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O PARECER NAS AMOSTRAS DE FALA MINEIRA

No documento alicequeirozfrascarolli (páginas 78-84)

4 ANÁLISE DE DADOS

4.2 O PARECER NAS AMOSTRAS DE FALA MINEIRA

Parecer 1:

Este uso de parecer é aquele em que o verbo é pleno, é núcleo da predicação. É baseado nele que se dá a organização frasal. É um verbo considerado de estado, ou seja, a entidade envolvida no estado de coisa não sofre alteração ou transição, portanto este estado de coisa é [- DINÂMICO]. Sua função é de apenas ligar o núcleo do sujeito ao núcleo do predicativo. Tem possibilidade de se flexionado em número, pessoa, tempo e modo assim como ocorre com os verbos de uma maneira geral.

Nesta estrutura, o sentido do verbo é de semelhança, uma entidade tem a aparência de outra, é uma avaliação que se baseia numa situação externa. Afirma-se que este uso é mais concreto baseado no fato de que o falante compara duas entidades. Para isso, o mesmo apela para sua capacidade de percepção, é assim que a avaliação é feita.

Após o falante comparar os traços de cada entidade, ele tem um embasamento para afirmar a semelhança entre as entidades. É por este motivo que o uso de parecer 1 tem como base uma evidência direta que é observável pelo falante. Logo, nós o caracterizaremos como um verbo de percepção visual, o julgamento do falante possui uma base concreta.

(54) tem várias orquídias, bromélias, é lindo o caminho, parece um jardim assim, uma coisa linda (R. F.)

Em (54), o verbo parecer tem seu uso mais concreto. “Caminho” é o argumento externo selecionado pelo verbo. Analisando seu papel temático, atestamos que este sujeito não é ativo nem causativo nem afetado. Trata-se de um sujeito inativo. O verbo apenas tem a função de ligá-lo ao predicativo “jardim”.

O falante, ao observar as “orquídeas”e “bromélias”, tem a percepção visual de um jardim. Para julgar o caminho parecido com um jardim, semelhante a algo deste tipo, ele tem uma evidência direta. A afirmativa é conclusão tirada a partir da observação de como é o “caminho”, relacionando-a à visualização que se tem de jardins.

Por ter todas estas características de verbo pleno, parecer 1 é tido como o item fonte para o desencadeamento do processo de GR

Parecer 2:

Parecer 2, ao contrário de parecer 1, não é responsável pela predicação verbal. É

considerado apenas suporte da predicação, é unicamente o mediador entre a propriedade que se deseja aplicar (predicador adjetival) e a entidade ou o termo que receberá esta propriedade. Dik (1989 apud Gonçalves, 2003) afirma que nesses caso o verbo é designado como suporte devido ao fato de designarem apenas as noções de tempo, modo e aspecto, as quais precisam de um termo verbal para se expressarem. Esta é a função da forma verbal, não a predicação.

Este uso de parecer encontra-se mais gramaticalizado que parecer1. O falante também faz uma avaliação de uma entidade e aplica a ela seu conhecimento de mundo. Assim o verbo expressa uma modalidade epistêmica objetiva, já que ele utiliza da probabilidade daquela entidade possuir aquela propriedade. No entanto, o verbo expressa também um significado descritivo. Isso é uma característica de verbos que, de fato, são núcleos de predicação.

Parecer com suporte de predicação é usado como uma estratégia para que o falante

se proteja. Mesmo que este tenha evidências diretas para fazer determinada afirmação, ele prefere modalizar sua fala com o objetivo de não se comprometer tanto com a certeza do que

fala, impossibilitando uma possível cobrança de seu interlocutor sobre a verdade do conteúdo de sua sentença.

Desta forma, dizemos que parecer 2 tanto sustenta marcas morfológicas de verbo – tempo, modo, aspecto, concordância – como também marca um possibilidade que é típica da modalidade epistêmica, já que esta possibilidade é fruto da avaliação do falante que baseia-se em evidências

No entanto, nenhuma ocorrência de parecer 2 foi encontrada nos dados de fala mineira.

Parecer 3:

Este uso de parecer é o que tem sido encontrado com maior freqüência. Isto é fruto da complexidade estrutural que ele permite. É chamado também de predicador encaixador de proposição. Por ser um predicado de atitude proposicional, parecer 3 apresenta o primeiro argumento que seleciona – argumento externo – na forma de um conteúdo proposicional.

