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Acesso à habitação e apoio à autonomização das utentes em casa

Para mulheres sem alternativa habitacional segura para fazer face ao risco de reincidên- cia do agente agressor, a casa de abrigo é a reposta social disponível para a vítima e filhos menores. Por motivos de segurança e caso concordem, as MVVD são admitidas em casas de abrigo fora da sua área de residência, conforme a disponibilidade de vagas. A perma- nência em casa de abrigo pode ser prorrogada caso não se verifiquem condições de segu- rança e autossuficiência económica e habitacional da utente e das crianças a cargo.

Um dos eixos da intervenção da equipa técnica da casa de abrigo é a promoção da autonomização e do empoderamento da mulher através da inclusão social da utente e das crianças na comunidade. Uma das questões prementes e um obstáculo ao trabalho das equipas técnicas é o acesso a habitação a custos comportáveis, sobretudo para mu- lheres sem qualquer alternativa residencial.

Em anos recentes, o problema do acesso à habitação por MVVD com baixos recur- sos económicos tem sido objeto de atenção política. Para simplificar o acesso das VVD a alojamento no âmbito da rede social, envolvendo entidades governamentais e organiza- ções não governamentais, o III PNCVD (2007-2010) gizou três ações: estabelecer proto- colos com as autarquias para constituição de uma bolsa de oferta de habitação social, com vista à facilitação do acesso prioritário às VVD; criar um sistema de incentivo ao ar- rendamento apoiado por parte das VVD, para promover a autonomia residencial das mesmas; facilitar o acesso aos programas referidos às VVD em casa de abrigo.

No decurso do III PNCVD (2007-2010), a Lei n.º 112/2009 estabelece o direito da VVD ao apoio ao arrendamento. De acordo com o estatuto de vítima, “quando as neces- sidades de afastamento da vítima do autor do crime de violência doméstica o justifi- quem”, salvaguarda-se o direito daquela a obter “apoio ao arrendamento, à atribuição de fogo social ou a modalidade específica equiparável, nos termos e condições” não de- finidos no estatuto. Paralelamente, o acesso à habitação por vítimas de violência domés- tica em casa de abrigo tem sido objeto de recentes protocolos. O relatório interno de execução do plano (CIG, 2010) refere as démarches para a execução das medidas pro- postas, nomeadamente os contactos com a Comissão para a Proteção das Políticas de Fa- mília e o Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana, e o processo em curso de regulamentação do artigo 45.º da referida lei.

O IV PNCVD (2011-2013) reforça a necessidade de “promover medidas que facilitem o acesso à habitação a vítimas de violência doméstica no âmbito da atribuição de fogos de habitação social”, uma medida cuja execução envolve entidades várias: Presidência do Conselho de Ministros, Gabinete da Secretária de Estado da Igualdade, Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, Ministério das Finanças e da Administração Pública, Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território, Associação Nacional de Muni- cípios Portugueses, municípios.

É no âmbito do IV PNCVD que se executam três medidas relevantes para colmatar o problema vivenciado pelas VVD, parte das quais financiadas pela afetação de parte dos resultados líquidos da exploração dos jogos sociais da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa atribuídos à Presidência do Conselho de Ministros / Gabinete da Secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade para apoio prioritário de ações e programas de combate à violência doméstica e promoção de outras ações no âmbito da cidadania e da igualdade de género, como as relacionadas como a promoção da autono- mização das vítimas de violência (CIG, 2014).28

Assim, em agosto de 2012, a Secretaria de Estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade e a Secretaria de Estado da Administração Local e Reforma Administrativa assi- naram um protocolo com a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) para facilitar o acesso a habitações a baixo custo por parte de VVD, apoiando o seu processo de autonomização. A constituição de uma rede de municípios solidários que disponibilizem

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E POLÍTICAS PÚBLICAS PARA PROTEÇÃO 23

28 Decreto-Lei n.º 106/2011, de 21 de outubro; Portaria n.º 6/2012, de 3 de janeiro; Portaria n.º 322/2013, de 30 de outubro; Portaria n.º 225/2014, de 5 de novembro.

fogos a baixo custo tem como objetivo que as MVVD ao deixarem a casa de abrigo permane- çam a viver nessa comunidade. Os municípios aderentes comprometem-se a incluir as VVD entre as suas prioridades “na atribuição de fogos de habitação social ou, e de acordo com a sua opção, na avaliação da possibilidade de disponibilização de fogos que detenham no seu património, para arrendamento a baixo custo”, ou ainda, esgotadas estas possibilidades, no apoio dos serviços de ação social na procura de habitação no mercado de arrendamento da respetiva área territorial. Em dezembro de 2014 e de acordo com informação da CIG, 92 mu- nicípios do Continente e regiões autónomas faziam parte da rede de municípios solidários com as vítimas de violência doméstica, representando 30% do total de municípios.

