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DO LIVRO AO LEITOR: O ACESSO À LEITURA NA ESCOLA

1.2. Acesso à educação

De acordo com Barbier (2008), em todos os lugares o ensino está atrelado diretaou indiretamente ao desenvolvimento do mercado editorial.Primeiro por trabalhar com títulos específicos - no começo até mudando de temas religiosos para outros, como coloca Chartier (1999), laicizadas – e por possibilitar o aumento do número de leitores, ou seja, neste momento, aquele que domina a escrita.

O desenvolvimento da escrita e as transformações do formato do livro começaram a distinguir os leitores, pois alguns apenas decoravam um texto e não outros, desta forma não

poderiam ler toda e qualquer obra. O acesso à educação é fundamental para permitir a todos que leiam de forma ampla, entendendo que a leitura se dá a partir de um suporte físico, contudo nem todos tinham essas condições, além de não ser permitido socialmente.

Se os príncipes encontram seu interesse em um certo desenvolvimento da educação e do ensino, as hierarquias sociais e políticas não devem igualmente ser postas em questão: cada um receberá a educação conforme seu estado, de modo que o nível de ensino se torna mais fraco, conforme se desce na escala social, e as escolas rurais ficam fora do movimento de renovação pedagógica – mas sua ação não é menos real. (BARBIER, 2008, p. 260)

Comumente a educação está atrelada a algo bom e libertador, mas os alunos, em tese, não podem sair da escola sem saber ler e escrever. Para Cook-Gumperz (2008), há a ideia de que a alfabetização melhora a qualidade de vida das pessoas, grupos e sociedade como um todo. Contudo, para o pesquisador, tais afirmações não podem ser simples, embora para Williams seja uma verdade, pois seria a partir disso que passaria a haver grandes revoluções, uma delas é a concepção de controle e influência do próprio destino social.

Essa concepção muda com o fim do feudalismo. No entanto, fica arraigada, como apontado por Chartier (1999), que a leitura e a escrita deveriam ser restritas, pois, se garantidas a todos, faria com que a população de renda mais baixa largasse as terras e buscasse ofícios da pena.

Diferente de Williams, Akinnaso considera um equívoco supervalorizar a alfabetização, porque ela é um “bem cultural ocidental e que desvaloriza culturas não- ocidentais, principalmente as orais” (p. 30) e:

[essa] visão simplista dá vazão a um grande engano, que a educação em sociedades não-alfabetizadas não existe em termos de formação organizada ou [não afeta] a transferência sistemática de conhecimento [...] essas noções sobre educação em sociedades não-alfabetizadas deriva aparentemente e em parte, de uma visão etnocêntrica limitada da escolarização, que interpreta de forma incorreta a verdadeira natureza da educação (AKINNASO apud COOK-GUMPERZ, 2008, p. 30)

Gnerre (1998) também trabalha com a concepção de que a valoração da escrita exclui culturas orais, apontando que há um mito em torno da alfabetização, pois ela “seria o passo decisivo para que grandes massas mergulhadas nas culturas orais abandonassem valores e formas de comportamento “pré-industrial”, se tornassem mais disponíveis para processos de industrialização e cooperassem de forma ativa no processo de expansão do poder do Estado” (id, 1998, p. 44-45).

Como há a ideia de que a educação pode fazer com que as pessoas ascendam socialmente, a escrita, assim como a leitura, é vista como um desenvolvimento social e como algo positivo, como exemplifica Gnerre (1998) ao citar que

muitas vezes descobrimos em culturas que não dispõem de uma tradição escrita, ou em classes subalternas das nossas sociedades, uma polaridade de atitudes: ou a rejeição total, ou a aceitação total e acrítica do que está escrito e, ainda mais, impresso, acompanhada, esta última atitude, por declarações tautológicas, do tipo

tudo que está escrito é importante, porque foi escrito. (BEDUSCHI, apud

GNERRE, 1998, 53 – grifos do autor)

E aquilo que não está escrito precisa ser, caso contrário será perdido ou esquecido. Com o desenvolvimento industrial, a exigência da escrita e da leitura passa a ser cada vez maior, buscando acabar com o analfabetismo, interesse comum a diversos países, inclusive com apoios não governamentais, o que garantiu a abertura da escola pública para todos. No entanto, tal abertura faz com que surjam problemas educacionais.

Segundo Arendt (2005), esses problemas são considerados modernos e passaram a ser um jogo de interesse político controlando diversos aspectos educacionais.

A intenção consciente não era a de ensinar conhecimentos, mas sim de inculcar uma habilidade, e o resultado foi uma espécie de transformação de instituições de ensino em instituições vocacionais que tiveram tanto êxito em ensinar a dirigir um automóvel ou a ou a utilizar uma máquina de escrever, ou, o que é mais importante para a “arte” de viver, como ter êxito com outras pessoas e ser popular, quanto foram incapazes de fazer com que a criança adquirisse os pré-requisitos normais de um currículo padrão. (Op. cit., p. 232)

Não à toa, a educação é um dos principais itens de debates em campanhas políticas. Uma das problemáticas levantadas é que o aprendizado foi substituído pelo fazer, que, de acordo com Mészáros (2005), não visa a produzir cidadãos críticos, pois seria uma necessidade capitalista e foi a principal causa da abertura da educação pública a todas as classes sociais, não havendo o interesse em formar cidadãos críticos, mas sim mão de obra barata e qualificada;Nessa lógica o ensino técnico ganha espaço. Mesmo posicionamento apresentado por Cook-Gumperz (2008, p. 40):

o grande objetivo da escolarização em massa foi controlar a alfabetização, e não promovê-la, controlar ambas as formas de expressão e o comportamento que acompanhava o avanço rumo a alfabetização. O desenvolvimento da escolarização pública baseou-se na necessidade de alcançar uma nova forma de treinamento social, que transformou os trabalhadores domésticos ou rurais em uma força de trabalho industrial. Assim, embora a alfabetização tenha precedido o desenvolvimento industrial, foram as necessidades da nova economia industrial e capitalista que moldaram a escolarização e a sua institucionalização.

Ainda que voltada aos interesses mercadológicos, a prática de ensino de leitura e escrita mudou, pois, como aponta Darton (1990), no século XVII e no início do XVIII, ao ir à escola, o aluno já sabia decifrar alguns textos, todos religiosos. Na Inglaterra, as crianças

aprendiam a ler antes de escrever;a mesma estratégia ocorria na França. A mudança começa com alteração da temática dos livros nas escolas, que deixaram de ser religiosos, pois o modo de impressão e formatos permitiram que houvesse uma troca de títulos e surgissem novos gêneros.

Outra relação direta foi a transformação de uma leitura oralizada e em grupo para silenciosa e individual, pois assim não há mais mediação, excluindo, dessa forma, aqueles que só tinham contato com o livro a partir de outro leitor, exigindo que, para ter acesso à leitura, deva dominar a escrita.