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Do acesso ao Ensino Fundamental

No documento rafaelareisazevwdodeoliveira (páginas 111-115)

3. A EXIGIBILIDADE DO DIREITO À EDUCAÇÃO EM JUIZ DE FORA:

3.1 Juiz de Fora: breve descrição da cidade

3.2.2 Do acesso ao Ensino Fundamental

As notícias analisadas sobre o acesso ao Ensino Fundamental em Juiz de Fora apresentam questões que extrapolam o limite da categoria “Acesso” e, em muitos momentos, fazem uma interseção com outras categorias, como “Permanência” e “Qualidade”. Buscou-se selecionar para esta subseção apenas problemas relacionados especificamente ao Acesso, mas será possível observar que essa seleção, por vezes, torna-se frágil, o que será confirmado também no tratamento das categorias “Permanência” e “Qualidade”.

Os maiores problemas percebidos em relação ao acesso ao Ensino Fundamental nos anos pesquisados estiveram relacionados, sobretudo, à superlotação de salas de aulas –

que faz interseção com o problema da qualidade do ensino. Pelo menos três reportagens afirmaram que escolas estavam trabalhando em diversos turnos para atender à demanda de alunos nesse nível de ensino. Um caso extremo aconteceu em uma escola da rede municipal que estava trabalhando com nove turnos25. Essa questão é interessante, pois, apesar de as reportagens denunciarem algo que acontecia antes da implementação do Fundef no município, a rede física não foi expressivamente ampliada em Juiz de Fora; na verdade, verificou-se uma oscilação no número de escolas da rede. De acordo com Ribeiro (2010), as razões para tal fato são as nucleações de escolas, sobretudo as rurais, bem como a falta de critério para contagem dessas escolas. Em 1997, por exemplo, a rede contava com 134 escolas, mas no ano de 2008, já terminada a vigência do Fundef, o número era 125.

No que se refere à falta de vagas, algumas reportagens apontaram o déficit, justificando que a Secretaria Municipal de Educação não atendia a totalidade demanda, pois o município precisava atender à demanda oriunda do estado (que não estaria mais oferecendo novas vagas no Ensino Fundamental)26. De acordo com os dados do IBGE/MEC, em Juiz de Fora, no ano de 1998, havia 3.674 alunos entre 7 e 14 anos (5,5% da idade de ensino obrigatório) fora das escolas27. Já segundo denúncia feita pelos Conselhos Tutelares, somente no primeiro semestre, o número de crianças fora da escola na fase obrigatória chegaria a 29828.

Em entrevista para o presente trabalho, a ex-secretária municipal de educação, atuante no período referido, afirmou que havia vaga no ensino fundamental da rede municipal de Juiz de Fora, e que os casos de alunos não matriculados eram casos em que a criança ou o adolescente não havia sido localizado (Ex-Secretaria de Educação, entrevista realizada em 20 de setembro de 2010).

Também puderam ser identificados, nas reportagens, problemas de falta de vagas para o Ensino Fundamental na rede estadual de ensino. Por exemplo, quatro reportagens do ano de 2005, que estiveram interligadas, tornaram-se interessante material de análise, pois demonstram como a mídia pode funcionar como fator impulsionador da ação da Promotoria da Infância e Juventude, na medida em que torna público um problema. A sequência de reportagens iniciou-se com a denúncia de falta de vagas feita pelos Conselhos Tutelares da cidade, seguiu com a atuação da Promotoria um dia após a denúncia feita ao jornal e, por fim,

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SMBMMM – Tribuna de Minas – 22/05/1997, p. 1. 26

SMBMMM – Tribuna de Minas – 10/01/1998, caderno cidade, p. 1. 27

SMBMMM – Tribuna de Minas – 07/02/1998, caderno cidade, p. 1. 28

trouxe a defesa dos acusados e alguns novos dados dos Conselhos Tutelares. Para ilustrar o caso, foram trazidas algumas falas dos atores envolvidos ao longo das reportagens.

A denúncia feita pelos Conselhos Tutelares apontava que 17 meninos e meninas estariam fora do ensino obrigatório no município e que entre os desassistidos estariam crianças portadoras de necessidades especiais e vítimas de violência. Os Conselheiros encaminharam a denúncia para a 18ª Superintendência Regional de Ensino (SRE), mas não houve resposta da direção mesmo três meses após a denúncia. Em entrevista, uma Conselheira dizia que

Os pais chegam ao conselho tutelar dizendo que a propaganda na televisão ressalta que lugar da criança é na escola, mas a realidade que vêem não é essa. A sensação que temos é de que a nossa luta pelo direito das crianças é em vão. Não encontramos saída para situações como essa (CR, entrevista realizada em 06 de setembro de 2010).

Para a SRE, a denúncia teria sido uma surpresa, pois, segundo eles, o máximo que ocorria era o responsável não conseguir vaga nas escolas dos bairros dos alunos. De todo modo, a reportagem alertava que a falta de transporte público gratuito também impede que as crianças frequentem escolas em bairros distantes de suas casas. O transporte público estava sendo ofertado somente para os alunos das escolas municipais e não das estaduais29.

