lexicais, (iii) estruturas conceptuais mais amplas (e.g., pesquisas sobre metáfora, Semântica de Frames). (TAYLOR, CUYCKENS, DIRVEN, 2003, p. 2)30

A Semântica de Frames, de fato, tem sido um dos grandes interesses da Semântica Lexical Cognitiva nos últimos anos, haja vista o potencial da teoria para a descrição das estruturas conceptuais evocadas por itens lexicais. Nesta tese, como já dito anteriormente, nossa proposta de modelo de um dicionário onomasiológico baseado nos conceitos da Semântica

30 No original: “[…] (i) the internal structure of lexical categorias (prototype structure, family resemblance

structure, radial network structure); (ii) the polysemous nature of lexical items and the cognitive principles (e.g., metaphor, metonymy, image-schema transformations) motivating the relations between the different senses of lexical items; (iii) larger conceptual structures (e.g., metaphor research, frame semantics).

Lexical Cognitiva parte, principalmente, do raciocínio que orienta e fundamenta a Semântica de Frames concebida por Charles J. Fillmore. Contudo, vale relembrarmos que isso não impede que outros construtos ou noções pertencentes ao quadro maior da Semântica Lexical Cognitiva sejam utilizados como forma de enriquecer a proposta, criando bases mais robustas e mais sólidas para a ideia de recurso onomasiológico que temos em mente.

Relacionado a isso, antes de entrarmos na discussão sobre a Semântica de Frames, especificamente, é pertinente tratarmos da proposta de Geeraerts e Grondelaers de uma onomasiologia cognitiva, que parte, obviamente, de uma visão cognitiva de léxico, porém sem se voltar a aspectos lexicográficos ou à prática lexicográfica. Diferente disso, os autores abordam a onomasiologia à luz da Semântica Lexical Cognitiva como uma forma de tratar do fenômeno da seleção lexical.

Grondelaers e Geeraerts (2003) identificam o modelo de onomasiologia cognitiva como uma interpretação pragmática e dinâmica de onomasiologia. Com essa proposta, os autores advogam a fator de uma reorientação onomasiológica da Semântica Lexical Cognitiva, que, até o momento (de publicação da obra), havia focado somente em aspectos semasiológicos, como a saliência prototípica entre itens lexicais. Dessa forma, os autores defendem que se suplementem tais aspectos semasiológicos com uma discussão acerca de mecanismos de escolha lexical, bem como dos fatores que governam essas escolhas. Em outras palavras, trata- se de uma contraparte onomasiológica da fase semasiológica dos estudos em Semântica Lexical Cognitiva, partindo do pressuposto de que se investigue por que determinado item lexical é selecionado pelos falantes para representar um dado conceito em detrimento dos outros que compõem o seu campo onomasiológico.

Na perspectiva de Grondelaers e Geeraerts (2003), a seleção de um item lexical é caracterizada por três dimensões: (i) uma dimensão semasiológica, que é a saliência prototípica, (ii) uma dimensão onomasiológica, que é a saliência do item lexical como nome dado a um referente, e (iii) uma dimensão sociolinguística, que reúne aspectos geográficos, identitários, políticos, socioeconômicos etc.

Em relação à dimensão semasiológica, ou saliência prototípica, o status de protótipo é conferido a um membro de uma categoria quando este apresenta uma configuração de traços definitórios que não só é a maior dentro de uma base de dados suficientemente representativa, mas também mostra o maior número de componentes dominantes, representando tanto aspectos extensionais quanto intensionais da estrutura semasiológica. O aspecto extensional se refere à verificação da estrutura prototípica em relação aos demais componentes de uma categoria, enquanto o aspecto intensional concerne à estrutura interna do candidato a protótipo, isto é, os

traços de cada membro dentro da categoria. Quanto mais traços que definem um representante de uma categoria estão presentes em um membro dessa mesma categoria, mais próximo do centro da categoria está o membro, ou seja, mais prototípico é. Numa visão linguística, considerando um corpus eletrônico, o nível extensional pode ser representado pela verificação da frequência de uma determinada palavra como representante de um conceito ou ideia, enquanto o nível intensional trata especificamente da estrutura semântica interna.

Já em relação à dimensão onomasiológica, se os membros de uma dada categoria A estão, na mente dos falantes, mais relacionados a essa categoria A do que a uma categoria B, isso significa que a categoria A, no que se refere a esses membros em particular, apresenta mais saliência onomasiológica do que a categoria B. Nesse sentido, o item lexical que melhor nomeia um referente é aquele que apresenta o maior nível de representação na mente do falante.

Os autores (2003) veem que estudar as diferentes designações de um conceito em particular, bem como as razões pelas quais uma determinada designação é selecionada como o nome de um referente que se associa a esse conceito, abre caminho para uma concepção pragmática e contextualizada da onomasiologia, com foco nas escolhas reais feitas pelos falantes. Uma distinção entre uma intepretação estrutural, portanto clássica, e uma interpretação pragmática de onomasiologia é que, enquanto a primeira foca na estrutura dos conceitos e nos itens lexicais evocados, uma visão pragmática enfoca o uso, isto é, a forma como os falantes se referem aos conceitos através do inventário lexical que possuem. Enquanto a visão tradicional faz a pergunta “quais são as relações entre expressões alternativas?”, uma visão pragmática faz outra pergunta: “que fatores determinam a escolha de uma entre todas as alternativas?”. Essa pergunta, além de considerar as dimensões semasiológica e onomasiológica mencionadas anteriormente, devem, também, obrigatoriamente, considerar os aspectos sociolinguísticos e partir de uma abordagem empiricamente fundamentada, como, por exemplo, o uso de corpora eletrônicos, compilados especificamente para pesquisa linguística. Com isso, Grondelaers e Geeraerts apontam para a necessidade de que a Semântica Lexical Cognitiva – e a Semântica Cognitiva, numa visão mais panorâmica – se volte mais fortemente para os métodos empíricos, de modo a honrar melhor o seu próprio compromisso de descrever a linguagem sob uma perspectiva amparada pelo uso.

Ainda que o modelo de onomasiologia cognitiva de Grondelaers e Geeraerts (2003) se distancie da nossa proposta no que se relaciona ao objetivo que cada pretende alcançar, cabe destacar dois aspectos bastante importantes: primeiramente, o uso corpus como forma de validar empiricamente os dados tratados na pesquisa é mantido nesta pesquisa. Em segundo lugar, a noção de protótipo, muito presente no modelo pragmático de onomasiologia que vimos,

se relaciona intimamente, também, ao conceito de frame semântico proposto por Charles J. Fillmore. Como veremos na seção abaixo, o frame, além de uma estrutura conceptual, é, também, uma estrutura prototípica, uma vez que retrata uma situação convencional ou estereotipada. Ao fim dessa seção, discutimos qual nos parece ser, então, o papel da Semântica de Frames em nossa proposta, observando as vantagens, desvantagens e limitações impostas pela seleção dessa teoria, o que nos leva a verificar, portanto, a necessidade ou não de alterações ou enriquecimento do quadro teórico utilizado em nossa proposta.

3.3 A SEMÂNTICA DE FRAMES: UMA TEORIA SEMÂNTICA DO CONHECIMENTO