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As principais operações metodológicas realizadas no âmbito da pesquisa foram, como referido, análise documental, inquéritos por questionário e entrevistas.

Aanálise documental incidiu sobre os seguintes materiais: documentos nacionais e internacionais, principalmente relatórios de projetos e pesquisas, sobre casas de abrigo e promoção da inserção social e profissional das VVD; indicadores estatísticos sobre a VD e problemas a ela associados; páginas web de instituições envolvidas no apoio a VVD; le- gislação nacional na área da VD; audições parlamentares da secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade; regulamentos das casas de abrigo (a que tive- mos acesso relativamente a 26 casas); e informação recolhida no âmbito da participação em seminários.

Um contacto bem-sucedido com as instituições era decisivo para o sucesso da pes- quisa, nomeadamente para a realização dos inquéritos e das entrevistas. A obtenção de informação sobre a estrutura de atendimento a vítimas de violência doméstica, sobretu- do os contactos das entidades gestoras de casas de abrigo, foi conseguida através da Co- missão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG), designadamente o Núcleo da Violência Doméstica e Violência de Género (N-VDVG). A lista de contactos foi atualiza- da posteriormente, confirmando-se os endereços e as pessoas responsáveis para reme- ter cartas de apresentação do projeto. No primeiro contacto com as entidades gestoras das casas de abrigo, a CIG foi agente facilitador, ao avalizar a pesquisa e sublinhar a im- portância da colaboração destas entidades na recolha de informação.

No que concerne à vertente quantitativa da pesquisa, os inquéritos por questioná- rio foram aplicados online a todas as entidades gestoras (32) e casas de abrigo (36).1Com

uma taxa de resposta de 100%, os resultados dos inquéritos representam, não uma amostra, mas o universo em estudo (quadro 2.1).

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1 Note-se que o número total de casas de abrigo é 36 e não 37, o número oficial, porque, no caso de uma das entidades, se validou a opção de preenchimento de apenas um questionário em nome das duas casas que formalmente a integram, por a entidade considerar que, na prática, se trata de uma mesma casa, com dois apartamentos, mas com o mesmo nome, a mesma equipa técnica e as mesmas condições.

Em 44% dos casos foi o/a dirigente principal da entidade gestora quem preencheu o inquérito às entidades gestoras. Nos restantes casos responderam outros profissionais a quem aqueles/as delegaram, maioritariamente coordenadores da valência de casa de abrigo. Já os respondentes do inquérito às casas de abrigo foram, em 86% dos casos, os/as diretores/as técnicos/as; nos restantes casos responderam outros/as técnicos/as das casas de abrigo.

O desenho dos questionários apoiou-se sobretudo na pesquisa bibliográfica e na informação recolhida junto da entidade parceira do projeto, a Associação de Mulheres Contra a Violência (AMCV), nomeadamente na entrevista exploratória realizada no iní- cio do projeto com a sua técnica de emprego apoiado.

Os instrumentos de recolha de informação foram sujeitos a um pré-teste, que con- tou com a participação de três entidades gestoras de casas de abrigo e respetivas casas.

30 PROCESSOS DE INCLUSÃO DE MULHERES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Entidades com casas de abrigo (N = 32)

N.º de casas de abrigo

(N = 36)

Entidades com casas de abrigo (N = 32)

N.º de casas de abrigo

(N = 36) Associação de Mulheres Contra

a Violência (AMCV) 2 Grupo de Ação Social S. Vicente Pereira 1

Associação Portuguesa de Apoio à Vítima

(APAV) 2 Irmandade Santa Casa da Misericórdiade Santo Tirso 1

Associação de Pais e Educadores para

a Infância (APEPI) 1 Lar de Santa Helena 1

Associação dos Moradores de Lameiras 1 Moura Salúquia 1

Associação para o Desenvolvimento

da Figueira 1 Santa Casa da Misericórdia daVidigueira 1

Associação Presença Feminina 1 Santa Casa da Misericórdia de Albufeira 1 Centro de Apoio à Mulher de Ponta

Delgada 2 Santa Casa da Misericórdia de Aveiro 1

Centro Social e Paroquial de São Bento

da Ribeira Brava 1 Santa Casa da Misericórdia de Bragança 1

Centro Social e Paroquial de Santo

António 1 Santa Casa da Misericórdia de Estremoz 1

Centro Social e Paroquial de Vera Cruz 1 Santa Casa da Misericórdia de Lisboa(SCML) 1* Confederação Operária Terceirense 1 Santa Casa da Misericórdia de Sines 1 Cooperativa Pelo Sonho é que Vamos 1 Santa Casa da Misericórdia do Porto 1 Cruz Vermelha Portuguesa 1 Soroptimist Internacional Clube Porto -Invicta 1 Fundação António Silva Leal (FASL) 1 União de Mulheres Alternativae Resposta (UMAR) 2 Gabinete Social de Atendimento

à Família 1 União de Mulheres Alternativae Resposta (UMAR) - Açores 1 Grupo de Ação Social Cristã 1 União Mutualista Nossa Senhorada Conceição 1 * Nesta entidade procedeu-se ao preenchimento de um questionário para as duas casas que formalmente a integram.

