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3.1 Princípios e compromissos da Linguística Cognitiva

3.1.1 Os compromissos cognitivo e de generalização

George Lakoff, um dos fundadores da Linguística Cognitiva, apresenta, em seu texto

Cognitive versus Generative Linguistics: how commitments influence results, de 1991, os

compromissos-chave que caracterizam as pesquisas desenvolvidas no âmbito das teorias da Linguística Cognitiva. O primeiro deles é o compromisso da generalização.

De acordo com Lakoff (1991), esse compromisso está relacionado a como a Linguística Cognitiva propõe princípios gerais que governam todos os aspectos da linguagem. Busca-se, assim, a generalização dos princípios que caracterizam todos os níveis da análise linguística: a gramática, a semântica e o discurso. Para Evans, Bergen e Zinken (2007), esse princípio está relacionado ao compromisso da ciência em geral de buscar sempre as maiores generalizações possíveis com relação a um dado fenômeno.

Evans, Bergen e Zinken (2007) nos lembram de que, no contexto da linguística formal (como os paradigmas estruturalista e gerativista, por exemplo, além das abordagens baseadas na lógica), há uma clara distinção entre fonologia, morfologia, sintaxe, semântica e pragmática. O estudo de cada um desses níveis da linguagem se dá, a princípio, de forma totalmente independente, engavetada. Trata-se de uma tentativa de recortar certos aspectos da linguagem em detrimento dos restantes. Como consequência disso, segundo os autores (2007, p. 264), “[...] há frequentemente pouca base para generalização através desses aspectos da linguagem, ou para o estudo das suas interrelações”.24 Isso se torna especialmente verdadeiro quando pensamos, por exemplo, no caráter marginal dado à semântica e à pragmática no Gerativismo, por exemplo.

Para a Linguística Cognitiva, entretanto, ainda que se mantenha a distinção entre tais aspectos por ser útil para a descrição do que cada aspecto representa, trata-se de aplicar os mesmos mecanismos e princípios de pesquisa a todos eles. Nesse sentido, todas as unidades linguísticas, da fonologia à pragmática ao léxico, são tratadas em termos de conceptualização. A Linguística Cognitiva, nesse sentido, toma uma perspectiva vertical, e não horizontal, para a descrição daquilo que compõe a linguagem: a fonologia, a morfologia, a sintaxe, a semântica e a pragmática são vistas como diferentes camadas ou subestruturas da mesma estrutura. Tem-se, nesse sentido, uma estrutura do som, uma da organização interna das palavras, uma da organização externa, ou seja, da sentença, uma do significado e uma do uso (vale salientar que a Linguística Cognitiva não mantém a distinção entre semântica e pragmática).

O segundo princípio abordado por Lakoff (1991) é o compromisso cognitivo.

Lakoff (1991) contrapõe o compromisso cognitivo ao que ele chama de compromisso chomskyano. Grosso modo, o compromisso chomskyano é o compromisso de “[...] descrever a linguagem nos termos matemáticos dos sistemas de manipulação de símbolos [...]”. A Linguística Gerativa, nesse sentido, faz a manipulação do sistema de símbolos linguísticos sem

24 “[...] there is often little basis for generalization across these aspects of language, or for the study of its

compromisso com o que tais símbolos representam ou com qualquer coisa para além do sistema em si.

A partir disso, em linhas gerais, o compromisso cognitivo designa a posição da Linguística Cognitiva de descrever a linguagem a partir daquilo que se sabe e entende por cognição em disciplinas que não a Linguística. Assim, a Linguística Cognitiva buscar estar sempre em consonância com as descobertas mais recentes sobre mente e cérebro em outros campos do saber. Por conseguinte, a Linguística Cognitiva se insere no hall das ciências

cognitivas, ao lado da Psicologia Cognitiva, da Inteligência Artificial, da Neurociência e da

própria Filosofia (EVANS, BERGEN e ZINKEN, 2007).

Por levar em consideração os achados de outras áreas que constituem as ciências cognitivas, a Linguística Cognitiva também se constitui a partir dos conhecimentos desenvolvidos por esses campos. É caso, por exemplo, dos estudos sobre categorização desenvolvidos nos anos 1970 por Eleanor Rosch âmbito da Psicologia Cognitiva.

Para a teoria clássica, a categorização é entendida nos termos de condições necessárias e suficientes para determinar se dado objeto ou entidade é ou não parte de uma categoria. O maior problema dessa visão é se basear em um modelo de mundo extremamente estanque e fechado, inflexível, o que não condiz, de fato, com a organização do mundo em que vivemos. Do ponto de vista clássico, aves têm penas e põem ovos. O que, nesse caso, devemos fazer com o ornitorrinco, que é um animal mamífero que tem penas e põe ovos? Da mesma forma, poder- se-ia dizer que aves voam: a galinha é uma ave, ainda que não voe.

Rosch, na década de 1970, revisita o conceito de categorização e propõe a ideia de

prototipicidade e de categorização por protótipos. Ela alerta para o fato de que categorias não

têm limites bem definidos, sendo mais plausível, então, tratar a estrutura interna de categorias em termos de protótipos. A pesquisa de Rosch, nesse sentido, se relaciona à de Wittgenstein (1935) sobre as semelhanças de família25 – os membros de uma categoria não compartilham traços estanques, mas sim semelhanças como as de os membros de uma mesma família – e aos experimentos de Labov (1975), que demonstraram que o mesmo objeto, em situações diferentes, pode levar a categorizações diferentes. Os critérios de pertença que definem se um

25 Wittgenstein discute a definição de jogo. Como definir jogo a partir das suas características (ou atributos)?

Considere-se a seguinte tentativa de definição: um jogo inclui oponentes, é jogado por diversão, gera vencedores e perdedores e se precisa ter habilidades específicas. O xadrez, por exemplo, se enquadra perfeitamente nessa categoria. O que dizer, contudo, do jogo paciência? Não há oponentes, e, portanto, nem vencedores e perdedores. Ainda assim, contudo, paciência é um jogo. O exemplo de Wittgenstein serviu para mostrar que não se podem definir conceitos em termos de traços estanques e inflexíveis. A noção de protótipo serve de solução para esse problema. Não se abandona a ideia de traço, mas sim a de que todos os traços são obrigatórios. Paciência seria apenas um jogo menos prototípico do que xadrez.

objeto ou ser é parte ou não de dada categoria deixam de se basear em traços necessários e suficientes para se basear em redes graduais ou redes prototípicas (cf. ROSCH, 2012 [1973]).

Recuperando o exemplo anterior, do ponto de vista dos protótipos, a galinha se posicionaria em um ponto não muito central da categoria AVES, uma vez que não apresenta uma

das principais características dessa classe do reino animal, que é voar. Da mesma forma, o ornitorrinco ocuparia uma posição bastante periférica na rede da categoria MAMÍFEROS.

Poderíamos dizer, então, que o protótipo de uma categoria é o exemplar que melhor atende às características postuladas por essa categoria. Contudo, conforme alerta Rosch (1998), isso não significa dizer que certo elemento de uma categoria será, invariavelmente, o protótipo daquela categoria em todos os casos. Por exemplo, para quem cria galinhas, é possível que essas sejam mais prototípicas do que para quem mora em um apartamento e dificilmente precisa lidar com esses animais.

As ideias de Rosch sobre categorização, na Linguística Cognitiva, se relacionam à discussão sobre conceptualização e, consequentemente, à ideia de realismo experiencialista. Através da experiência, conceptualizamos e categorizamos o mundo.