• Nenhum resultado encontrado

Crédito ao setor privado no Brasil

No documento PAINEL MICRO, PEQUENAS E MÉDIAS EMPRESAS (páginas 47-59)

CRÉDITO PARA PEQUENAS E MÉDIAS EMPRESAS NO BRASIL

1. Crédito ao setor privado no Brasil

O crédito ao setor privado, no Brasil, limitou-se a 28,1% do PIB em 2001. Trata-se de magnitude relativamente pequena em comparação in- ternacional, particularmente se a cotejarmos com aquelas da Coréia do Sul e do Chile, economias emergentes, cujos desenvolvimentos têm sido objeto de destaque nos últimos anos (Gráfico 1).

A Tabela 1 ilustra, de outro modo, o potencial inexplorado de crédi- to ao setor privado no país, pelo menos no tocante ao espaço disponível para tal nas carteiras de ativos de bancos comerciais, ou outras institui- ções receptoras de depósitos. Também por este ângulo, pode-se visualizar as diferenças na alavancagem de gastos privados pelos bancos no Brasil e no Chile. Não por acaso, há a percepção, entre os analistas, de que a economia brasileira tem nas dificuldades de acesso e/ou custo do crédi- to ao setor privado uma das travas a seu crescimento.

Tabela 1: Instituições receptoras de depósitos

Fonte: Barajas & Steiner (2002).

1 Beneficiamo-nos, neste item, de conteúdo e de material utilizado em discussões no

âmbito da Comissão de Economia da FEBRABAN. As opiniões aqui expressas, porém, são de inteira responsabilidade do autor.

Na verdade, a trajetória histórica do crédito ao setor privado no país mostra apenas poucos momentos de aproximação a 40% do PIB (Barajas & Steiner, 2002). Entre 1960 e 2000, a proporção média do crédito ban- cário ao setor privado no PIB no Brasil foi de 30%. O pico da razão crédito/PIB, atingido na segunda metade dos anos 70, foi sucedido por um declínio até o início dos anos 90. A relação crédito/PIB viveu, a seguir, uma expansão acelerada entre 1991 e 1994 até, depois do estou- ro da bolha de crédito de consumo dos primeiros anos do Plano Real, ter assumido uma tendência de lenta recuperação. De qualquer forma, o crédito ao setor privado cresceu abaixo de 2% ao ano, em termos reais, entre 1995 e 2000, chegando ao final do período ainda com números baixos quanto à participação de empréstimos nos ativos de bancos co- merciais (conforme a Tabela 1).

Gráfico 1: Crédito ao setor privado / PIB

Países selecionados

Gráfico 2: Composição dos ativos bancários no Brasil

Fonte: Banco Central do Brasil — ELABORAÇÃO: BBV Banco

Quais os fatores que explicam a expansão e retração do conjunto do crédito bancário brasileiro ao setor privado nos anos 90? Em que medi- da as responsabilidades estiveram no lado das fontes de fundos do siste- ma bancário (depósitos, passivos externos, capital próprio), ou no uso desses fundos em alternativas ao crédito para o setor privado (crédito ao setor público, crédito ao Banco Central)? As respostas a tais questões revelam a presença de fatores macroeconômicos, cujos desdobramen- tos importaram e continuarão influindo na evolução potencial do crédi- to ao setor privado – inclusive o crédito às PME.

Entre 1991 e 1994, segundo os resultados de Barajas & Steiner (2002) para o Brasil, houve criação de espaço nos balanços dos bancos para o explosivo aumento no crédito ao setor privado de então, por conta do crescimento dos depósitos nos bancos (após a estabilização), bem como por decorrência de uma forte queda no crédito líquido junto ao Banco Central (depósitos compulsórios) no período, e do retorno da captação de recursos no exterior. Já durante 1995-1999, embora o aumento de capital dos bancos e o ingresso de recursos externos tenham parcial- mente compensado um desempenho mais fraco na expansão dos depó- sitos, permitindo a continuidade da ampliação dos fundos bancários no período, foram os usos destes em alternativas ao crédito ao setor priva- do que determinaram a débil expansão deste último.

Nessa segunda metade da década dos 90, a elevação dos créditos junto ao Banco Central e a grande dilatação no crédito ao setor público não-financeiro absorveram a maior parte do incremento nos fundos dos bancos. O Gráfico 2 mostra a proporção crescente de títulos de valores mobiliários nas carteiras bancárias, com destaque para a dívida pública entre eles, em detrimento relativo das operações de crédito.

O congestionamento (crowding out) exercido pela dívida pública sobre usos alternativos da poupança financeira brasileira pode ser ob- servado na composição do agregado monetário amplo (M4), Gráfico 3, na qual os fundos de renda fixa e os títulos públicos federais e esta- duais correspondiam a 56% do total, em fevereiro de 2002. Na com- posição dos fundos, os títulos públicos compunham, então, 77% dos ativos (Gráfico 4).