O motivo de o falante escolher esta estrutura é o de demonstrar uma modalidade epistêmica evidencial. Novamente a intenção do falante é se resguardar quanto à cobrança de seu interlocutor com relação à verdade do que está sendo falado. Modaliza a força assertiva.

É necessário que o falante se proteja de uma possível cobrança do ouvinte em determinada situação por não possuir evidências diretas sobre o que afirma. A enunciação é baseada em evidências indiretas. O falante não teve experiência direta com aquela situação. É um comprometimento mais fraco com relação ao conteúdo proposicional do que o que é asseverado por parecer 2.

O verbo parecer 2 que subcategoriza uma propriedade, agora seleciona toda uma oração, dando a ela uma maior certeza da incerteza do falante sobre seu conteúdo. A fonte da verdade agora é apenas o falante, não se tem mais a observação de possibilidades baseadas em conhecimento prévio.

(55) INQ.- Mais por aqui na região aqui de Ibitipoca tem muito muro que é de escravo, num tem?

INF.- É, é de escravo...isso tem.

INQ.- Parece que passa um muro perto da mata ali em cima, num é?...aquele muro é de escravo, não?

INF.- Ali em cima? INQ.- É.

INF.- É...ali tem um muro qu’ês feiz...que eles fi...feiz assim de piso de pedra...em veiz de fazê cerca de arame...aí ês fizero divisa...assim (inint) as coisa tudo difícil, né ô? (D. A. F.)

Na fala acima, ocorre o uso de parecer 3. O verbo seleciona como argumento externo toda a oração “passa um muro perto da mata ali em cima”. Nestes casos já não é comum encontrar o verbo flexionado em outras formas que não seja a terceira pessoa do singular do presente do indicativo.

O inquiridor pretende deixar claro sua dúvida, sua incerteza sobre o fato de o muro passar perto da mata. Ele não tem evidências diretas para fazer tal afirmação, por isso precisa modalizar o conteúdo assertivo. Desta forma nenhum ouvinte pode exigir do falante que tal afirmação seja verdadeira.

Agora, a oração que é chamada de encaixada passa a possuir o conteúdo mais inportante da enunciação e a que é chamada de oração principal, neste caso constituída de

parecer, tem a função de modalizar o conteúdo assertivo da oração encaixada, ou seja, a

oração principal está se dessentencializando.

Percebe-se que, ao fim de sua enunciação, o falante faz uma pergunta. A sentença “num é?” marca a insegurança, a dúvida dele sobre o assunto sobre o qual se fala porque não se tem observações sobre o objeto. Esta setença não funciona apenas como um marcador discursivo, o qual serviria apenas para que o informante confirmasse a afirmativa do inquiridor. Com ela o inquiridor pretende mesmo saber se o informante sabe sobre esse muro, esperando uma resposta positiva ou negativa deste. Se houvesse evidências visuais por parte do inquiridor sobre o lugar em que está o muro, com certeza ele não optaria por esta estrutura.

(56) INQ.- Ahn...senhora prefere na panela ou na otra? INF.- Gos...gosto mais da panela.

INQ.- Por que o otro é difícil de dá o ponto?

INF.- É...parece que fica um café com gosto de fumaça...esquisito.

INQ.- Mais esse aí que era pra ficá porque esse aí é que fica aberto...o otro fica fechadinho. (D. A. F.)

Neste caso parecer seleciona como argumento a proposição fica um café com gosto

de fumaça...esquisito. Nesse exemplo o falante usa o verbo em questão de forma avaliativa e

sem se comprometer com a verdade do que fala. Pode ser que ele não queira garantir que o gosto do café será de fumaça se for feito de outra forma, que não na panela, porque outra pessoa pode não ter a mesma percepção. Dessa forma ele acaba modalizando esta afirmação.

Assim, parece 3 marca maior grau de dúvida com relação ao dito. É fruto de uma evidência indireta, pois o falante não experienciou a situação sobre a qual fala ou não tem certeza abasoluta sobre o que fala, pois sua idéia pode ser contrariada por uma outra pessoa qualquer.

