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3.4 A Semântica de Frames como construto teórico aplicado à Lexicografia

3.4.1 Os desafios de uma proposta teórico-metodológica de dicionário onomasiológico a

Como dito anteriormente, a proposta teórico-metodológica que caracteriza esta tese propõe o encontro da onomasiologia e da Lexicografia onomasiológica com a Semântica Lexical Cognitiva num sentido amplo, não apenas com a Semântica de Frames. A seleção pela teoria de Fillmore ocorre como forma de aplicar um construto específico do arcabouço cognitivista. Além disso, acreditamos que o conceito de frame semântico apresenta grande potencial para o ideal que buscamos com este trabalho, haja vista que, sob nossa visão, o frame, nos termos propostos por Fillmore e adotados pela Semântica Lexical Cognitiva, representa uma estrutura onomasiológica. A estrutura conceptual no nível do frame funciona como um conceito, agrupando ao redor de si as palavras e expressões que evocam a ideia, evento ou instituição representados pelo frame.

Cabe, nesse sentido, discutirmos brevemente quais são as consequências da escolha desse modelo teórico para embasar a faceta semântico-cognitiva da proposta de dicionário onomasiológico. Em outras palavras, cabe averiguarmos quais são as implicações da aplicação da Semântica de Frames nesta tese, quais os desafios que emergem e quais as necessidades que se mostram em nível tanto teórico quanto operacional, aplicado.

Em primeiro lugar, é preciso retornar ao capítulo 2, quando fizemos a apresentação de algumas obras lexicográficas que seguem a orientação onomasiológica, como o DaLP. Ao observarmos novamente as figuras 7 e 8, presentes no capítulo anteriormente, rapidamente percebemos que dicionários onomasiológicos mais tradicionais seguem uma estrutura ou

organização de conceitos estanque, engessada. Trata-se, nesse caso, de uma ontologia num sentido clássico, uma teoria do mundo. Os recursos onomasiológicos mais próximos do modelo estrutural se orientam por uma visão, portanto, mais taxonômica, de estruturação e organização de conceitos. A Semântica de Frames encontra dificuldades em se adequar a esse modelo. Contudo, como veremos, nesse sentido, o que a Semântica de Frames oferece é uma vantagem em relação à organização taxonômica ou ontológica. Os frames, por serem estruturas conceptuais representativas de porções de conhecimento enciclopédico, situado e contextualizado, são muito mais dinâmicos e próximos de uma descrição de domínio menos artificial ou menos “ideal”. O potencial da utilização da Semântica de Frames não está na possibilidade de criarmos uma taxonomia de frames, pois esta seria dura, rígida. Os frames perderiam o caráter dinâmico. Ao invés disso, devemos pensar em uma rede de frames, uma representação de domínio via frames que mostre as relações entre subdomínios e entre conceitos, de forma mais explicativa e enciclopédica. Assim, já podemos sinalizar, aqui, o potencial dos mapas conceituais, que são um recurso visual que nos permite enxergar como os

frames se organizam na rede. Nesta tese, como dito anteriormente, a etapa analítica da pesquisa

dá conta de mostrar como seria um dicionário nos moldes aqui propostos, utilizando, como forma de ilustrar, o domínio da culinária de imigração italiana na Serra Gaúcha.

Em segundo lugar, a utilização da Semântica de Frames também implica pensarmos acerca da estrutura interna que esses frames vão apresentar. Num dicionário onomasiológico que utiliza a noção de frame, os conceitos onomasiológicos não podem ser como os presentes nos recursos tradicionais, em que não passam de etiquetas sob as quais as palavras se organizam. Não existe descrição sobre cada domínio ou classe de conceito. Numa perspectiva baseada em frames, é preciso pensar sobre isso. Se olharmos novamente para a FrameNet e para recursos como o Field e o Dicionário Olímpico, veremos que os frames apresentam uma organização e uma descrição internas bastante rica. No caso dos dois dicionários esportivos citados, temos (i) uma glosa, que descreve o domínio representado pelo frame, (ii) um mapa conceitual, que organiza as informações em rede, e (iii) uma lista de curiosidades sobre o esporte, além da lista de ULs e de frames relacionados. Tanto a glosa quanto as curiosidades são claros exemplos do papel central do conhecimento enciclopédico na descrição de frames. E a lista de frames relacionados também aponta para a importância de visualizar os frames em rede, e não como mera de lista de etiquetas, em que cada conceito se porta de forma independente em relação aos demais. Para a nossa proposta, consideramos essencial que os conceitos onomasiológicos – os nossos frames – apresentam uma descrição enciclopédica e um mapeamento em rede.