As outras “avenidas” de intermediação financeira – as instituições financeiras não bancárias – mantiveram peso relativamente pequeno na concessão de crédito ao setor privado no país, embora tenham aumenta- do seu volume de 1,5% para quase 4% do PIB, entre 1996 e 2000 (Barajas e Steiner, 2002). Em 2001, os mercados de capitais cresceram como fonte de financiamento empresarial, através de títulos privados de renda fixa, chegando a compor 12% das fontes de crédito na economia brasi- leira. São, entretanto, números diminutos quando comparados, por exem- plo, ao papel do crédito provido pelos fundos de pensão no Chile.

O fato é que o aperto nos compulsórios bancários e o crescimento da dívida pública, a partir de meados dos anos 90, congestionaram a prin- cipal via de acesso ao financiamento no Brasil. Combinaram-se, para tanto, os déficits públicos nominais e os elevados patamares alcançados pela taxa básica de juros no período (Gráfico 5).

A concorrência em volume de absorção e em preços exercida pe- los títulos da dívida pública sobre o crédito ao setor privado, num contexto de aperto na política monetária, implicou o encolhimento e o encarecimento na oferta do segundo. Tal dimensão macroeconômica presente no custo do financiamento ao setor privado refletiu-se na magnitude dos spreads bancários, bem como no peso da influência das alíquotas de depósitos compulsórios sobre os bancos (Gráficos 5 e 6), mesmo com a queda significativa no IOF, entre meados de 1998 e janeiro de 2000.

Gráfico 3: Composição do agregado monetário M4 no Brasil

Fevereiro (2002)

Fonte: Banco Central do Brasil — ELABORAÇÃO: Banco Itaú

Gráfico 4: Composição dos fundos (Fevereiro (2002)

Gráfico 5: Taxa Selic e spread bancário (em %)

FONTE: Banco Central do Brasil — ELABORAÇÃO: BBV Banco

Gráfico 6: Spreads bancários e depósitos compulsórios

O peso dos fatores associados à gestão macroeconômica, na deter- minação dos termos e do volume de oferta de financiamento ao setor privado, pode ser visto tanto na correlação de movimentos entre a taxa Selic e os spreads bancários (Gráfico 5), quanto na co-evolução entre estes e as alíquotas de depósitos compulsórios (Gráfico 6). Mas, a com- posição dos spreads bancários também revela a presença de fatores de ordem microeconômica. Com efeito, alguns estudos recentes têm de- tectado a atuação separável de fatores mais persistentes e, em parte, dissociáveis da conjuntura na evolução dos spreads (ver, por exemplo, Koyama e Nakane, 2002).

O exame dos determinantes dos spreads bancários pelo Banco Cen- tral do Brasil, realizados sistematicamente a partir de 1999, tem desta- cado a responsabilidade da inadimplência (Gráfico 7), algo também per- ceptível na co-evolução tendencial de índices de inadimplência e os spreads (Gráfico 8) 2. A rentabilidade com os títulos da dívida pública, como custo de oportunidade para a aplicação de recursos no crédito ao setor privado, faz-se presente na margem líquida dos bancos, com esta refletindo também o poder de mercado manejado pelos participantes na atual configuração da concorrência bancária no país (Gráfico 7). Adici- onalmente, pode-se detectar a influência da macroeconomia na causação – bidirecional – entre a inadimplência e os spreads (Gráfico 8). Contu- do, os patamares mínimos de inadimplência, nos momentos de conjun- tura mais favoráveis, estiveram bem acima daqueles encontrados nos países da OCDE, manifestando a persistência de causas estruturais.

Outro fator microeconômico a considerar – altamente relevante no contexto deste trabalho – é a importância das garantias como colaterais, com a existência, a eficácia e o custo de administração dos correspon- dentes instrumentos, podendo permitir, quando favoráveis, a redução de spreads e das restrições de oferta de crédito. Com efeito, o Gráfico 9 aponta uma dispersão significativa de spreads bancários por tipo de ope- ração de crédito, dispersão esta parcialmente explicável pelas diferen- ças na qualidade de instrumentos de garantias disponíveis no país para as diversas formas de aplicação de recursos.

Por exemplo, comparando-se no Gráfico 9 os casos do crédito pes- soal e de aquisição de bens (automóveis em particular), bem como en-

2 A inadimplência está aqui medida pelos créditos classificados de D a H, ou seja, com

tre, de um lado, descontos de duplicatas e, de outro, crédito para capital de giro e “vendor”, as discrepâncias de spreads entre eles não podem ser inteiramente explicadas pela inadimplência. Na verdade, na origem de tais divergências de custo de financiamento pode-se localizar as di- ferenças – em termos de eficácia e de custos de administração – dos instrumentos hoje disponíveis para a constituição de garantias nas cor- respondentes operações de crédito.