Parecer 4 e Parecer 5:

Estes dois usos de parecer apresentam comportamento de satélite atitudinal. Porém parecer 4 é considerado um quase satélite porque ocorre sempre na posição medial e causa uma ruptura na estrutura da sentença. Ele introduz oração, mas apenas modaliza um constituinte da oração. A dúvida não é sobre toda a oração, mas sobre apenas uma parte dela.

(57) Porque que é separado homem de mulher?...parece que lá em Lima Duarte é tudo junto. (D. A. F.)

O exemplo (57) traz o verbo parecer que introduzindo a sentença “lá em Lima Duarte é tudo junto”. Porém a dúvida do falante não é sobre toda esta oração, é apenas sobre o lugar em que é tudo junto, ou seja, a incerteza é sobre o SN “Lima Duarte”. Só não tem informações suficientes sobre a localidade.

Já parecer 5 funciona como um advérbio: pode ocorrer em qualquer posição da sentença e não é mais acompanhado pelo complementizador “que”. O verbo não traz mais o complementizador atrelado a si, pois o parecer 4 passa por uma reanálise em que o verbo passa a funcionar como satélite em qualquer parte da oração. Mas, assim como parecer 4, o que o falante pretende é explicitar o grau máximo de incerteza sobre o que se diz. A diferença é que a dúvida não mais recai apenas sobre parte da oração, mas sobre toda ela. Novamente não se tem uma fonte segura à qual se pode apegar para fazer determinada afirmativas.

(58) INF.- Na época fazia aquelas barracas, né? quando fazia festa lá de cima e tal e::...tinha muitas barracas, a comunidade fazia as barracas...pessoas da comunidade eram

contratadas pra fazê as barracas pra sê alugada, sê explorada, né? pela igreja naquela época... pra fazê as festas...e é uma festa que eu cheguei ir, uma vez, me parece, foi a missa uma ou duas vezes, lá em cima...lá nos anos cinqüenta (W. M.)

(59) tanto é que o governador visitou Ibitipoca no carnaval foi de dois mil, né?

parece carnaval de dois mil...e aí sugiu o plano diretor (W. M.)

(60) inclusive aquele professor da João Pinhero que esteve aqui, o...PIN, me parece, um espanhol...falô “a tendência de vocês é o turismo ecológico, é uma coisa assim, bem suave eh::... é uma música lenta, baixa e um forrosim de Ibitipoca, aquela música tradicional” (W. M.)

O verbo parecer no exemplo (58) encontra-se em posição final e modaliza toda a oração anterior “e é uma festa que eu cheguei a ir, uma vez,”. Ele pode ocupar essa posição devido a sua independência sintática, mas marca uma dúvida com relação a tudo que foi dito anteriormente. É um caso em que o falante não quer se comprometer com a verdade do dito por não ter evidências ou experiências diretas. Precisa, por isso, modalizar o conteúdo.

Em (59) parecer encontra-se em posição anteposta ao elemento modalizado, e modaliza a expressão “carnaval de dois mil”, mostrando que a dúvida do falante é em relação à data em que a visita do governador ocorreu. Tem-se a impressão de que, por a visita do governador ocorrer no passado, o falante não tem mais condições de se apoiar nesta lembrança distante para fazer determinada afirmação.

Em (60) parecer encontra-se em posição medial, em sua forma pronominal e funciona como um modalizador. Com ele o falante deixa claro sua incerteza, ele não sabe se o nome do espanhol, professor da João Pinheiro que deu adica sobre a música é mesmo aquele.

É visível que este é um caso máximo da GR de parecer. O verbo se apresenta completamente independente sintáticamente, não cabe na sintaxe da oração. Ele está decategorizado. Não tem mais a função de um verbo que é ser núcleo de predicação, selecionando argumentos.

Este tipo de parecer pode se manifestar em diversas posições da oração, inclusive posposto à sentença, que consiste na posição em que os advérbios aparecem de maneira mais freqüente. Por isso e por não apresentar mais características verbais – seu uso está cristalizado na terceira pessoa do singular do presente do indicativo, impedindo flexões e não é núcleo de predicação – que parecer 5 está no grau máximo do processo de GR deste verbo.

No documento alicequeirozfrascarolli (páginas 78-84)

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