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O ACHAR NAS AMOSTRAS DE FALA MINEIRA

No documento alicequeirozfrascarolli (páginas 70-78)

4 ANÁLISE DE DADOS

4.1 O ACHAR NAS AMOSTRAS DE FALA MINEIRA

Achar 1: [SN achar SN]:

Neste caso o verbo tem sua função plena. Achar 1 se comporta como núcleo da predicação. De acordo com a teoria de Borba (1990) aqui adotada ele seria um verbo de ação ou de processo.

No caso do verbo de ação, há a seleção obrigatória de dois argumentos. É necessária a existência de um sujeito, chamado de argumento externo. Ele funcionará como o agente. O sujeito não necessariamente precisa ser realizado foneticamente, porém ele precisa ser [+ animado] e [+ humano] / [+ humanizado]. Isto ocorre, visto que é o sujeito quem tem o objetivo de descobrir, quem tem que exercer a atividade de procurar. O verbo também seleciona obrigatoriamente um argumento interno. Este complemento deve ter o traço [+ concreto], pois se trata de algo a ser descoberto pelo sujeito, é o objeto que está sendo procurado.

No exemplo:

(42) Eu já vi várias pessoas falá que tem uns lugar que (benzedô) manda...manda...cavucá que tem tesoro...muitas veiz cavuca chega lá num acha nada, né ô? (D. A. F.)

Aqui fica claro que o sujeito agente controla a ação que realiza, ou seja, a ação de procurar, no entanto o resultado desta atividade é algo sobre o qual não se tem nenhum

controle. Mesmo após “cavucar” num território indicado como tendo um tesouro, não há nenhuma descoberta.

Contudo, quando se trata deste uso do verbo, conforme Borba (1990), o sujeito passa a exercer um controle sobre a ação. O argumento externo é afetado, pois é beneficiário da posse de algo ou mesmo de um benefício. Temos a posse de alguma coisa transferida para a posse do sujeito. Este objeto a ser transferido é chamado de argumento interno, também exigido pelo verbo e com o traço [concreto]. O verbo consiste no acontecimento de encontrar, este ato pode ter ocorrido por acaso ou ser o resultado de uma procura.

(43) Vai roçar o pasto, vai fazê uma lavora, aí acha um cupim de abelha e ele num qué que ela fica ali (J. B. M.)

Neste exemplo, ao “roçar” o pasto, “fazer a lavoura”, alguém, mesmo sem ter o objetivo, pratica a ação de encontrar um cupim. O verbo achar seleciona como argumento interno “um cupim.

As duas análises, mesmo tendo tipos de sujeitos diferentes, acima serão englobadas em achar 1, já que tanto verbo de processo quanto de ação serão caracterizados como plenos. Como todos os verbos eles flexionam em número, pessoa, tempo, modo e podem ser colocados na voz passiva.

Achar 2: [[SN achar] [que S]] ou [SN achar SAdj]

Assim como achar 1, achar 2 seleciona obrigatoriamente dois argumentos, sendo um deles um sujeito que terá traço [+ humano]. É um verbo pleno performativo-modalizador. No entanto, o verbo seleciona como argumento interno um complemento [+ abstrato] que será, necessariamente, uma oração.

O que provavelmente ocorre é que o falante associa os aspectos concretos do item base e os transfere para usos menos concretos. Seria, então, um uso de conotação metafórica do achar 1 processo.

Vogt & Figueira (1989 apud Galvão, 1999) já atestaram que, no português do Brasil, existem dois tipos de achar que têm como complemento uma oração. Eles diferenciam “achar

palpite” (suposição) de “achar apreciação”. Ambos apontam para a modalidade da

Não abordaremos aqui as noções de posto e pressuposto ao contrário do que fez Galvão (1999) através da análise de Vogt & Figueira (1989). Chamaremos de achar 2

(apreciação) aquele usado pelo falante que tem alguma evidência direta ou indireta sobre o

assunto e achar 3 (palpite) aquele usado por falantes que não possuem evidência sobre aquele assunto, logo fazem apenas suposições.

Desta forma, levar-se-á em conta que só é possível fazer apreciação sobre determinado assunto se o falante possuir algum conhecimento sobre este ou tiver alguma experiência ou evidência, mesmo que sejam indiretas. No caso do sujeito não saber nada sobre aquilo que ele diz, a única possibilidade que se tem é fazer uma suposição, dar um palpite.

