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DO LIVRO AO LEITOR: O ACESSO À LEITURA NA ESCOLA

1.5. A leitura na escola

A partir do que fora exposto neste capítulo, devemos questionar as ações e as considerações do que é leitura e do acesso a ela, tendo em vista que cada vez mais se tenta atrair adolescentes no ambiente escolar para lerem, mas muitos já são leitores, principalmente dos best-sellers, em sua maioria séries de vampiros ou zumbis, ou ligados à ação e games. E a escola muitas vezes desconsidera esses títulos, pois quer desenvolver o gosto pela leiturados clássicos literários, e fazer com os alunos entendam e sabiam diferenciar o que a escola considera como boa literatura.

Todavia o que questionamos e queremos demonstrar aqui é que não é preciso desenvolver o gosto por essa boa literatura, e sim formar um novo possível leitor. O primeiro passo é fazer com o aluno tenha contato com o objeto;Muitos brasileiros não têm o hábito de frequentar uma biblioteca, quanto mais pegar um livro emprestado.Destarte, o professor pode promover idas à biblioteca escolar ou até mesmouma pública, indicar obras que possam interessar os alunos (uma estratégia é fazer uma espécie de sinopse) e até utilizar em aula adaptações para quem sabe fazer com que se interessem pela obra original.

Nos artigos da Lei Federal no 12.244 (2010), é considerado biblioteca escolar “a coleção de livros, materiais videográficos e documentos registrados em qualquer suporte destinados a consulta, pesquisa, estudo ou leitura”. E, a partir da publicação da lei, tornou-se obrigatório que no acervo deva haver no mínimo um título para cada aluno matriculado, respeitando o prazo de dez anos para a implementação em todas as escolas públicas e a profissão de bibliotecário.

A lei foi implementada devido aos dados identificados no Censo Escolar 2009, que apontavam que das 152.251 escolas de Ensino Fundamental, apenas 52.355 contavam com o espaço e 17.948 com sala de leitura. A realidade das instituições com Ensino Médio era melhor, das 25.923 escolas, 18.751 tinham biblioteca e 6.321, sala de leitura.

A biblioteca escolar é vista como o local responsável por atrair os alunos para a leitura. De acordo com Moraes, Valadares e Amorim (2014), essa visão começou no século XX. Silva (2011) afirma que no meio deste período, a composição do acervo buscava integrar alunos e pais, mas é só no final do desse século que começam, de fato, ações para constituir o acervo bibliotecário escolar. Considerar os pais e a comunidade para formar a biblioteca da escola é importante, porque, segundo Moraes, Valadares e Amorim (2014, p. 5-38), se transforma num espaço de aprendizagem, de busca de fontes e de uso de informações.

De acordo com Zilberman (2016), as alterações no sistema educacional brasileiro na década de 1970 é que possibilitaram uma nova abertura para a leitura na escola e estimularam o mercado editorial, principalmente em relação às produções infantojuvenis.

A década de 1970 testemunhou uma ampla reforma de ensino que tornou obrigatório o ensino fundamental, com a duração de oito anos. O analfabetismo, elevado ainda nessa época, comprometia o projeto modernizador do Estado, que autoritário, pôde impô-lo em todas as regiões do país. A indústria do livro, também ela em processo crescente de desnacionalização, foi mobilizada a responder à nova demanda, o que favoreceu sobremodo o segmento do livro escolar. (op. cit., p.234)

Segundo a autora, os governos tiveram uma grande influência no mercado editorial brasileiro no final do século XIX e XX, principalmente a partir da metade do século XX com a implementação de políticas públicas de aquisição de livros, o que torna o governo federal o principal comprador de livros no país. No entanto, Zilberman (2016) afirma que tais ações possuem dois lados. Um lado perverso, porque induz produções a seguir temas e faixas etárias, por exemplo; o outro positivo, por fortalecer a indústria editorial, a profissionalização de escritores e ilustradores.

Em relação à biblioteca escolar, Roca (2012) considera que o espaço é um recurso facilitador de ensino e aprendizagem, que deve ser explorada, no entanto os professores, que são os principais personagens a fomentar a aprendizagem, devem ser orientados sobre como utilizar a biblioteca e seus materiais. Desta forma, projetos, que partem da sala de aula, poderão ser colocados em prática, estabelecendo uma relação entre biblioteca e sala de aula.

Os educadores devem oportunizar aos alunos atividades com tempo e de forma planejada, assim como em ambientes apropriados, mas principalmente estabelecendo uma programação de atividades.

As oportunidades leitoras não apenas requerem espaços materiais, mas também, necessariamente, se desenvolvem graças a intervenções didáticas com conteúdos específicos e tempos marcados. Quando falamos no tempo de leitura nas escolas, estamos nos referindo ao tempo prescrito para esta tarefa – um tempo de leitura centrado na área de língua e literatura e um tempo de leitura centrado no restante das disciplinas. Todos esses elementos deverão ser integrados em um programa sistemático. (ROCA, 2012, p. 102)

Em relação ao desenvolvimento pelo gosto da leitura é que, muitas vezes, está atrelada à avaliação, assim lê-se para conquistar uma nota, isso quando não apenas recorrem a resumos on-line. E, para complicar a situação nesse sentido, a avaliação é apenas de localização no texto, deixando de lado questões mais interpretativas (sendo essa a principal característica que define os atuais analfabetos funcionais (CHARTIER, 2004), e dê sentido aos resultados obtidos por nosso país nessas provas internacionais como o PISA – Programme for International Student Assessment6).No PISA 2015, a nota do Brasil, na prova de Leitura, foi 407 (responderam ao questionário 23.141 alunos).

