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3 CULTIVANDO A UNIDADE SER HUMANO-COSMO: UMA PROPOSTA DE SUPERAÇÃO

4 INTEGRANDO O ASPECTO TRANSCENDENTE À FORMAÇÃO DE PROFESSORES: A PROPOSTA NA PRÁTICA

4.3 CURSO DE EXTENSÃO: “LABORATÓRIO EM COSMOEDUCAÇÃO”

4.3.13 Ache a lua no céu

Esta atividade é sugerida, como tarefa para casa, no primeiro dia de aula, para ser cobrada na segunda aula, e tem o objetivo de que a pessoa retome o contato com as coisas do céu. Este exercício inicial consiste em achar a lua no céu, desfrutar dessa visão sem expectativas, nem pressa, nem pensamentos dispersivos em paralelo, e, em seguida, imaginar- se um habitante nativo do Brasil de 500 anos atrás; e, ao final, escrever um relato sobre essa vivência pessoal para compartilhar com os colegas.

Por que começar o contato com as coisas do céu através da lua? Por ser este astro mais familiar? Por estar mais próximo da terra? Por ser dos mais notáveis à noite? Por sofrer mudanças que exemplificam os ciclos e ritmos cósmicos? Todas as questões acima podem justificar o fato de eleger a lua como foco de nosso olhar para o céu, em particular como foco inicial de um exercício de re-contato com as coisas do céu. Contudo, talvez o motivo mais

significativo esteja na correspondência analógica entre nós, humanos, e a lua, especialmente por esta apresentar um ciclo de nascimento, esplendor e morte a cada mês.

O fato de esse astro ressurgir no céu, reiniciando um novo ciclo mensalmente, inspira no ser humano a esperança da vida após a morte e estimula o gosto por dimensões desconhecidas da psique humana. É nestes termos que o historiador das religiões Mircea Eliade nos ensina sobre a relação ancestral que vem sendo tecida e enriquecida entre esse astro e nós, dos pontos de vista simbólico e psicológico. No texto didático “A lua e a Mística Lunar” (JAFELICE 2001b, a partir de excertos de Tratado de História das Religiões, de M. Eliade, São Paulo: Martins Fontes, 1993), essa questão é evidenciada na seguinte citação:

O homem reconheceu-se na “vida” da lua, não somente porque sua própria vida tinha um fim, como a de todos os organismos, mas sobretudo porque ela tornava válidas, graças à “lua nova”, a sua sede de regeneração, as suas esperanças de renascimento. (ELIADE, 1993 apud JAFELICE, 2001b, p. 2)

Diante dessa relação tão significativa entre a lua e nós, humanos, a lua pode ser um valioso elo entre nós e as coisas do céu. A exemplo disso, segue um relato feito por uma aluna do curso, durante a última aula:

A experiência mais importante que vivenciei foi as observações feitas com a lua. Com ela tirei dúvidas e compreendi que a lua caminha, transforma-se, ilumina, orienta e modifica alguns momentos da vida dos seres que habitam o universo.

Uma segunda etapa desta tarefa é entrevistar pessoas do nosso convívio, perguntando- lhes qual a sua relação com a lua; qual sua relação com a estrela d’alva; e ainda, para que servem as estrelas. Estas questões têm o objetivo de trazer à tona reflexões, informações e conscientizações sobre a relação do ser humano com as coisas do céu.

No geral, se constata com este exercício o quanto a maioria das pessoas está distante das coisas do céu e, para muitas delas, o quanto essas questões são do domínio do absurdo, causando, em alguns casos, inclusive constrangimento para o próprio entrevistador. Por outro lado, em um extremo oposto, algumas poucas respostas podem nos surpreender como este tipo de conhecimento ainda está presente na vida de algumas pessoas. Como, por exemplo, nos relatos de um senhor, de aproximadamente 75 anos de idade, entrevistado por uma das alunas:

A estrela D’alva é uma estrela grande e muito bonita. Ela passa seis meses nascendo no norte e seis meses nascendo no sul. Ela aparece antes do sol se pôr ou antes do sol nascer. Quando o sol nasce ela está bem mais alta que o sol.

A lua minguante não é boa para o nascimento das aves e animais, pois não há força; a lua crescente é a lua do nascimento, é muito boa; a lua nova e a cheia é lua de muita força.

As informações dadas pelo senhor entrevistado, quanto à estrela d’alva, são claramente frutos da vivência de observação sistemática das coisas do céu, mesmo que elas não correspondam aos ciclos astronômicos precisos de Vênus, conforme se conhece cientificamente. Notemos que para se constatar que um astro muda de posição a cada seis meses é preciso observá-lo pelo menos durante 1 ano e, para se ter alguma segurança de que isto é algo regular, é preciso continuar observando-o pelo menos por alguns anos, e, ao que tudo indica, este senhor o fez. Claro que existem as tradições orais, que suprimem a necessidade de experiência pessoal direta de observação sistemática para se chegar a essas informações. No caso desse senhor, porém, pelo seu relato, elas foram obtidas por iniciativa e constância de acompanhamento dele.

As informações sobre a lua, os astros e as coisas do céu, em geral, envolvem conhecimentos populares que merecem o nosso respeito, além de serem de grande importância do ponto de vista antropológico. Tais informações vêm sendo tema recorrente de pesquisa científica há algumas décadas, sobre trabalhos envolvendo conhecimentos autóctones e populares sobre o céu no Rio Grande do Norte, ver Romero et al.(2004) e Jafelice et al.(2004). Esses assuntos têm fomentado discussões na comunidade científica, em particular ao ressaltar a freqüente arrogância do saber acadêmico e o quanto a maioria das pessoas está bitolada ao modo cientificista de enxergar as coisas, promovendo muitas vezes alienação e acriticidade, ou seja, exatamente o oposto do que o discurso da cientificidade diz almejar e promover.