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DO LIVRO AO LEITOR: O ACESSO À LEITURA NA ESCOLA

1.3. Leitura no Brasil

No Brasil, essa questão é fundamental para entender a situação em pleno século XXI, pois está atrelada aos estudos a condição socioeconômica, e faz com que muitos não possam ter o hábito da leitura por não poderem adquirir livros. Dado evidenciado por Fernandes (2007) ao publicar os números da Câmera Brasileira do Livro.

As estatísticas indicam que o mercado comprador de livros representa 20% da população brasileira alfabetizada com 14 anos ou mais (CÂMARA BRASILEIRA DO LIVRO, 2001, p. 20). Dessa pequena parcela de compradores, 60% têm mais de 30anos, 53% são moradores da Região Sudeste e mais da metade são de cidades grandes e metrópoles (Ibid., p. 26). Os maiores índices de leitura e compra de livros encontram-se nos estados de renda mais elevada: classe A e com instrução superior. Ou seja, 1% da população possui 22% dos livros, revelando que a posse de livros "apresenta dinâmica idêntica à distribuição de renda no país, onde poucos têm muito e muitos têm pouco" (Ibid., p. 36). (FERNANDES, 2007, p. 18-19)

A dificuldade em desenvolver a leitura em nosso país é histórica. De acordo com Lajolo e Zilberman (1996), só por volta de 1840 é que o Brasil começa a apresentar traços para a formação do leitor, com mecanismos de produção e escolarização, ainda que precárias. A mudança no cenário aparece com o Romantismo, fomentando o mercado. Todavia, a principal questão não era a disponibilidade dos livros, mas sim de acesso, já que, até o final do século XIX, mais de 70% da população era analfabeta.

A publicação da quartaedição do estudo do Instituto Pró-Livro, Retratos da Leitura no Brasil(2016) –, também apresentava índices similares. A pesquisa considerava comprador e leitor os casos de pessoas que tiveram contato com o objeto nos três últimos meses. Em 2015, 87% dos entrevistados das classes D e E foram considerados não compradores de livro. Tais números são históricos, não só no Brasil, e estão estritamente ligados ao acesso escolar, como também demonstrado na pesquisa, em que o número de compradores aumenta conforme a instrução educacional. Para se ter uma ideia, o índice referente ao nível de escolaridade dos

compradores de livros era de 10% quando não alfabetizados; com ensino superior, esse número sobe para 50%.

Visando àdiminuiçãodos problemas de leitura, são criados programas que possibilitem reverter tal condição. O primeiro passo do governo é alfabetizar a todos, com apoio, desde 2012, do PNAIC (Pacto Nacional Alfabetização na Idade Certa). O programa visa alfabetizar as crianças até o 3o ano do Ensino Fundamental. O segundo é garantir que tenham o livro.Para isso, foram criadas políticas públicas que distribuíssem livros em escolas públicas brasileiras, em nível nacional, estadual e municipal. O último programa federal desenvolvido é o PNBE (Programa Nacional Biblioteca da Escola).

Embora haja o desenvolvimento de programas alfabetizadores e incentivadores de leitura, surge outra problemática, os analfabetos funcionais. O analfabetismo funcional é um dos principais problemas enfrentados na educação, pois os alunos são considerados alfabetizados, leem e escrevem, porém não conseguem fazer uma leitura mais aprofundada e compreender o texto.

Para Chartier (2004, p. 173-174),

hoje em dia, os analfabetos funcionais são aqueles que, apesar de seus anos de escolaridade, enfrentam problemas com a escrita, ao ponto de sofrer dificuldades em sua vida cotidiana (…). O número de iletrados vem aumentando, e o analfabetismos funcional está se convertendo na “nova epidemia”, “flagelo dos tempos modernos”, “enfermidade vergonhosa”, que acedia os bairros periféricos das grandes cidades, se relaciona com a miséria, a decadência social e a violência urbana.3

Por isso,a escola não trabalha mais com a dificuldade em alfabetizar.A prioridade da alfabetização é cada vez mais cedo ensinar a criança dominar a escrita. Passada essa fase, o embate é ensinar a ler. Para Barthes e Compagnon (1987), ler não é apenas decifrar um texto de forma mecânica, e, sim, desenvolver a criticidade; o leitor deve ir além do texto, tanto em interpretação quanto em visão de mundo.

No ambiente escolar, no entanto, o que se prioriza, a partir do que é possível constatar no editais do PNBE, é o desenvolvimento de uma leitura literária, com os clássicos literários, mas, segundo Geraldi (2013), não é o professor quem ensina a ler, e, sim, o aluno que aprende a descobrir a magia da literatura, ele apenas dará ferramentas para que se torne um leitor.

3 hoy em día, los analfabetos funcionales son aquellos que, a pesar de sus años de escolaridade, enfrentan

problemas com lo escrito, al grado de sufrir dificultades em su vida cotidiana (...). El número de iletrados iba em aumento, y el analfabetimos funcional se estaba convirtiendo em la “nueva epidemia”, “flagelo de los tempos modernos”, “enfermedad vergonzosa”, que asediaba los barrios periféricos de las grandes cuidades, se relacionaba com la miséria, la decadência social y la violência urbana. (p. 173-174)

É necessário entender, assim como apontado por Jouve (2002), que há transformações no entendimento sobre o que é leitura. Baseamo-nos no pesquisador, pois defende que leitura é um processo pragmático, assim além do que é defendido por Borges (1999) – que um livro fechado é só mais um objeto –, é preciso considerar a interação do aluno com o objeto e com o autor para que então possa ser o leitor que Geraldi (2013), Barthes e Compagnon (1987) defendem, o leitor crítico, o que sabe compreender o texto.

Todavia, a compreensão textual nos remete ao problema inicial deste subtítulo: o acesso à educação. Quem são os leitores de que estamos falando? Eles tiveram todo o direito de acesso à educação? E a escola quer incentivar o acesso à leitura ou apenas que o aluno saiba decifrar o que é considerado como clássico literário? Ideia defendida por Bourdieu em um debate com Chartier:

(...) penso que o sistema escolar desencoraja essa expectativa e, de uma vez, destrói uma certa forma de leitura. Penso que um dos efeitos do contato médio com a literatura erudita é o de destruir a experiência popular, para deixar as pessoas enormemente despojadas, isto é, entre duas culturas, uma cultura originária abolida e outra erudita que se frequentou o suficiente para não mais poder falar da chuva e do bom tempo, para saber tudo o que não se deve dizer, sem ter mais nada para dizer. (BOURDIE, CHARTIER, 2011, p. 241)

Na visão do estudioso, a escola, ao invés de incentivar, desencoraja, pois desconsidera todas as suas práticas anteriores e tentar impor novas, consideradas clássicas, como uma obrigação para o aluno. Frustra-o com livros, que pode não entender ou ver motivo para ler. O que, ao fim da escolarização, não terá formado nenhum leitor.