(44) INQ.- Ahan...a mãe do oro então a senhora já viu?

INF.- Eu acho qu’é ela porque é uma coisa enorme que eu vi. (D. A. F.)

No exemplo (44) fica claro que o falante apresenta um motivo para fazer tal afirmação. O sujeito atesta que “era ela” baseado-se em uma experiência direta, apegando-se, conforme descreve De Haan (2005), à evidência visual. O falante foi testemunha direta da ação, pois atestou o fato visualmente . Percebe-se que aqui a oração que complementa o verbo encontra-se desenvolvida.

Logo, para que se possa fazer uma apreciação o falante precisa ter um ponto de referência para fazer o julgamento. Achar 2 (apreciação) ainda está no nível da predicação, é considerado verbo performativo: encabeça um ato ilocucionário. Ele tem traços de modalizador, indica subjetividade. Neste uso o sujeito tem algum tipo de conhecimento sobre aquilo a que se refere para poder dar-lhe um predicativo, do contrário é possível fazer apenas uma suposição.

No entanto, há, também, a possibilidade de a oração que complementa o verbo em estudo vir reduzida. Quando isso acontece, o que e o verbo da oração completiva não aparecem de maneira explícita. Galvão (1999) utiliza-se do argumento de que este uso possui esta peculiaridade estrutural para classificá-lo como acha 2’. Ao contrário da autora, englobaremos o [SN achar 0 SAdj] sob a mesma classificação, que é achar 2, visto que adotaremos o critério de análise de que em ambos casos trata-se de uma apreciação feita por um falante, já que sua afirmação está baseada em algum tipo de experiência ou de evidência.

(45) muita gente é contra o::... os fogos, mais é uma coisa tradicional... uma coisa já vem de mu...muitas gerações o...o foguete...eh::...os donos de pousada acha muito ruim. (V. M.)

(46) Eu acho muito difícil se recuperá isso (V. M.)

(47) ficô muito bravo na hora, depois que’le sobe que a gente que tinha feito a brincadera ele até que num... num achô ruim não (V. M.)

No exemplos (45), (46) e (47) o verbo achar tem o comportamento de um verbo pleno, pois pode variar em número, pessoa, tempo e modo. Em (45) o sujeito do verbo é os donos de pousada – terceira pessoa do plural – e em (47) o sujeito é ele – terceira pessoa do singular.

Além disso o sujeito é afetado, um experienciador. O verbo de “processo” tem o sujeito com o traço [+ humano] e seleciona um argumento interno que não precisa vir realizado foneticamente, mas que tem um SAdj qualificando-o. Isto acontece no exemplo (46) em que o falante não menciona o que não “acha ruim”, pois tal informação – “a brincadeira” – é recuperável pela análise do contexto. O adjetivo funciona como predicativo da oração encaixada reduzida, mas o verbo de ligação e o “que” são suprimidos.

(45a) muita gente é contra o::... os fogos, mais é uma coisa tradicional... uma coisa já vem de mu...muitas gerações o...o foguete...eh::...os donos de pousada acha (que) (é) muito ruim.

(46a) Eu acho (que) (é) muito difícil se recuperá isso

(47a) ficô muito bravo na hora, depois que’le sobe que a gente que tinha feito a brincadera ele até que num... num achô (que) (é) ruim não

A estrutura descrita acima faz com que ocorra também a possibilidade de se inverter a posição mais recorrente do adjetivo e do SN, ou seja, pode ocorrer do adjetivo vir antes do SN que qualifica, conforme pode ser visualizado abaixo.

A diferença estrutural deste uso consolida um preceito da GR que atesta que as mudanças na língua não se dão de maneira abrupta. As modificações passam por estágios, atestando a teoria de Harris e Campebell (1995) da gradualidade das mudanças no processo de GR.

Achar 3 (palpite): [[SN achar] [que S]]

Este tipo de achar indica modalidade epistêmica, possibilidade. É um verbo modalizador epistêmico. Pode ser intercambiável com a expressão deve ser. Não há como se negar o enunciado do falante por se tratar de um palpite, não existir nenhuma experiência deste com o que atesta, ele não ter conhecimento da situação.

(48) É, aí... aí eu num sei... acho que enterrô nesse lugar sim, mais, (assim), eu num tenho muita certeza nisso não. (V. M.)

(49) as pessoas daqui sei lá...num tem esse custume de se harmonizá umas com as otras, então, eu acho que é isso que tá aconteceno (F. M.)