Em terceiro lugar, devemos discutir também a questão das relações entre as ULs que pertencem a cada conceito, ou frame. Na perspectiva tradicional, os itens lexicais são comumente organizados a partir de relações lexicais clássicas, como sinonímia, antonímia etc. O Dicionário online de sinônimos, por exemplo, como visto anteriormente, apresenta uma organização por sinonímia, oferecendo ao usuário também, quando é o caso, um item lexical que apresenta relação de antonímia. Outros recursos, como o OsT, não apresentam qualquer tipo de relacionamento ou organização interna no nível lexical, mesmo porque não se enquadram na estruturação clássica por taxonomia. Para a proposta desenvolvida e defendida por esta tese, julgamos importante que os grupos lexicais possuam algum tipo de sistematização. Recuperando a apresentação que fizemos da onomasiologia cognitiva de Grondelaers e Geeraerts (2003), parece-nos que a resposta para esse anseio está na noção de protótipo, que, como vimos, é muito influente na Semântica Lexical Cognitiva. Grondelaers e Geeraerts (2003) utilizam a noção de protótipo para falar da saliência semasiológica, isto é, para tratar de quais palavras se aproximam mais ou menos rede prototípica criada por um determinado conceito. Nesse sentido, para nossa proposta, acreditamos que uma adaptação desse raciocínio pode nos oferecer uma forma contextualizada de organizar as unidades lexicais. A proposta original dos autores, no que se refere ao método de análise das estruturas prototípicas, se baseia em procedimentos bastante complexos. Nesta tese, propomos que a sistematização das unidades lexicais em mais prototípicas e menos prototípicas se dê a partir da frequência no corpus. Ainda que seja uma forma mais simples de abordar a questão, ainda assim se trata de uma alternativa contextualizada no uso e amparada por corpora linguísticos, o que, para uma primeira versão da proposta teórico-metodológica, nos parece suficiente.

Por fim, cabe também sinalizarmos para o fato de que a organização em frames, por oferecer uma estruturação mais dinâmica, menos estanque, tem o seu potencial melhor utilizado em contexto online. Nesse sentido, como já havíamos dito anteriormente, nossa proposta parte da ideia de um recurso lexicográfico para a web. No âmbito deste trabalho, não detalharemos os princípios que regem a área que se convencionou chamar de Lexicografia Eletrônica (cf. GRANGER; PAQUOT, 2012), uma vez que não estamos, de fato, discutindo o meio eletrônico em si. A internet é, aqui, o contexto da aplicação.

Sendo assim, finalizamos este capítulo tendo passado pela apresentação da Linguística Cognitiva e da Semântica Cognitiva de forma mais geral, apresentando um panorama da área e sua subárea, bem como da Semântica Lexical Cognitiva e da Semântica de Frames. A partir da reflexão que fizemos nesta seção, sobre os desafios encontrados na utilização do conceito de

pontos muito relevantes para a parte operacional da pesquisa, revelando traços metodológicos necessários. Nesse sentido, no próximo capítulo, abordamos a metodologia que ampara esta tese, bem como os materiais e ferramentas utilizados.

4 RECURSOS E MÉTODOS

“[...] não há mais espaço para fazer Linguística Cognitiva (ou qualquer outro tipo de Linguística) sentado na cadeira de balanço e aguardando o sopro do Espírito...” (SALOMÃO, 2010, p. 23)

Neste capítulo, nosso propósito é descrever os recursos e os passos metodológicos que permitem a execução da pesquisa proposta, de modo que convém relembrarmos nosso objetivo principal, que é o de fornecer bases teórico-metodológicas para uma proposta de dicionário onomasiológico baseado na Semântica Lexical Cognitiva a partir de frames semânticos. Ao fim do capítulo anterior, tecemos alguns comentários importantes sobre as consequências da adoção da Semântica de Frames como pano de fundo teórico principal, tendo sido possível perceber alguns aspectos operacionais necessários, relacionados à (i) organização da estrutura dos conceitos – que, no âmbito desta proposta, caracteriza os próprios frames –, (ii) organização da estrutura interna dos frames e das ULs e (iii) estrutura lexicográfica do dicionário onomasiológico. Cabe salientar, aqui, que não estamos desenvolvendo um dicionário propriamente dito, mas sim discutindo e fornecendo as bases iniciais para um tipo de recurso com características específicas. Os aspectos operacionais acima mencionados, percebidos através da reflexão teórica sobre onomasiologia e Semântica Lexical Cognitiva, se refletem na estrutura dos passos metodológicos que caracterizam o componente aplicado deste trabalho, como veremos nas próximas páginas.

Sendo assim, este capítulo está dividido em dois momentos: no primeiro, apresentamos os recursos computacionais que auxiliam na execução da proposta, passando pelas ferramentas utilizadas no tratamento e na análise dos dados, bem como pelos corpora que utilizamos; no segundo momento, caracterizamos passos metodológicos a partir de três níveis de análise. Como dito anteriormente, como forma de ilustrar o modelo de dicionário que estamos propondo, apresentamos considerações acerca de como seria um recurso nesses moldes a partir de um domínio específico, que é o da culinária de imigração italiana na região da Serra Gaúcha, no nordeste do Estado do Rio Grande do Sul. Para que isso seja possível, contamos com o uso de corpora linguísticos do domínio mencionado. Por conta disso, na próxima seção (4.1), iniciamos tecendo algumas considerações sobre o uso de corpus no âmbito das pesquisas em Linguística Cognitiva, além de tratarmos, também, dos corpora utilizados e das ferramentas de computacionais que amparam nosso estudo, a saber o Sketch Engine e o software CmapTools. Por fim, a seção seguinte (4.2) detalha os procedimentos metodológicos e os níveis de análise.