Na raiz de problemas estruturais com a inadimplência e com a eficá- cia de garantias estão as características de baixa proteção aos direitos de credores e de investidores minoritários, decorrentes de aspectos legais e judiciários no Brasil (Pinheiro e Garcia, 1998; Pinheiro, 2001). Para além dos determinantes conjunturais no tocante à capacidade de paga- mento de devedores, a atual configuração de leis e de funcionamento do judiciário atua como estímulo (potencial ou efetivo) à disposição de não pagar. As conseqüências disto aparecem tanto sob a forma de custos jurídicos presentes nas despesas administrativas dentro dos spreads (Gráfico 7), quanto através da avaliação de riscos de crédito pelos ofertantes de recursos.

Gráfico 7: Composição do spread bancário

Gráfico 8: Inadimplência e spreads bancários

FONTE: Banco Central do Brasil — ELABORAÇÃO:BBV Banco

Gráfico 10: Dívida/Ativos de empresas não-financeiras (em %)

FONTE: Merrill Lynch, Latam Macro Insights (21/06/2002).

Constata-se, pois, o peso negativo exercido por fatores macro e microeconômicos desfavoráveis à expansão e à redução de custos no crédito bancário ao setor privado, nos últimos anos, no Brasil. Trata-se de observação que pode ser estendida às demais formas de captação de recursos financeiros pelas empresas, já que nos determinantes de sua disponibilidade e preço também se incluem aqueles mesmos fatores. A rigor, levando-se em conta a maior capacitação relativa das instituições bancárias, em geral, no enfrentamento das questões de assimetria de informações e dos problemas microeconômicos aqui mencionados, pode- se até presumir ter sido ainda mais intenso o impacto negativo de tais fatores sobre a oferta potencial de recursos através de instrumentos e instituições não-bancárias.

Não por acaso, mostra-se baixo o grau médio de endividamento em- presarial brasileiro. Observando-se os números agregados do total de dívidas em relação aos ativos dos conjuntos de empresas, nos países incluídos no Gráfico 10, nota-se que o endividamento médio das em- presas brasileiras só não é menor, na América Latina, que os da Venezuela e da Colômbia. O caso argentino destoa dos demais, por conta da maxi- desvalorização do peso desde o fim do ano passado.

Vale também olhar as medianas, ou seja, os valores da proporção de dívidas sobre ativos, a partir dos quais as empresas são repartidas em dois grupos, com as firmas se dividindo, então, entre duas metades: as

mais e as menos endividadas. Quando o valor mediano é mais baixo que o médio, significa que a metade constituída pelas empresas menos endividadas absorve menos da metade do total da dívida.

Salvo no Brasil e na Venezuela, o Gráfico 10 mostra justamente ní- veis medianos de endividamento abaixo das médias, denotando que, em tais economias, os 50% de empresas mais endividadas concentram mais da metade do endividamento. No Brasil, dá-se o inverso, com a metade menos endividada no conjunto das empresas sendo responsável por mais de 50% da dívida. Os níveis de dívida/ativos da parcela mais endivida- da são comparáveis aos dos demais países. Por outro lado, a média bai- xa do conjunto brasileiro revela existir um subconjunto significativo de empresas, no Brasil, com reduzido grau de endividamento e, ainda as- sim, majoritariamente responsável pela captação do crédito. Embora uma análise mais acurada exija outras informações – por exemplo, a dispersão nos níveis de endividamento empresarial em relação à média –, pode-se inferir a presença de forte seletividade no crédito às empre- sas no Brasil, concentrando-se na parcela com baixo grau de endividamento.

Também não por acaso, vem crescendo o peso do BNDES no crédito ao setor privado nos últimos tempos, constituindo-se praticamente na única fonte de crédito de longo prazo. No total para a indústria, em fevereiro deste ano, o banco foi responsável por mais de 40% do crédito (Gráfico 11).

Como conclusão deste item, enfatizamos a necessidade, mas insufi- ciência, da melhora no quadro macroeconômico como requisito para a dilatação e o barateamento do crédito ao setor privado. Embora essenci- al, a combinação de relaxamento nos compulsórios bancários e de me- nor expansão na dívida pública, com esta oferecendo taxas de retorno mais baixas, por si só não bastará para levar o financiamento a propor- ções no PIB comparáveis às chilenas ou dos emergentes asiáticos. Para ocorrer o descongestionamento das avenidas bancárias e não-bancárias do financiamento, serão também oportunas algumas mudanças estrutu- rais, tais como a reforma jurídico-legal, com o fito de reduzir os riscos de crédito, a operação de novos instrumentos e instituições de crédito, etc. No que segue, examinamos a questão com o foco nas MPE.

Gráfico 11: Participação do BNDES no crédito (Fevereiro 2002)

Fonte: BBV Banco

2. Acesso ao crédito para pequenas e médias empresas no Brasil:

No documento PAINEL MICRO, PEQUENAS E MÉDIAS EMPRESAS (páginas 47-59)

Documentos relacionados