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Acesso ao crédito para pequenas e médias empresas no Brasil: propostas recentes

No documento PAINEL MICRO, PEQUENAS E MÉDIAS EMPRESAS (páginas 59-65)

CRÉDITO PARA PEQUENAS E MÉDIAS EMPRESAS NO BRASIL

2. Acesso ao crédito para pequenas e médias empresas no Brasil: propostas recentes

A demanda por crédito, por parte do setor privado, defronta-se com racionamento e/ou elevados preços no lado da oferta no Brasil. A escas- sez de recursos é ainda mais acentuada no caso das PME, posto que os obstáculos de natureza macro e microeconômica se apresentam de modo ainda mais acentuado em seus casos.

Ilustra isso um dos resultados encontrados em uma pesquisa conjun- ta efetuada em 1999, pela FIPE e o SEBRAE-SP – citada em SEBRAE (2002: 4), segundo a qual, entre as 408 micro e pequenas empresas paulistas entrevistadas, 16% haviam buscado acesso a crédito sem con- segui-lo. Na verdade, 79% do conjunto de empresas jamais haviam uti- lizado empréstimos bancários.

Do equacionamento dos problemas derivados de assimetrias de in- formação, entre aplicadores e captadores de recursos financeiros, de- pende a viabilidade a baixo custo da transferência desses recursos. Quer no âmbito sistêmico ou nos contextos de mercados, instrumentos e agen- tes econômicos e, em particular, a fluidez e o baixo custo do financia- mento por terceiros estão diretamente relacionados à transparência de informações e à existência de mecanismos de enforcement dos contra- tos envolvidos. Sem tais atributos, a presença do “risco moral” – poten- cial ou efetivo – no comportamento dos tomadores, bem como os pro- cedimentos que racionam e pioram a qualidade da alocação por parte dos aplicadores – “seleção adversa” – podem obstaculizar a realização das transações.

As fronteiras imaginárias A e B, no Gráfico 12, representam níveis a partir dos quais aqueles atributos viabilizam as transações, servindo a ilustração tanto para o caso de sistemas como um todo, quanto de ins- trumentos, mercados ou agentes específicos. As fronteiras se deslocam em conformidade com o progresso, ou o retrocesso, na transparência de informações e nos custos de monitoramento e alinhamento de incenti- vos associados a contratos. Dada a maior capacidade de coleta e processamento de informações, bem como de monitoramento no uso dos recursos, por parte da intermediação bancária em relação às demais formas, o crédito bancário tende a ser dominante na faixa intermediária. Em decorrência, por exemplo, de avanços tecnológicos na coleta e no processamento de informações, permitindo, inclusive, melhor ges- tão e precificação de riscos, nas economias avançadas, a fronteira à di-

reita (B) deslocou-se para o centro, com o que assistiu-se a uma explo- são no uso de instrumentos securitizados desde os anos 80. Na mesma linha, a discussão no item anterior deste texto sugere que, no Brasil, alte- rações na arquitetura jurídico-institucional e inovações que ensejem a re- dução dos custos de seleção de ativos e de monitoramento de contratos permitiriam um movimento para a esquerda de ambas as fronteiras.

Grande parcela das PME se situa na primeira faixa à esquerda, com o financiamento de terceiros só sendo possível de modo familiar ou através de outro tipo de relação de proximidade/vizinhança, alcançando o crédito bancário na hipótese de sucesso. No mercado de crédito, grosso modo, o segmento corporativo se move nas duas faixas à direita, enquan- to o middle market, composto por empresas médias, freqüenta a faixa bancária, quando seu relacionamento estreito e estável com bancos per- mite a superação da barreira informacional e favorece o alinhamento de interesses. As PME, como outros segmentos de varejo do crédito, têm de esforçar-se para alcançar e manter-se na faixa intermediária.

As reformas microeconômicas aludidas no item anterior buscariam deslocar as duas fronteiras para a esquerda – como complemento neces- sário à redução no congestionamento dos canais de crédito a partir da gestão macroeconômica –, cujo efeito tenderia a ser a dilatação em con- junto do crédito na economia. Por outro lado, iniciativas específicas adequadas ao caso das PME, com a finalidade de reduzir custos de co- leta e processamento de informações a seu respeito, bem como o design de instrumentos e instituições voltadas a melhorar a percepção de seus riscos pelos credores, poderiam reforçar o efeito das políticas de cunho geral no contexto daquelas empresas, ajudando-as e aos bancos a cruzar a fronteira da esquerda.

Cabe assinalar o papel crescente que tem assumido o chamado “crédito invisível” entre empresas, ou seja, o crédito mercantil negociado entre cli- entes e fornecedores – conforme levantamento recente efetuado pela SERASA (O Estado de São Paulo, 18/09/2002). As reformas microeconômicas, melhorando a eficácia de garantias, poderão intensificar tal tipo de crédito entre empresas, aproveitando-se, no caso, a posição privi- legiada das firmas originárias do crédito no que diz respeito à superação da assimetria de informações entre aplicação e captação de recursos.