Se se entende que ler é interpretar, então podemos associar a leitura a outros níveis, já que interpretamos uma letra de música, um filme, uma obra de arte. O que é preciso definir

6Iniciativa de avaliação comparada, aplicada a estudantes na faixa dos 15 anos, idade em que se pressupõe o

término da escolaridade básica obrigatória na maioria dos países. O programa é desenvolvido e coordenado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), e compara o nível de desenvolvimento educacional em diferentes países, fazendo um ranqueamento.

nos documentos oficiais educacionais é o tipo de leitura que se quer trabalhar e o que desenvolver com os alunos, pois alguns documentos incluem o trabalho com a linguagem dos quadrinhos, caso dos PCN (1998) – Parâmetros Curriculares Nacionais, mas nos editais do PNBE, por exemplo, as HQs são vistas como literárias. Entendendo qual a definição de leitura que se deseja trabalhar na escola, talvez oriente melhor sobre como a desenvolver com textos multimodais.

E as adaptações em quadrinhos são vistas como uma estratégia para gerar o interesse pelo original. No entanto, não é obrigatório nem se pode exigir que isso ocorra. Entendemos, com base em Hattnher (2010), que, ao adaptar uma obra, seja em qual gênero for, a nova produção pode fazer com que se procure o original, visto que o texto que é tomado como base para uma adaptação é transformado em outros, que não podem ser considerados nem melhores nem piores, mas diferentes, desta forma, deixa-se de se ter um texto e passa-se a ter muitos textos.

Em relação a transformações dos gêneros, tem sido muito debatido sobre os quadrinhos (será mais bem explorada tal questão no próximo capítulo), porém não vemos nada a respeito dos filmes. Dificilmente se vê alguém assistir a um filme e depois ser questionado ou obrigado a ler a obra. E, no PNBE, o número de obras de adaptações em HQs compradas representa quase 45% dentre as adquiridas pelo governo, o que evidencia o entendimento governamental de que o material serve como apoio a outras leituras, e não como independente.

A grande questão para os quadrinhos, que, embora estejam no currículo de Língua Portuguesa, é a forma como sãoexplorados, pois muitas vezes são usados apenas para atividades gramaticais como apontado por Silva (2016), desconsiderando a estrutura dos quadrinhos e interpretação textual. Essa confusão pode estar atrelada à formação dos educadores, já que o ensino de gêneros é essencial no desenvolvimentoda leituraem sala de aula, como apontado por Mendonça (2013).

Contudo, esse trabalho tem sido questionado.Rodrigues (2014), por exemplo, contesta o uso dos gêneros nas aulas de Língua Portuguesa, considerando que eles sempre estiveram presentes no ensino, mas o uso sempre esteve atrelado à estrutura textual e localização de definições gramaticais.

que o ensino que visa apenas à correção gramatical e à mera observância da estabilidade relativa, que caracteriza a estrutura dos gêneros, seja desaconselhável por estar sempre ancorado numa concepção de língua que não garante a leitura crítica e ativa dos textos pelos alunos.

Visto dessa forma, o conhecimento por parte dos docentes de língua das questões relativas à funcionalidade dos gêneros, bem como sobre a intertextualidade intergêneros e heterogeneidade tipológica, entre outros tópicos, poderá servir para afiançar a nossa tese de que, para trabalhar com a mediação de leitura de textos, devem os docentes renovar seus conhecimentos. (p. 209)

Ramos e Silva (2016) apontam que os quadrinhos entram nessa problemática. Estão na escola seguindo as orientações dos PCN (1998), mas ainda ligados à gramática, e não um trabalho em que possa também se voltar às normas gramaticas e à interpretação textual.

Em relação ao trabalho com os gêneros e o desenvolvimento da leitura em sala de aula, consideramos ser necessário trabalhar o conceito de multimodalidade em relação às HQs, pois, segundo Rojo (2012), nessa linha de pesquisa estão os gêneros que em sua constituição têm mais de uma linguagem e por isso o leitor precisa ser letrado em pelo menos duas linguagens para gerar compreensão.

De acordo com Ramos (2009), os quadrinhos têm muitas particularidades e produções que ao mesmo tempo são próximas e distintas, fazendo com que sejam definidos diferentes gêneros, por exemplo tira cômica, quadrinho infantil, autobiografia, super-herói etc., e todos sãoconsiderados quadrinhos, por essa razão o pesquisador utiliza o termo, baseado em Maingueneau (2009), hipergênero (será debatido no capítulo 3).

Com isso, os quadrinhos são um bom exemplo de leitura, que pode ser considerada mais atrativa aos alunos, por conter imagens, contudo sem esquecer que é preciso trabalhar sua linguagem, pois são uma leitura mais complexa. O leitor de quadrinhos precisa acionar uma série de elementos para gerar compreensão, principalmente tratando-se produções híbridas.

É por este motivo que Vergueiro (2010b) defende que os quadrinhos estejam no ambiente escolar e que os educadores se alfabetizem na linguagem dos quadrinhos. Destemodo, poderão desenvolver um melhor trabalho em sala de aula, já que o hipergênero é cada vez mais presente na educação.

Dentro dessa concepção de gêneros multimodais, as HQs possibilitam o desenvolvimento de atividades de leitura com todos os níveis educacionais, adequando o vocabulário e temática para cada idade, assim como atividades para alunos que precisem de alguma adaptação curricular de nível linguístico.