Nos exemplosa (48) e (49) fica explícito que o falante desconhece as situações sobre as quais dá um palpite. A expressão “num tenho muita certeza nisso não” deixa claro que a informação não é confiável, não existe experiência nem evidência suficiente para que se faça apreciação. Da mesma forma, a expressão “sei lá” indica que não é possível ter certeza sobre “o que está acontecendo”, é só um palpite descomprometido, baseado numa possibilidade. Este palpite, segundo De Haan (2005), indica que o falante não tem evidência direta sobre o que diz, pois ele sempre opta pelo nível mais alto na hierarquia da EV. Esta possibilidade pode ter sido tecida, de acordo com este mesmo autor, por evidências indiretas, reportadas ou inferidas.

Conforme Neves (1996), o uso do palpite no lugar da apreciação deve-se à intenção do falante em modalizar o ato de fala. A tentativa é de usar uma estratégia que deixe claro para o interlocutor que o desejo é de não se comprometer com o enunciado produzido, pretende-se obter um distanciamento com relação àquilo que está sendo dito devido ao fato de não se ter conhecimento suficiente.

Como o falante indica lingüísticamente que não tem certeza do que fala, ele não se compromete com a veracidade de sua enunciação. Através desta estratégia ele se protege de uma cobrança que pode partir do interlocutor sobre o grau de verdade da afirmação.

(50) Ah num...num sei não...acho que nesses jardim aí que enterrô, num sei ondé que é mais não. (D. A. F.)

O falante pode ter a intenção de sinalizar um desconhecimento do assunto, uma falta de experiência ou evidência sobre o que se fala ou ainda indicar que, mesmo que tenha tido experiência, não se lembra daquilo suficientemente para que a verdade de seu enunciado seja incontestável. No exemplo (50), o falante, ao usar a expressão “num sei ondé que é mais não”, demosntra que já teve um conhecimento sobre o que fala, mas já não é mais capaz de se lembrar com precisão.

A partir destas explicações classificamos achar 3 (palpite) como um verbo de atitude proposicional, aquele que é usado para explicitar a atitude do falante diante de sua proposição. Isso nos permite associar este verbo aos modais, pois estes podem ser verbos, advérbios, etc. Porém ainda tem a característica verbal de selecionar um argumento interno, sendo este uma oração. No exemplo (50) achar seleciona toda a oração “que nesses jardim aí que enterrô”. Portanto, podemos afirmar que se trata de um verbo modalizador, ou seja, tem a propriedade dos verbos de selecionar e tem também a propriedade dos modais de atenuar o grau de verdade da proposição

Muitas vezes é difícil distingüir achar 2 (apreciação) de achar 3 (palpite). A dificuldade é proveniente do fato de muitas vezes não estar explícito se o falante emite um enunciado baseado em algum conhecimento, tem autoridade para dar aquela opinião, ou se é uma suposição sem bases concretas.

Como achar 2 (apreciação) ainda está no nível da predicação, afirma-se que este apresenta-se menos gramaticalizado que achar 3 (palpite). Além disso achar 2 (apreciação) atesta maior grau de verdade acerca da enunciado que introduz, mas ainda não é totalmente modalizador. Achar 3 (palpite) é considerado mais gramaticalizado se considerarmos o fato de que seu caráter modalizador é mais acentuado, não é mais núcleo da predicação, não é verbo pleno, é um verbo modal.

Achar 4: [S] Achar

[S] Achar [S]

Achar 4 tem função modalizadora. Seu papel é indicar a incerteza do falante com

relação a seu enunciado. Este uso tem também outras propriedades específicas quando comparado aos outros. O verbo, neste contexto, encontra-se fora da estrutura da sentença, perdendo a característica dos verbos e aproximando-o do comportamento exercido pela classe dos advérbios.

Seu grau de GR é tanto que seu uso já está cristalizado na primeira pessoa do singular do presente do indicativo. Já não é mais possível flexioná-lo em número, pessoa, tempo e modo como ocorre com os verbos de uma maneira geral. Caso apareça com alguma flexão, seu sentido deixa de ser de dúvida e passa a ser de julgamento, impossibilitando a classificação deste verbo como achar 4 e transferindo-o para a categoria de achar 3 (palpite).

Como não tem mais as propriedades de um verbo, achar 4 não seleciona nenhum item como argumento interno como acontece nos outros contextos. Da mesma maneira que acontece com os advérbios, ele possui intensa mobilidade, pode ocupar diversas posições na sentença.

