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4 UMA LEITURA CONSTITUCIONAL DO PROJETO DE LEI N 3.133, DE

4.2 Análise constitucional do Projeto de Lei n 3.133/2012: As limitações

4.2.1 Limitações aos direitos autorais

4.2.1.3 Acessibilidade da criação intelectual aos portadores de deficiência

Uma questão primordial no que diz respeito à inclusão social e que tem sido foco de grandes debates é a acessibilidade para os portadores de deficiência, no sentido mais amplo da palavra, englobando tanto o acesso físico, quanto o acesso a um trabalho digno, acesso ao conhecimento etc. Quanto ao acesso à informação, a Lei n. 9.610, de 1998, garante aos deficientes visuais a reprodução da obra intelectual em formato adaptado a sua deficiência, como o Braille, independentemente de autorização dos titulares do exclusivo autoral57.

Além da atual previsão legal a respeito do tema, o Brasil foi um dos patrocinadores e signatários (em 28 de junho de 2013) do Tratado de Marraqueche, o qual tem por escopo facilitar o acesso, especialmente dos deficientes visuais, ao texto impresso, possibilitando, dessa forma, o acesso à leitura e, por consequência, à informação, à educação e à cultura. É importante salientar que esse tratado é ainda mais abrangente que a Lei Autoral brasileira, pois estende a acessibilidade das obras impressas aos portadores de qualquer tipo de deficiência, não só a visual, que impeça a apreciação do bem em seu formato original58.

Com relação ao assunto, um grande avanço poderá ser alcançado com a inclusão, pelo Projeto de Lei n. 3133, de 2012, do inciso IX ao artigo 46 da Lei 9.610/1998, vez que a proposta amplia sobremaneira o acesso dos portadores de deficiência à produção intelectual, com vistas a garantir a não discriminação e a igualdade de oportunidades.

57 A atual redação da Lei n. 9.610/98 a respeito das limitações para os portadores de deficiência

dispõe: “Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais: I – a reprodução: [...] d) de obras literárias, artísticas ou científicas, para uso exclusivo de deficientes visuais, sempre que a reprodução, sem fins comerciais, seja feita mediante o sistema Braille ou outro procedimento em qualquer suporte para esses destinatários; [...]” (BRASIL, 2013c).

58 Conforme dispõe o artigo 3 do Tratado de Marraqueche: “Será beneficiario toda persona: a) ciega;

b) que padezca una discapacidad visual o una dificultad para percibir o leer que no puede corregirse para que permita un grado de visión sustancialmente equivalente al de una persona sin ese tipo de discapacidad o dificultad, y para quien es imposible leer material impreso de una forma sustancialmente equivalente a la de una persona sin esa discapacidad o dificultad; o c) que no pueda de otra forma, por una discapacidad física, sostener o manipular un libro o centrar la vista o mover los ojos en la medida en que normalmente se considera apropiado para la lectura; independientemente de otras discapacidades (NAÇÕES UNIDAS, 2014).

Art. 46. Não constitui ofensa aos direito autorais[...]:

IX – a reprodução, a distribuição, a comunicação e a colocação à disposição do público de obras para uso exclusivo de pessoas portadoras de deficiência, sempre que a deficiência implicar, para o gozo da obra por aquelas pessoas, necessidade de utilização mediante qualquer processo específico ou ainda de alguma adaptação da obra protegida, e desde que não haja fim comercial na reprodução ou adaptação; [...] (2013d, grifo nosso).

Enquanto que a Lei n. 9.610, de 1998, na sua atual redação, ao elencar as limitações aos direitos autorais, permite a reprodução de obras com fins de acessibilidade tão-somente para os deficientes visuais, a proposta apresentada amplia em dois aspectos o alcance dessa limitação.

Primeiramente, estende esse benefício a todos os tipos de deficiência em que haja a necessidade de uma adaptação do produto intelectual para que seja apreciada por esse público. Permite, assim, a adaptação de uma criação intelectual às necessidades de um portador de deficiência, fazendo uso de tecnologias ainda não desenvolvidas até o presente momento, que no futuro próximo possibilitem, por exemplo, que um deficiente auditivo possa, a partir de um processo específico, apreciar a melodia de uma obra musical, sem caracterizar-se como uma afronta aos direitos autorais.

