• Nenhum resultado encontrado

As destinatárias: caracterização das utentes à entrada na casa de abrigo

Beneficiaram de acolhimento em 2013, segundo resposta das casas de abrigo, 823 mu- lheres e 835 crianças e jovens, seus/suas filhos/as. Fazendo o retrato da capacidade de resposta das casas de abrigo em 2013, verifica-se que, em média, cada casa deu resposta a 22 pedidos de acolhimento. Mas o número médio de pedidos a que cada casa não deu resposta (vagas indisponíveis ou insuficientes para o caso) é superior: 57. Isto embora as casas estivessem lotadas, em média, em 223 dias do ano. Associado a esta situação está o facto de, em grande parte dos casos, os acolhimentos realizados serem de um agregado familiar por quarto, o que tem implicações na gestão de vagas, já que o número de filhos que acompanham as mulheres é variável e nem sempre é possível utilizar o total de va- gas disponíveis em cada casa. A este respeito, alguns técnicos entrevistados defendem uma gestão centralizada de vagas, opinião que não é consensual.

O inquérito às casas de abrigo permitiu-nos traçar o perfil das utentes acolhidas. O quadro 3.3 mostra, por ordem crescente, as situações mais frequentes à entrada na casa de abrigo, segundo indicação dos técnicos por referência a 2013.

Os escalões etários predominantes entre as utentes são o dos 30-39 anos e o dos 20-29 anos. Dados complementares do inquérito, também relativos a 2013, indicam que as idades mínima e máxima das mulheres à entrada na casa de abrigo são, em média, respetivamente 21 e 58 anos.

A escolaridade mais frequente das utentes é o ensino básico — o 2.º ciclo e logo de- pois o 3.º ciclo. Quase todas as casas de abrigo indicam o desemprego como uma das condições mais comuns perante o trabalho, seguida a considerável distância da situação de emprego e da ocupação das mulheres em casa como domésticas. As principais fontes de rendimento das utentes, à entrada da casa de abrigo, são o rendimento social de inser- ção (RSI) e o abono de família.

Entre as mulheres que exerciam uma atividade profissional quando entraram na casa, os grupos de profissões predominantes são o das trabalhadoras não qualificadas (onde se incluem trabalhadoras de limpeza, trabalhadoras não qualificadas da agricul- tura e da indústria, assistentes na preparação de refeições, etc.) e o do pessoal dos serviços e vendedoras (trabalhadoras dos serviços, cuidados pessoais e segurança, ope- radoras de caixa e vendedoras).

No caso das utentes que exercem atividade profissional, a entidade empregadora é habitualmente informada da sua situação e entrada na casa de abrigo. No entanto nem em todos os casos as entidades colaboram de alguma forma. As formas de atuação mais frequentes da entidade empregadora face à situação da mulher, quando esta vai para a casa de abrigo, são: o consentimento de que a trabalhadora tire férias (19 casas de abrigo indicam esta forma de atuação); a transferência temporária ou definitiva da trabalhado- ra para outro local de trabalho (13); o consentimento da suspensão do contrato pela tra- balhadora (12); a concessão de licença sem vencimento (11); e a não renovação do contrato (8). Em alguns casos, em que não existe possibilidade de transferência, o despe- dimento pela entidade é a forma possível de colaboração, permitindo o acesso a apoios e subsídios sociais devidamente enquadrados na lei.

As seguintes passagens de duas entrevistas a técnicas são particularmente ilustra- tivas das dificuldades das mulheres que exercem atividade profissional em manter o seu emprego após o abandono da relação abusiva.

O grosso das situações, infelizmente, é ter que deixar o emprego. Na maior parte das vezes, já deixa- ram no momento em que integram [a casa de abrigo] […]. Já é um dado consumado, portanto, não há nada que possamos fazer a esse nível. Senão, tentamos sempre sensibilização, tentar até falar com a entidade patronal, já houve uma situação ou outra que realmente se conseguiu uma transferência, mas são situações, infelizmente, residuais, porque não existem recursos físicos depois para operacio- nalizar. Às vezes até existe a boa vontade, mas não há como fazer…

(UMAR, Setúbal)

Nós tivemos, o ano passado, uma senhora, ela tinha um negócio familiar […], ela quando saiu da sua casa, esse trabalho ficava na própria casa e perdeu a casa e o seu meio de subsistência, passou a ser de- sempregada.

(Associação Presença Feminina, Madeira)

Continuando a analisar os dados do quadro 3.3, verificamos que, na maior parte dos ca- sos, a violência que justifica o acolhimento é cometida pelos cônjuges ou companheiros ou pelos ex-cônjuges ou ex-companheiros. Aduração do relacionamento com o agressor

varia predominantemente entre os cinco e os 14 anos. Cinco responsáveis de casas de abrigo indicam já ter recebido casos de violência doméstica no casal em relacionamentos homossexuais.

Segundo os resultados do inquérito, em média 75% das mulheres levam os fi- lhos consigo para a casa de abrigo. A idade máxima dos filhos acolhidos varia de acordo com o sexo: a idade máxima, em média, das raparigas à entrada na casa de abrigo é 16 anos, enquanto a dos rapazes é 13 anos. O limite máximo de idade dos ra- pazes a serem recebidos em casa de abrigo está presente nos regulamentos de algu- mas casas, por um conjunto de problemas percecionados pelos técnicos e que são patenteados pela primeira entrevistada citada. Em outras casas de abrigo adota-se uma posição diferenciada face a esta questão, como fica comprovado na segunda de- claração apresentada.