O pré-teste visou testar a estrutura dos questionários e a sua aplicabilidade no formato

online.

O preenchimento dos questionários pelas instituições processou-se entre 25 de ju- nho e 17 de julho de 2014, com acesso online através de password enviada pela equipa de investigação. Para esclarecimento de dúvidas disponibilizou-se um endereço de e-mail e um contacto telefónico. O pedido de colaboração no preenchimento dos inquéritos foi feito via e-mail, utilizando-se o telefone para reforçar esta solicitação. A aplicação dos questionários foi acompanhada pela recolha dos regulamentos internos das casas de abrigo.

As bases de dados dos inquéritos foram importadas da plataforma digital para um programa de análise estatística de dados quantitativos (SPSS). A informação recolhida foi sujeita a validação, tratamento e análise estatística. Os dados recolhidos permitiram obter informação extensiva sobre um conjunto alargado de dimensões de análise: carac- terização das entidades gestoras e casas de abrigo, recursos, utentes, procedimentos e intervenção, apoios prestados — com particular enfoque para os relativos à formação, emprego e empreendedorismo —, opinião sobre programas para a inclusão das MVVD e sua aplicação, resultados e avaliação da intervenção, problemas e boas práticas.

Relativamente à componente qualitativa da pesquisa, realizaram-se 11 entrevistas a profissionais de casas de abrigo (diretoras/es técnicas/os e outro pessoal técnico, como assistentes sociais, psicólogas/os e juristas)2e 16 entrevistas a ex-utentes que passaram

por processos de inclusão social após saírem da instituição de acolhimento.

As casas de abrigo convidadas a participar nesta fase do projeto encontram-se lista- das no quadro 2.2. Todas responderam positivamente ao pedido de colaboração. No processo de seleção das casas de abrigo para a pesquisa qualitativa procurou-se apreen- der a diversidade de contextos, principalmente ao nível da sua localização geográfica, tipo de entidade gestora, antiguidade e capacidade da casa (número de vagas). Os tipos de intervenção e de práticas de intervenção, previamente relatadas no inquérito online, foram também considerados nesta seleção.

A realização das entrevistas concentrou-se em setembro e outubro de 2014. Em ge- ral, as entrevistas foram presenciais, mas em três casos, devido à distância, recorreu-se a videoconferência por Skype.

As respostas das casas de abrigo ao inquérito por questionário foram utilizadas na condução das entrevistas semidiretivas às/aos técnicas/os. Desta forma, foi possível interpretar de forma mais esclarecida o sentido das respostas, complementar a informa- ção previamente recolhida, ilustrada com casos concretos e explicações mais detalha- das, e obter informação acrescida e de caráter qualitativo sobre a intervenção dirigida para a inclusão social e profissional das utentes. Em alguns casos houve a possibilidade de visitar o espaço físico das casas de abrigo.

As entrevistas às ex-utentes foram pautadas pela garantia de confidencialidade, sendo a marcação feita pelas casas de abrigo e, previamente, assinada uma declaração de compromisso explicitando os fins da entrevista e a garantia do total anonimato da en- trevistada. Nesse sentido, toda a informação identificável de nomes, localidades, datas referidas pelas ex-utentes entrevistadas foi eliminada e foram criados nomes fictícios. A seleção das entrevistadas foi também da responsabilidade das casas de abrigo, a partir

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2 Entrevistas realizadas maioritariamente a mulheres. Entre os entrevistados conta-se apenas um téc- nico do sexo masculino.

da orientação de que se pretendiam casos assinalados como de sucesso ao nível da autonomização.

As entrevistas aprofundadas a ex-utentes, com tempos de duração entre uma hora e meia e três horas, possibilitaram obter informação qualitativa útil para a pesquisa, tra- zendo novos dados sobre o processo de inclusão das vítimas de violência doméstica. Com estas entrevistas foi possível recolher o testemunho das mulheres sobre a sua expe- riência de autonomização e a sua perspetiva sobre o processo por que passaram, as suas dificuldades, concretizações e sugestões.

No âmbito da presente pesquisa, realizou-se ainda uma entrevista a uma técnica de ponto focal num centro de emprego do IEFP na cidade de Lisboa, interlocutora privile- giada no domínio da violência doméstica. A entrevista decorreu no final de agosto de 2014 e centrou-se no trabalho desenvolvido pelo centro de emprego em articulação com casas de abrigo ao nível do apoio à integração de VVD em medidas de formação e emprego.

As entrevistas foram transcritas e analisadas com recurso a software de análise de dados qualitativos (MAXqda).

A participação em conferências sobre violência doméstica foi proveitosa para o de- senvolvimento da pesquisa. No âmbito do projeto, evidencia-se a organização do Seminá- rio Internacional “Processos de Inclusão de Mulheres Vítimas de Violência Doméstica: Educação, Formação Profissional e Empreendedorismo” (PIMVVD), que decorreu no ISCTE-IUL, em Lisboa, no dia 9 de dezembro de 2014.