Além disso, preocupa-se em não restringir a acessibilidade apenas a reprodução do bem imaterial, mas também a sua distribuição, comunicação e disponibilização, desde que sem finalidade comercial. Esse é mais um passo importante para promover a inclusão intelectual dos portadores de deficiência, pois, se apenas a reprodução fosse autorizada, uma associação de deficientes, por exemplo, poderia apenas adaptar a obra, mas incorreria em uma ofensa aos direitos do autor se distribuísse a versão adaptada.

Quanto ao seu escopo de garantir a função social dos direitos autorais, as mudanças propostas são ainda mais ambiciosas que o disposto no Tratado de Marraqueche, tendo em vista que não limita o acesso dos portadores de deficiência somente ao texto impresso, mas a qualquer produção intelectual, independentemente do seu formato, como composições musicais, obras audiovisuais, conferências, obras dramáticas, esculturas, etc.

Analisando o inciso sob a ótica constitucional, considerando a utilidade social do bem imaterial, o dispositivo em comento possibilita a inclusão intelectual e

cultural de uma grande parcela da população brasileira, que ainda hoje encontra-se marginalizada devido a dificuldade de acesso a obras em formatos adequados para a sua utilização. Essa alienação cultural é um dos grandes obstáculos para que os portadores de deficiência possam desenvolver seu potencial intelectual e participar de forma mais ativa do desenvolvimento socioeconômico e cultural do país.

Apesar do grande avanço obtido com a proposta, parte da doutrina critica a restrição aos casos em que não há intuito mercantil59, com a alegação de que isso

não iria prejudicar “a exploração normal da obra, dada a franja reduzida de mercado que pode ser afetada”, além do que iria “encarecer a adaptação às necessidades dos deficientes e com isto agravar as condições destes”, sugerindo que melhor seria se funcionasse a livre concorrência para assegurar a redução de preços em decorrência da competição no mercado (ASCENÇÃO, 2011, p. 121).

Contudo, a primeira parte da referida crítica não se adequa a realidade brasileira, em razão de uma parcela elevada da população declarar ser portador de algum tipo de deficiência. Segundo o IBGE, no senso de 2010 esse número chegou a 45,6 milhões (BRASIL, 2014a), valor esse que não caracterizaria um mercado reduzido para as obras adaptadas e, provavelmente, favoreceria a empresa que explorasse o mercado de portadores de deficiência em detrimento dos interesses do detentor dos direitos autorais.

Por outro lado, é inegável que o custo de qualquer adaptação de uma criação, destinada ao público com necessidades especiais, será mais alto que o do bem no seu formato original, mesmo que seja dispensada a necessidade de remuneração do autor e/ou investidores. Esse fato é um grande entrave para que a acessibilidade das obras pelos portadores de deficiência seja, de fato, alcançada. A abertura para exploração comercial e, por conseguinte, para livre concorrência, não acarretará, necessariamente, uma redução do preço final ao portador de deficiência, podendo não ser o melhor caminho a ser seguido em um país em que esse público alvo é também marginalizado do ponto de vista econômico.

De fato, o texto da proposta não propõe uma solução para esse dilema. A resposta adequada para essa questão seria a implementação de políticas públicas

59 Referida crítica foi feita originalmente a um dispositivo do Anteprojeto de Lei elaborado pelo

Ministério da Cultura. Contudo, em razão de sua similaridade com o inciso em análise, também pode ser adotada para o dispositivo em questão.

pelo Estado com o propósito de assegurar uma maior acessibilidade, por esse público especial, à informação contida na criação intelectual e, por consequência, à cultura e à educação60. Entretanto, uma discussão acerca de políticas públicas sobre esse tema foge ao escopo do presente trabalho.

4.2.1.4 A reprodução para conservação, preservação e arquivamento de