Bancos comerciais poderão até participar mais ativamente do proces- so, dando suporte, através de linhas voltadas a empresas fornecedoras do crédito. A tendência ao uso de instituições intermediárias não-bancárias – como empresas credoras – está hoje presente em todos os ramos de crédi-

to de varejo, posto que, na presença de um arcabouço legal-jurídico ade- quado, tais instituições constituem-se em arranjos institucionais eficientes na minimização dos problemas de assimetria de informações, em decorrên- cia da proximidade/vizinhança entre os envolvidos (Pinheiro e Cabral, 1998). Entre as propostas recentemente discutidas para melhora de condi- ções de acesso a fontes de financiamento por parte das PME recente- mente discutidas, destacaríamos3:

1. Aperfeiçoamentos na Central de Risco do BACEN

A inclusão de informações sobre PME, bem como a introdução de informações positivas (status de “pagamento em dia”) sobre as empresas em geral, diminuiriam os custos associados à coleta de inputs informacionais sobre aquelas empresas. Além disso, ter-se-ia, aí, um forte incentivo contra a inadimplência, o que se refletiria nos spreads bancários.

Mantendo-se o cadastro negativo, com informações sobre atrasos em pagamentos, evitar-se-ia um viés contrário às empresas que estejam buscando crédito pela primeira vez. Dada a alta taxa de natalidade de PME, cumpre evitar o lock out de empresas que ainda estejam fora de ambos os cadastros, positivo e negativo.

2. Seguro de crédito para PME

Quer através da criação de uma companhia seguradora de crédito dedicada a PME, ou outro arranjo institucional, em moldes similares àque- les com os quais foi construída a Seguradora Brasileira de Crédito à Ex- portação (SBCE), os problemas com garantias poderiam ser minimizados através da oferta de linhas específicas de seguro de crédito. A esse respei- to, cabe citar que, em alguns países onde existe a provisão de tal seguro de crédito a PME, empresas locais de seguro de crédito à exportação têm buscado a obtenção de sinergia nas duas atividades (UNIDO, 2001).

3. Ampliação do escopo para cooperativas de crédito

O aproveitamento das relações de proximidade/vizinhança poderia ser maior, com a extensão da possibilidade de formação de cooperativas de crédito para além dos limites legais atualmente vigentes. Na presen-

3 Uma discussão detalhada dessas e de outras propostas pode ser encontrada em

ça de um marco regulatório adequado e de uma correspondente rede de segurança financeira (filiação a uma cooperativa central de crédito, ade- são a um fundo garantidor de depositantes), não há porque não estender a definição de “agentes econômicos com atividades correlatas”, poden- do-se explorar outras dimensões de proximidade entre eles.

Poder-se-á encontrar nas cooperativas de crédito, inclusive, um ins- trumento de mediação entre fontes primárias de crédito (como os ban- cos) e tomadores de recursos, nos moldes do que mencionamos, há pou- co, acerca do crédito comercial entre empresas. A mediação de coope- rativas de crédito é um meio possivelmente eficiente de constituir o monitoramento e a garantia entre pares, contornando problemas de assimetria de informações e de não alinhamento de incentivos.

4. Instrumentos e instituições financeiras para aglomerações (clusters) de empresas

Na mesma linha da proposta anterior, cabe a maior utilização de relações de proximidade/vizinhança contidas em cadeias produtivas – integração vertical – e nos conglomerados produtivos – empresas con- correntes, mas associadas horizontalmente através de “externalidades” locais, ou seja, “economias de aglomeração”. No caso das cadeias pro- dutivas, aplica-se diretamente o que já mencionamos acerca do “crédito invisível” entre empresas.

Mas o escopo possível vai além, estendendo-se aos conglomerados produtivos. Neste contexto, poder-se-á explorar a atuação de agências de fomento, com a montagem de bancos de dados que socializem e minimizem o custo de obtenção de informações, tanto sobre as empresas quanto acerca das fontes disponíveis de crédito. Além disso, tais agências poderão oferecer formas específicas de crédito para as PME envolvidas nos clusters, utilizando, por exemplo, recebíveis emitidos pelas empresas líde- res no âmbito de suas relações com fornecedores. Outrossim, um redirecionamento parcial dos fundos de aval atualmente existentes no Brasil, em direção aos conglomerados produtivos, poderá encontrar ne- les formas de ampliação em seu nível de utilização, bem como resulta- dos mais perceptíveis em termos de eficácia.