Nas casas abrigo tendencialmente nós não admitimos rapazes acima dos 12 anos. […] Têm que ser encaminhados para outras organizações. São agregados que, pelas suas próprias características, não são compatíveis de viver com outras mulheres e outras jovens numa casa abrigo. […] Nós já tivemos situações de jovens que abusavam já das irmãs, não é? […] nem todos serão [agressores], mas como nós não conseguimos perceber a vivência… […] Conviver na mesma casa, e muitas vezes ter que par- tilhar quartos […] É muito complicado, é muito difícil de gerir.

(AMCV, Lisboa)

Eu normalmente acolho os jovens de 16, 17 anos. […] E gosto muito de trabalhar, imenso, tenho um prazer enorme de trabalhar nesta faixa etária. […] Há a questão da sexualidade, há a questão de ser a altura de sair, de se ir para os bares, de fazermos amigos. Isto implica depois, a nível de funcionamen- to, um trabalho completamente diferente. […] é desafiador.

(FASL, Faro)

44 PROCESSOS DE INCLUSÃO DE MULHERES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Situações mais frequentes

Escalão etário 30-39 anos

20-29 anos

Nível de escolaridade 2.º ciclo do ensino básico3.º ciclo do ensino básico Condição perante o trabalho

Desempregadas Empregadas Domésticas

Grupo de profissões Trabalhadoras não qualificadasPessoal dos serviços e vendedoras

Fonte de rendimento RSIAbono de família

Violência cometida por:

(Ex-)cônjuge ou (ex-)companheiro 5-9 anos

10-14 anos

Levam as crianças para a casa de abrigo? Em média 75% das mulheres levam crianças

Fonte:CIES-IUL, Inquéritos PIMVVD, 2014.

Quanto à nacionalidade, cada casa de abrigo acolheu em 2013, em média, 19 utentes por- tuguesas e três estrangeiras. Os países de origem mais frequentes, para além de Portu- gal, são Brasil, Angola, Guiné e Roménia.

A figura 3.5 possibilita uma caracterização adicional das utentes à entrada da casa de abrigo, mostrando a perceção dos técnicos de que “todas ou a maioria” ou “uma par- te considerável” destas mulheres provêm de situações de elevado isolamento social, têm dívidas suas ou dos ex-parceiros, são desempregadas de longa duração e os ex-parceiros exerciam sobre elas um controlo económico. Não obstante, mais de metade de responsáveis de casas de abrigo indicam que apenas uma pequena parte das utentes nunca exerceram uma atividade profissional. Note-se ainda que, em geral, a maior parte das mulheres entraram numa casa de abrigo pela primeira vez.

A descrição das utentes, obtida através dos dados dos inquéritos, é confirmada pe- las declarações de técnicas e técnicos entrevistados, que unanimemente sublinham o seu alargado défice prévio de competências. Sendo a casa de abrigo uma solução de último recurso, à partida são acolhidos os casos mais graves e em que não existe recurso alterna- tivo de autonomização e, em geral, são provenientes dos estratos sociais mais baixos.

Apesar da violência doméstica ser transversal a todos os grupos […] chegam sobretudo mulheres de estratos sociais mais baixos e portanto com um défice de competências muito marcado. A maior parte delas não tem experiência de trabalho há anos, ou nunca teve, ou, se teve, foi muito precário. Há todo um trabalho do ponto de vista da pessoa e às vezes percebe-se que a violência doméstica aconteceu, no meio daquilo tudo, mas já havia um défice de competências.

(SCML, Lisboa)

Nas entrevistas refere-se a existência de um conjunto de problemas associados à violên- cia no meio social em que estas mulheres se movem, como problemas psiquiátricos, al- coolismo, negligência, famílias desestruturadas e em que muitas vezes existe já um historial prolongado de violência. Adicionalmente, a seguinte entrevistada refere a

CARACTERIZAÇÃO E INTERVENÇÃO DAS CASAS DE ABRIGO 45

4 1 4 22 11 6 32 35 32 14 25 30

Estão numa casa de abrigo pela primeira vez

O ex-parceiro exercia sobre elas um controlo económico São desempregadas de longa duração

Nunca exerceram uma atividade profissional

Têm dívidas suas ou do ex-parceiro Vêm de situações de elevado isolamento social

Todas ou a maioria / Uma parte considerável Apenas uma pequena parte / Nenhuma

Figura 3.5 Caracterização adicional das utentes acolhidas em 2013: situações mais frequentes à entrada na casa de abrigo (n = 36)

existência crescente de casos em que a acumulação de dívidas, e outros problemas emer- gentes da conjuntura económica atual, se somam à questão da violência, podendo de- sencadear a rutura da relação abusiva.

Muitas das vítimas vêm, já nos aconteceu, porque se sentem encurraladas. […] ou porque estão grá- vidas novamente […] E outras situações em que ambos contraem imensas dívidas, já têm penhoras, e então pedem ajuda. […] cria intolerância e faz despoletar a saída associada a outras questões. À situ- ação da violência somam-se outros problemas e, tudo junto, faz um boom. Não são todas as situa- ções, é certo, há situações semelhantes àquilo que nós conhecemos a nível teórico, em que ela percebeu que naquele momento podia perder a vida, aquela agressão foi diferente. […] Mas, ultimamente, mu- itas situações têm sido despoletadas pelo próprio contexto de recessão em que nos encontramos.

(Cruz Vermelha, Porto)

Em suma, o perfil das utentes é duplamente desfavorecido, tanto a nível do próprio pro- blema da violência doméstica como também em termos dos capitais económico, cultural e social que apresentam.