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Da qualidade

No documento rafaelareisazevwdodeoliveira (páginas 119-121)

3. A EXIGIBILIDADE DO DIREITO À EDUCAÇÃO EM JUIZ DE FORA:

3.1 Juiz de Fora: breve descrição da cidade

3.2.4 Da qualidade

A qualidade do ensino tem sido muito pouco questionada na Justiça ou mesmo no Ministério Público, fato que pode ser observado, inclusive, no percentual de notícias encontradas ao longo desses 14 anos pesquisados, cerca de 7%. De acordo com Marcelo Furtado (2009, p. 171), a preocupação com a qualidade na educação surge num contexto de acontecimentos políticos e econômicos no âmbito internacional na década de 1980, destacando, desse modo, o papel da globalização, o quadro de competitividade entre as nações que entendem que a educação é o elemento diferencial nessa concorrência, bem como o desenvolvimento socioeconômico dos países, entre outros aspectos.

Para Oliveira e Araújo (2005), a qualidade do ensino tem sido determinada por três fatores. O primeiro deles seria a oferta insuficiente, considerando que por muitos anos no Brasil o acesso à escola era assegurado somente a uma pequena parcela da população e a qualidade passou a ser pensada somente quando, com a incorporação de novas pessoas, de diferentes classes e culturas, ocorreu a necessidade de construção de novos prédios e de obtenção de mais materiais escolares, bem como a contratação de mais professores. Como segundo fator, os autores citam as disfunções no fluxo ao longo do Ensino Fundamental, considerando que as diferenças culturais, trazidas com os novos usuários da escola pública de acesso democrático, dificultaram a progressão desses no processo de ensino. Finalmente, o terceiro fator seria as generalizações de testes padronizados de avaliação, tais Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), Exame Nacional de Ensino Médio (ENEM) e Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE). Observa-se, de modo geral, que apenas recentemente, e de modo ainda brando, a qualidade de ensino tornou-se uma nova dimensão da luta pelo direito à educação.

Quanto às notícias analisadas, destacam-se três. A primeira é referente à rede elétrica de uma escola da rede estadual de ensino que, conforme denúncia feita ao Poder Judiciário pelo Presidente da Associação de Defesa da Criança e do Adolescente estaria colocando em risco a vida dos alunos. Segundo a diretora da escola, a prefeitura já havia sido notificada, porém alegou que a responsabilidade do imóvel seria do proprietário. Diante da denúncia, a Justiça deu prazo de 15 dias para o início das reformas sob pena de intervenção38. Dado o prazo, a Superintendente de Ensino viajou para a capital do Estado a fim reivindicar a verba para a reforma da escola, que estaria orçada em 42 mil reais.

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A segunda reportagem denunciava a falta de docentes titulares, o excesso de substituições e, ainda, um problema na rede física de um colégio da rede estadual de ensino. O interessante a observar é que a reivindicação pela qualidade do ensino partiu de um pai de aluno. De acordo com a notícia, o pai em questão já havia feito diversas denúncias na Ouvidoria da Educação alertando sobre a invasão de água nas salas de aula em períodos chuvosos, as goteiras dos telhados e os computadores que, embora existissem na escola, não funcionavam. O pai, após tantas reclamações e nenhuma resposta, optou por trocar um filho da escola e, na época da reportagem, aguardava vaga para o outro, concluindo que, caso a situação na escola viesse a ser resolvida, não seria mais para os filhos dele.39

Por fim, a última reportagem tratava da atuação de uma Conselheira Tutelar que, diante de um problema identificado numa escola da rede estadual de ensino que poria em risco a vida dos alunos (entulhos de obras espalhados no pátio da escola e com livre acesso aos alunos), deu o prazo de oito dias para que escola apresentasse as devidas melhoras, ameaçando acionar o Ministério Público, caso a situação não fosse resolvida no prazo estipulado.40

Nos casos apontados acima é possível perceber que a qualidade da educação trouxe à tona, mais uma vez, a atuação do Conselho Tutelar, bem como a de outro conselho, o Conselho Municipal de Defesa da Criança e do Adolescente. E, assim como foi possível identificar pais reivindicando a permanência dos filhos nas escolas (exigindo o término da greve dos professores), foi também possível identificar aqui um pai exigindo providências que implicassem em melhorias na escola em que seus filhos estudavam. Nas situações analisadas, identificam-se tanto casos em que a Justiça foi acionada quanto casos em que houve a ameaça de se recorrer ao Ministério Público. Quanto à estrutura da rede elétrica da escola da primeira notícia, sabe-se que a escola passou pelas devidas reformas. Quanto à segunda reportagem, infelizmente não foi possível identificar os resultados. Por fim, o resultado da última reportagem foi conhecido através de entrevista com a Conselheira Tutelar envolvida no caso. Segundo ela, as providências foram imediatamente tomadas.

Retomando a discussão sobre a exigibilidade judicial da qualidade da educação, Erik Arnesen (2009) destaca que, ao se buscar uma definição jurídica desta qualidade, podem ser considerados elementos como: estrutura física dos prédios escolares, currículo, formação de professores e, entre outros, material de ensino. Porém ele ressalva que, pensando tais elementos como prestações do Estado, é necessário buscar um equilíbrio entre a liberdade e

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SMBMMM – Tribuna de Minas – 08/04/2010 caderno geral, p. 3. 40

responsabilidade dos administradores dos sistemas de ensino, tais como escolas e universidades, e o papel de direção do governo. Tomando os estudos de De Groof, Arnesen afirma ainda que, tomar a qualidade do ensino como algo que o aluno tenha direito e, logo, com possibilidade de ser exigido judicialmente, refere-se à intervenção do Estado no processo educacional. Desse modo,

O dever do Estado em relação a essa dimensão do direito à educação avalia- se (e se efetiva) quanto à qualidade de sua intervenção no processo educacional. Nesse sentido, afirma, a qualidade da intervenção estatal é melhor avaliada em função dos esforços que faz para promover qualidade nas instituições de ensino. Essa ideia, qual seja, a de que o dever do Estado quanto à qualidade avalia-se do ponto de vista de sua obrigação de garantir um processo educacional confiável e livre de defeitos, é extremamente interessante para a pretensão de efetivação jurisdicional dessa dimensão do direito à educação (ARNESEN, 2009, p. 161).

Por fim, o autor destaca a necessidade de que se faça uma distinção entre educação de qualidade para fins de políticas públicas e educação de qualidade definida como objeto de proteção jurídica, mostrando, ainda, que medidas como: construção de escolas, eliminação de barreiras de acesso à escola, opção por ciclos ou promoção automática, entre outros, não são inerentes à qualidade de ensino, mas, antes, relacionam-se com diferentes dimensões do direito à educação.

No anexo B, estão disponibilizadas todas as 88 reportagens, bem como a categorização aqui empregada.

No documento rafaelareisazevwdodeoliveira (páginas 119-121)