5. Instrumentos de mercados de capitais para PME

As ações anteriores poderão ser complementadas com o desenvolvi- mento de instrumentos que facilitem a aproximação entre PME e os

mercados de capitais, através da mediação de fundos de recebíveis e fun- dos de crédito. Particularmente no caso de agrupamentos de empresas ou de micro-regiões, poder-se-á abrir janelas de oportunidade, inclusive para investidores institucionais, à medida que se dilua seu presente refúgio nos altos retornos propiciados pelos títulos da dívida pública.

A Resolução CMN n0 2.907, de 29/11/2001, seguida pela Instrução CVM n0 356, de 17/12/2001, estabeleceram o marco para os Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios (FIDC), exigindo, porém, que os ativos sejam classificados trimestralmente por agência de rating. O de- safio, no caso, seria a compatibilização de tais requisitos com as peculi- aridades das PME. No limite, pode-se pensar na criação de ratings rela- tivos a riscos de crédito de clusters de empresas.

6. E-finance e PME no Brasil

A potencialidade do e-finance na abertura de oportunidades para o desenvolvimento de PME em economias emergentes tem sido objeto de foros internacionais. Em meio aos desafios colocados pelas novas tecnologias sobre os parques empresariais nas economias emergentes, é possível também localizar atalhos para a travessia mais rápida nas eta- pas do desenvolvimento empresarial local. Peritos reunidos em Gene- bra, em outubro passado, apontaram o Brasil como um dos casos em que estão preenchidos alguns requisitos para o aproveitamento de tais janelas de oportunidade (UNCTAD, 2001).

Para finalizar esse item, vale ressaltar o estágio inicial em que se en- contram as reformas microeconômicas de âmbito mais horizontal, concernentes ao conjunto do financiamento empresarial. No que diz res- peito às PME, entre os progressos na implementação da “agenda de pou- pança e investimento” – (SPE, 2002) –, destacaríamos a potencialidade de uso, em alguns casos, das Cédulas de Crédito Bancário (CDC).

A CDC, como título de crédito de execução extrajudicial emitido, por pessoa física ou jurídica, em favor de instituição financeira ou equi- valente, constituirá meio de contornar parte dos riscos legais-judiciári- os embutidos nas transações financeiras, por ser instrumento auto- executável. Contudo, sem mudanças de fundo (nos processos judiciais, na lei de falências etc.), continuarão presentes os fatores de “risco mo- ral”, que têm ajudado a manter os altos spreads na intermediação finan- ceira e a escassez na oferta de financiamento.

Considerações finais

Conforme tentamos argumentar, há três níveis de determinantes a serem observados no tocante ao financiamento das PME no Brasil:

1. a dimensão macroeconômica, expressa nos depósitos compulsóri- os bancários, na taxa básica de juros e no congestionamento dos canais de crédito pelos títulos da dívida pública, os quais encare- cem e estrangulam o total de créditos ao setor privado;

2. a dimensão microeconômica de âmbito horizontal, manifesta nos índices persistentes (não-conjunturais) de inadimplência, na con- centração de poder de mercado no lado da oferta de crédito, nos custos administrativos da intermediação bancária e na avaliação de riscos de crédito; e

3. a dimensão microeconômica específica às PME, na qual os proble- mas de cunho horizontal aparecem com máxima intensidade, exigin- do a construção de instituições e instrumentos financeiros adequados. A obtenção de capilaridade do crédito ao setor privado na economia brasileira, alcançando os segmentos das PME, só será possível com o enfrentamento simultâneo destas três ordens de obstáculos.

Referências bibliográficas

BARAJAS, A. e STEINER, R. (2002). “Credit stagnation in Latin Amé- rica”, Washington, IMF working paper, n. 53, março.

KOYAMA, S. M. e NAKANE. M. I. (2002). “O spread bancário se- gundo fatores de persistência e conjuntura”, in Banco Central do Brasil, Relatório do projeto de juros e spread bancário no Brasil – avaliação de dois anos do projeto, Brasília.

PINHEIRO, A. C. e GARCIA, C. (1998). “Mercado de crédito no Bra- sil: o papel do judiciário e de outras instituições”, Rio de Janeiro, Ensaios BNDES 9, dezembro.

PINHEIRO, A. C. (2001). “Economia e justiça: conceitos e evidência empírica”, Rio de Janeiro, BNDES, julho, (mimeo.).

SEBRAE (2002). “Como melhorar o acesso das micro e pequenas em- presas ao crédito e expandir o microcrédito”, Relatório do Grupo de Trabalho de Crédito do SEBRAE, Brasília, junho.

SPE – Secretaria de Política Econômica (2002). Principais avanços na implementação da agenda de poupança e investimento, Brasília, www.fazenda.gov.br.

UNIDO (2001). “E-finance and small and medium-size enterprises (SMEs) in developing and transition economies”, UNCTAD/SDTE/ Misc. 48, Genebra, 17 de outubro.

No documento PAINEL MICRO, PEQUENAS E MÉDIAS EMPRESAS (páginas 59-65)

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