Para além da apresentação dos principais resultados da pesquisa pela equipa de in- vestigação do projeto, participaram como oradoras no Seminário PIMVVD várias enti- dades de apoio a VVD e ligadas à problemática da igualdade de género, como casas de abrigo, entidades do governo nacional e local, uma organização governamental espa- nhola, um Grupo de Mulheres Auto-Representantes e ainda instituições com projetos relacionados com a promoção do emprego e da formação. Todas as casas de abrigo fo- ram convidadas a estar presentes no seminário. Com recetividade muito positiva ao convite, foi possível juntar interlocutores de casas de abrigo de todo o país. A audiência do seminário foi composta por profissionais de casas de abrigo, entidades relacionadas

32 PROCESSOS DE INCLUSÃO DE MULHERES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Casas de abrigo N.º entrevistas dir./técns. (total: 11) N.º entrevistas ex-utentes (total: 16)

Região Distrito/ R.A. Tipode organização Ano de fundação da CA N.º de vagas

AMCV (1) 1 2 Lisboa Lisboa ONG 2001 15

AMCV (2) 2003 17

SCML 1 1 Lisboa Lisboa Outro 2006 22

UMAR Distrito Setúbal 1 1 Lisboa Setúbal ONG 2006 18

Cruz Vermelha 1 1 Norte Porto ONG 2006 25

APAV Vila Real 1 1 Norte Vila Real IPSS 2003 5

APEPI 1 2 Centro Leiria IPSS 2001 12

Lar de Santa Helena 1 2 Alentejo Évora IPSS 1995 24

Moura Salúquia 1 1 Alentejo Beja IPSS 2005 22

FASL 1 2 Algarve Faro IPSS 2003 18

Associação Presença Feminina 1 2 RA Madeira RA Madeira ONG 2002 10

UMAR Açores 1 1 RA Açores RA Açores ONG 2005 18

com a problemática da violência doméstica e da igualdade de género, autarquias, grupo de mulheres sobreviventes de VD, e ainda investigadores e pessoas anónimas interessa- dos no tema. O debate e a partilha de experiências em torno da autonomização social e económica das VVD foi de grande interesse e contribuiu de forma decisiva para a retira- da de conclusões e a elaboração de recomendações como as apresentadas na presente publicação.

Capítulo 3

Caracterização e intervenção das casas de abrigo

As casas de abrigo constituem uma vertente dos serviços de apoio a vítimas de violência doméstica (VVD) com grande relevância e, embora sejam instituições de acolhimento temporário — e precisamente por isso —, o seu papel é central na definição de um proje- to de vida e de autonomização das mulheres que abandonam relações abusivas. A um nível meso, as instituições de apoio a vítimas de violência doméstica medeiam o nível macro das políticas e a realidade das vítimas, situada ao nível individual. A partir do plano analítico centrado nas instituições, pretende-se traçar o panorama atual do apoio de acolhimento temporário de VVD e da intervenção e políticas dinamizadas pelas insti- tuições com vista à inclusão social e profissional destas mulheres. A pesquisa, centrada nas casas de abrigo, permitiu avaliar o trabalho efetuado, conhecer problemas do terre- no e delinear estratégias para uma melhor intervenção junto das vítimas e ao nível das políticas públicas.

As casas de abrigo e a sua intervenção são assim o foco de análise deste capítulo. Numa parte inicial procede-se à caracterização das casas de abrigo e suas entidades gesto- ras, delineando os meios de operacionalização desta estrutura de apoio, o que antecede um outro ponto onde se traça o perfil das utentes à entrada na casa de abrigo. De seguida, o destaque vai para a intervenção, analisando-se os procedimentos e os apoios prestados pelas casas de abrigo e dando especial ênfase à formação, ao emprego e ao empreendedo- rismo, que constituem um tópico fundamental da pesquisa. Este capítulo incide ainda so- bre os recursos exteriores, as estratégias de cooperação e as políticas no âmbito do apoio à inclusão de MVVD, no contexto das casas de abrigo. Procurar-se-á também analisar al- guns resultados da intervenção, começando por evidenciar a situação das utentes à saída da casa de abrigo, e passando a uma outra parte onde se apresentam dados relacionados com a avaliação do desempenho das casas de abrigo, as perceções acerca das suas boas práticas, os aspetos a melhorar e sugestões, para se finalizar o capítulo com a identificação de elementos potenciadores de integração profissional.

A informação que sustenta a análise resulta essencialmente dos inquéritos por questionário aplicados online a todas as casas de abrigo e respetivas entidades gestoras. Contribui também para este capítulo a informação obtida nas entrevistas realizadas a técnicas/o de casas de abrigo bem como a uma interlocutora privilegiada do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) e, ainda, a análise documental, nomeadamente dos regulamentos internos das casas de abrigo.