Encontramos ocorrências do verbo posposto à emissão da sentença (51), na posição medial (52) e na posição inicial (53).

(51) muito turista que vem, geralmente dos Estados Unidos, vem dessa área, eu acho (R. F.)

(52) Olha, tinha prova assim de conhecimentos gerais que eu acho tinha...tinha umas provas assim até direcionadas a Ibitipoca (R. F.)

(53) Eu acho se ele, se consegui ele num fô o prefeito (risos), né ? Ele vai ficá muito triste, que é uma, uma coisa que ele... (J. B. M.)

Acredita-se que, nos exemplos (51), (52) e (53) o falante optou pela utilização de

achar 4 para manifestar seu julgamento acerca da verdade da proposição. Ele deseja também

deixar claro que não se compromete com a verdade do dito, manifesta apenas uma possibilidade epistêmica. Nestes três exemplos fica notório que achar não seleciona argumento interno de nenhuma espécie. Isso permite atestar que achar 4 tem as mesmas funções que os advérbios modalizadores epistêmicos quase-assertivos, em conformidade com

as teorias de Castilho & Castilho (1996 apud Galvão, 1999), pois atestam o grau e a condição da verdade da proposição.

Os exemplos são base para considerar achar 4 como estando num grau mais avançado do processo de GR do que achar 3 (palpite). Isto ocorre, pois, aqui, achar não seleciona um argumento interno. Sua função é modalizar toda a oração que está anteposta a ele, atestar ao dito o valor de dúvida, incerteza.

Neste estágio o verbo também já perdeu o complementizador “que”. Esta perda acentua a independência do item dentro da oração, pois o “que” consiste numa marca de subordinação e serve para focalizar o elemento subordinado.

Castilho & Castilho investigam que a posição em que achar 4 mais ocorre – à direita da sentença – é a mesma posição em que provavelmente ocorre mais freqüentemente. Por isso, os autores afirmam que ele apresenta comportamento semelhante a provavelmente e

talvez. E, assim como esses modalizadores, achar 4 não tem mais o papel de núcleo da

oração.

Existe uma relação entre os tipos de achar. É notável que o verbo passa por vários estágios para se gramaticalizar. Heine (1993) coloca a unidirecionalidade como característica da GR. Na evolução deste verbo percebemos que este parte de um uso mais concreto, que chamamos de achar 1, em direção a um uso mais abstrato, que é o achar 4, e não faz o caminho inverso.

Além disso, também é unidirecional o caminho que o verbo percorre no sentido em que um verbo pleno passa a ter comportamento de um advérbio. Achar 1 tem comportamento de verbo pleno, possui todas as possibilidades de flexão e seleciona argumentos. Achar 2 ainda é núcleo de predicação, mas já tem função de conferir maior grau de certeza ao que é dito, pois baseia-se em experiência/evidência do falante. Achar 3 já não é mais núcleo de predicação, tem caráter mais modalizador, pois o falante não tem conhecimento sobre o dito, descomprometendo-se com a verdade da enunciação. Já achar 4 não possui mais característica de verbo, visto que não seleciona argumento interno e tem flexão cristalizada. Ele se move livremente pela sentença, funcionando como advérbio modalizador que marca incerteza dúvida e probabilidade.

Segundo o mesmo teórico, a GR é um processo que não ocorre de uma forma abrupta. O verbo em estudo, que inicialmente tem uso concreto, passa por alguns estágios –

achar 2 (apreciação) e achar 3 (palpite) – antes de ser usado em sua forma mais abstrata.

etapas gradativas o verbo deixa de apresentar características de verbo pleno e vai se decategorizando.

Como foi comentado na sessão de GR no capítulo de pressupostos teóricos, um item não necessariamente precisa deixar de ser usado em sua forma base para passar a ter usos mais gramaticalizados. Encontraram-se ocorrências de achar 1, achar 2, achar 3 e achar 4 em amostras de fala de um mesmo falante. Assim, os diferentes contextos de uso do verbo ocorrem simultaneamente. Isto permite que o item fonte possa passar por outro tipo de mudança, desencadeando um outro processo de GR que será paralelo a este que analisamos neste trabalho.

Caracterizados os tipos de contextos em que achar ocorre e suas propriedades, passaremos agora à mesma descrição do verbo parecer feita com base na pesquisa de Gonçalves (2003).

No documento alicequeirozfrascarolli (páginas 70-78)

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