Ainda em 2012, em dezembro, e no âmbito da Medida 18 — “certificação, acompa- nhamento, supervisão e otimização da rede nacional de apoio às vítimas de violência do- méstica” — do IV PNCVD, as casas de abrigo que integram a rede pública assinaram uma Carta de Compromisso com a Secretaria de Estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade, para verem reforçadas as suas verbas para o apoio à autonomização das mu- lheres acolhidas (CIG, 2014). Atítulo de subvenção e de acordo com a capacidade da cada casa de abrigo, atribuiu-se uma verba para apoiar financeiramente os processos de auto- nomização das mulheres, com base na avaliação das suas dificuldades financeiras mais prementes no processo de saída da casa de abrigo. Na atribuição do apoio, a equipa técni- ca da casa de abrigo avalia o caso de cada mulher, considerando os seus rendimentos e o número de filhos a cargo. Cada mulher/família pode beneficiar uma única vez do apoio. Este é aplicado em despesas que facilitem a autonomização da utente em condições de dignidade e segurança, nomeadamente de habitação, alimentação, vestuário, educação de filhos/as, ou outras despesas identificadas como prementes. Enquanto entidade coor- denadora do IV PNCVD, a CIG acompanha e verifica a correta aplicação das subvenções atribuídas a cada uma das entidades gestoras das casas de abrigo (CIG, 2014).

O Relatório Final Interno de Execução do IV Plano Nacional contra a Violência Doméstica (2011-2013) (CIG, 2014) indicava que, das 35 casas de abrigo que receberam subvenção,

34 apresentaram despesas decorrentes do apoio ao processo de autonomização. No to- tal, foram apoiadas 197 mulheres em processo de autonomização, e a maioria das despe- sas referia-se a aquisição de mobiliário e eletrodomésticos, celebração de contratos de arrendamento (incluindo pagamento de caução) e fornecimento de eletricidade, água e gás. A importância do apoio financeiro para a autonomização da vítima é referida pelas casas de abrigo consultadas pela CIG, expressando que este apoio facilita de forma ine- quívoca os processos de autonomização da utente, e que sem ele algumas utentes pro- longariam a sua permanência na casa de abrigo, embora já não estivessem em situação de perigo para a sua segurança. Em junho de 2014, em audição parlamentar, a secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade afirmava não ser necessário o re- forço monetário no apoio financeiro para a autonomização da vítima (Morais, 2014). No total, foram atribuídos, inicialmente, 530.000 euros para este fim, verba que, entretanto, tem vindo a ser reforçada, desde que devidamente justificada (Duarte, 2014).

Por último, em dezembro de 2013, a CIG e o Instituto da Habitação e da Reabilita- ção Urbana (IHRU) assinaram um protocolo de colaboração para responder às necessi- dades de habitação condigna das vítimas de violência doméstica e fazer face aos valores praticados no mercado livre de arrendamento (CIG, 2014). O protocolo visa a coopera- ção institucional entre a CIG e o IHRU no apoio ao processo de autonomização das víti- mas no momento de saída das casas de abrigo através de:

a) constituição de uma bolsa de fogos de habitação, com cobertura nacional, destina- dos a vítimas de violência doméstica em processo de autonomização;

b) proceder à disponibilização desses fogos para arrendamento a baixo custo às víti- mas de violência doméstica, no momento da sua saída das casas de abrigo; c) assegurar as condições normais de habitabilidade dos fogos referidos na alínea a),

sendo as obras para garantir a habitabilidade financiadas pelas verbas dos jogos so- ciais em processo mediado pela CIG.

Ao abrigo deste protocolo e, até outubro de 2014, foram atribuídas a MVVD 17 fogos do património habitacional do IHRU.

Capítulo 2

Desenho da pesquisa e metodologia

No presente capítulo apresenta-se o desenho da pesquisa e fundamentam-se as opera- ções metodológicas realizadas e os respetivos procedimentos. Aconjugação de níveis de análise macro, meso e micro, de metodologias quantitativas e qualitativas e de múltiplas fontes de informação revelou-se adequada aos objetivos do estudo. Os instrumentos de recolha de informação possibilitaram captar diferentes dimensões da problemática da violência doméstica, a partir de diferentes perspetivas, com diferentes graus de extensi- vidade vs intensidade.