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3 A EFETIVAÇÃO DA FUNÇÃO SOCIAL DO DIREITO AUTORAL NO

3.1 Breve histórico dos direitos autorais

3.1.1 O advento do “copyright” e a contribuição da Revolução Francesa

Durante muito tempo na Inglaterra, a associação dos donos de papelaria e livreiros, em decorrência de um monopólio concedido pela realeza no ano de 1557, foram os responsáveis pela comercialização das obras intelectuais. Em vista disso, surgiu a ideia do “copyright”, como uma forma de assegurar a determinadas corporações o direito ao usufruto econômico da obra. Como contrapartida à concessão desse privilégio, os livreiros, detentores de tal monopólio, se aliaram ao governo e passaram a controlar as criações intelectuais através da censura a qualquer obra que, em seu conteúdo ou com relação ao seu autor, fosse de encontro aos interesses da realeza (ABRÃO, 2002, p. 28).

Porém, não demorou para que a pirataria se rebelasse, com a reprodução e a venda de cópias de escritos a preços irrisórios, sem autorização do governo. A

partir de então, sentiu-se a necessidade de regulamentar a matéria com a criação de leis que protegessem os livreiros ingleses, que detinham o monopólio para a comercialização dessas obras.

Neste contexto, como uma forma de combater a pirataria, surge, em 1662, na Inglaterra, a primeira lei que trata da matéria autoral, o “Licensing Act”, que beneficiava apenas o editor, na medida em que proibia a reprodução de escritos sem registro e licença, e que contribui para o aumento da “censura na imprensa e nos livros importados, os únicos a trazerem textos de reprovação à conduta do rei ou de sua família” (ABRÃO, 2002, p. 29).

Em 1709, após a abertura do mercado e a consequente concorrência estrangeira, o que enfraqueceu os editores que detinham o monopólio, surge o “Copyright Act”, da rainha Ana I da Grã-Bretanha, que entrou em vigor no ano seguinte. Sua ementa anunciava: “Uma lei para o encorajamento da aprendizagem, através da proteção das cópias dos livros impressos aos autores ou compradores de tais cópias, durante o tempo lá mencionado”. Um dos objetivos desta lei foi pôr fim às polêmicas entre autores e editores, quanto à “titularidade dos direitos de reprodução e o modo de sua transmissão” (SOUZA, 2006, p. 42).

À primeira vista, o “Copyright Act”, também conhecido como “Statute of Anne”, representou uma modificação na forma de pensar o direito autoral, visto que o detentor do direito à titularidade da obra passou a ser o seu próprio criador, que tanto investiu para idealizá-la, cabendo a ele a cessão para reproduzi-la. No entanto, em que pese ter sido um avanço para o autor, o estatuto se concentrou mais na proteção da edição, ou seja, da obra em si, favorecendo, principalmente, aquele que se legitima para publicá-la.

Conforme palavras de José de Oliveira Ascensão (1997, p.5) na base do estatuto da rainha Ana “estaria a materialidade do exemplar e o exclusivo da reprodução deste”. Na verdade, foi através do “Statute of Anne” que se formalizou na Inglaterra a ideia, ainda presente nos dias atuais, do “copyright”, que preocupa-se mais com o aspecto patrimonial da criação intelectual, do que com o moral, o imaterial.

Ainda no século XVIII, os Estados Unidos da América, influenciado pelos Ingleses, também acolheu na Constituição de 1787 e na primeira lei federal que veio

tratar do assunto no país, em 1790, conhecida como “Copyright Act”, dispositivos que priorizavam à materialidade da obra.28

A Europa Continental adotou uma postura distinta da Inglaterra com relação aos direitos autorais, principalmente com o advento da Revolução Francesa no século XVIII, vez que preocupou-se mais com o ato de criação, com a tutela do autor, resultando a proteção da obra apenas como uma decorrência necessária. Buscou-se, inicialmente, abolir todos os privilégios dos editores para, em seguida, reconhecer a existência “de uma propriedade do autor sobre a obra”, a qual passou a ser considerada “a mais sagrada de todas as propriedades” (ASCENSÃO, 1997, p.5).

A partir de então, criou-se na França uma nova vertente, a do direito do autor, seguida pela maioria dos países, inclusive o Brasil, e que veio contrapor o sistema anglo-americano do “copyright”. Ambos tratavam a criação intelectual como propriedade, sendo que, enquanto o último tutelava a criação intelectual, protegendo, na maioria das vezes, o seu aspecto patrimonial, a nova vertente, assente na imaterialidade da obra, protegia os direitos morais do autor, ou seja, aqueles inerentes à sua personalidade29.

Atualmente, em decorrência dessa dualidade de sistemas que, desde a sua gênese, tutela os direitos autorais, encontram-se, tanto no plano internacional, como no ordenamento jurídico brasileiro - em que pese a forte influência francesa -, regras de proteção de caráter pessoal30, que versam sobre os direitos morais, e regras de caráter real, que correspondem aos direitos patrimoniais e que, por diversas vezes, beneficiam às empresas31.

28Segundo a doutrinadora Carla Eugênia Caldas Barros (2007, p. 471), “a acolhida do ‘copyright’, nos

Estados Unidos da América, ocorreu já na época em que despontava a nação, no século XVIII. Integrando leis estaduais, ele foi incluído na Constituição de 1787, promulgando-se, em seguida, três anos depois, lei federal, o ‘Copyright Act’ de 1790”.

29Através da proteção do criador intelectual, garantiu-se aos autores “enquanto durar sua vida, a

inalienabilidade de seus direitos, entre eles o do ineditismo, da integridade e da paternidade de sua obra, não podendo ela sofrer qualquer modificação sem consentimento expresso” (BARROS, 2007, p.472-473).

30Termo utilizado por Eliane Yachouch Abrão (2002, p. 28).

31José Oliveira de Ascensão (1997, p. 5, grifo do autor) explica que o sistema continental europeu,

chamado direito do autor, “coexiste no plano internacional, mediante composição muitas vezes semânticas, com o sistema anglo-americano do copyright” e, por fim, reconhece que “porque centrado na tutela do exemplar, o sistema anglo-americano admite largamente que o direito de autor seja atribuído à empresa”.