Dando continuidade à sequência de reportagens, tem-se o relato da atuação do Ministério Público em relação ao caso. Como já observado, a primeira providência ocorreu um dia após a denúncia ter sido feita aos jornais. A notícia fala da instauração de processo administrativo do Ministério Público para apurar a denúncia do Conselho Tutelar sobre a exclusão de alunos do Ensino Fundamental. O ex-Promotor da Infância e Juventude considerou a situação grave. Falando ao jornal, na ocasião, afirmou:

Vamos ouvir todas as partes envolvidas e, se não houver solução, será impetrado mandado de segurança. [...] Os alunos não podem ficar fora da escola sob nenhuma hipótese. [...] Já houve casos em que foi preciso utilizar ação policial, mas não podemos aceitar isso. Desde 1998, há uma parceria entre a Secretaria de Estado da Educação (SEE) e a Corregedoria de Justiça, para garantir a inclusão de estudantes. Não entendo o que está acontecendo e eu vou cobrar o cumprimento do acordo (TRIBUNA DE MINAS, 16 de abril de 2005, p.3).

Na reportagem, ex-Promotor lembrou ainda que, em 2002, o Ministério Público já havia apurado 1.200 crianças e adolescentes fora das escolas em Juiz de Fora. Segundo ele:

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“Desde essa época, começamos um forte trabalho de inclusão. Há pais que ainda estão respondendo a processo por negligência. Precisamos restabelecer o direito fundamental dos meninos de ter acesso ao ensino”.30

No caso em questão, foi possível identificar falhas de comunicação entre Promotoria, SRE e Conselhos Tutelares, pois, segundo representante da SRE, havia sido repassada para a promotoria a situação de cada aluno e, ao que tudo indicava, a Promotoria não teria repassado as informações para os Conselhos Tutelares. Em declaração, esse representante afirmava:

Entendo que não há falta de vaga. A questão está no fato de as pessoas escolherem a escola que querem estudar. O aluno, às vezes, pede vaga no Centro e depois não agüenta pagar o transporte, daí a pouco, está evadindo. Por isso, a gente fala que a escola deve ser próxima ao bairro dele, para que não haja desistência. O Estado é bem claro: é obrigado a dar a vaga, mas não é no local escolhido pela pessoa.31

Essas notícias retratam, de modo geral, as principais demandas por acesso ao Ensino Fundamental ao longo dos anos pesquisados em Juiz de Fora. Como foi possível identificar, os Conselhos Tutelares por vezes tornaram o problema público, na medida em que faziam a denúncia nos jornais. Em alguns casos, a denúncia repercutiu a ponto de o Ministério Público tomar ciência e atuar na causa. Infelizmente, os resultados dessas ações tornam-se obscuros, haja vista não ter sido possível realizar a entrevista com o ex-promotor da Infância e Juventude, nem mesmo ter tido acesso aos documentos da Promotoria. Logo, não foi possível saber se algum problema nessa ordem foi levado à Justiça ou resolvido apenas no âmbito extrajudicial. Para o poder público, tanto municipal quanto estadual, a vaga existia, ainda que não fosse na instituição escolhida pelos pais dos alunos. Além disso, segundo seus representantes, somente alunos não identificados é que estariam fora das salas de aula.

Por fim, cabe comentar a questão da comunicação entre Conselhos Tutelares, Secretarias Municipal e Estadual de Ensino e Promotoria da Infância e Juventude. Sem exceção, em todas as entrevistas realizadas com os Conselheiros Tutelares, ouviu-se que não há, por parte da Promotoria, qualquer retorno sobre os casos encaminhados, e o mesmo ocorre com a 18ª Superintendência Regional de Ensino. Em contrapartida, houve também a indicação, por parte do promotor, de que o Ministério Público não vinha recebendo uma cópia dos requerimentos encaminhados para a Vara da Infância e Juventude e que, por muitas vezes,

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SMBMMM – Tribuna de Minas – 16/04/2005 caderno geral, p. 3. 31

os Conselhos não comunicavam à Instituição os problemas identificados, tal como determina o ECA, partindo, ao invés disso, diretamente para a mídia.

Afonso Armando Kozen (2000) afirma que a garantia do direito à educação escolar prevê a integração de diversos atores, nesse sentido:

Na falta ou falha de um, deve agir o outro. Em auxílio ao esforço de um, deve atuar o outro. Entretanto, não há como visualizar sucesso na atuação desses atores sem a atuação integrada e parceira, especialmente entre os dirigentes do sistema e da instituição escolar e os agentes tutelares (KOZEN, 2000, p. 28).

Diante do exposto, pode-se dizer que no município de Juiz de Fora esta parceria, embora exista, precisa de ajustes a fim de que não apenas o Ministério Público reafirme os Conselhos Tutelares como Instituição, mas também os próprios Conselhos cumpram com as determinações presentes no ECA, no que tange às comunicações ao Ministério Público sobre as violações de direitos da Infância e Juventude.

No documento rafaelareisazevwdodeoliveira (páginas 111-115)