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3 CULTIVANDO A UNIDADE SER HUMANO-COSMO: UMA PROPOSTA DE SUPERAÇÃO

4 INTEGRANDO O ASPECTO TRANSCENDENTE À FORMAÇÃO DE PROFESSORES: A PROPOSTA NA PRÁTICA

4.3 CURSO DE EXTENSÃO: “LABORATÓRIO EM COSMOEDUCAÇÃO”

4.3.16 Aula de Campo

Indispensável e enriquecedora, a aula de campo realizada fora da luminosidade da cidade representa uma oportunidade de grandes revelações para aqueles que a vivenciam. O contato com o céu noturno requer baixa luminosidade (isto é, um local com a menor poluição luminosa possível), para que se tenha um céu de melhor qualidade para a observação, bem como silêncio e tempo para se contemplar18.

Realizamos nossa aula de campo no sítio Mineiro, distrito de Santana do Matos, no estado do Rio Grande do Norte, há aproximadamente 290 km de Natal. A lua estava em sua fase nova, condição ideal para se observar o céu noturno (pois significa uma fonte de

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Além disto, claro, é preciso que as condições meteorológicas contribuam. Este fator está fora de nosso controle organizacional. Mesmo assim, porém, podem-se minimizar as condições desfavoráveis. Para tal, é preciso conhecer o calendário anual de chuvas da região onde a aula de campo se dará e escolher datas mais convenientes, planejando aulas de campo em épocas sem chuvas, nem céu nublado. Convém, ainda neste sentido, marcarem-se aulas envolvendo pelo menos duas noites de observação, para se aumentar a chance de se ter pelo menos uma noite com céu propício para as finalidades pretendidas. Outros cuidados, relacionados à fase da lua, são comentados no texto.

luminosidade relativamente intensa, neste caso de origem celeste, a menos; a luz da lua interfere na visibilidade, se o objetivo for a observação de estrelas, planetas e objetos de céu profundo).

Depois de uma longa viagem, chegamos ao sítio ao anoitecer. Após nos instalarmos no sítio, nos reunimos ao ar livre para dar início às atividades práticas de observação. No primeiro momento sugerimos a cada participante simplesmente desfrutar a visão do céu noturno, sem a poluição luminosa dos centros urbanos, e curtir este momento, sem se preocupar em achar algo já conhecido ou que tenha ouvido falar. Durante este momento o professor-facilitador deve orientar as pessoas para que evitem qualquer expectativa e se permitam atribuir significados próprios ao que estão vendo.

Sugerimos, nesse momento, que a pessoa busque permanecer num estado de passividade alerta, onde ela se predisponha àquela experiência sem expectativas, porém, ao mesmo tempo, que fique atenta ao que está acontecendo com ela, em termos de associação de idéias, sentimentos, sensações e percepções. Após certo tempo nos reunimos outra vez para compartilhar o que cada um vivenciou e percebeu.

O estado de admiração e êxtase quanto àquele céu estrelado foi uma constante entre as primeiras afirmações de nossos professores-alunos, encantados pela imagem daquele céu isento da poluição luminosa, tão comum nos centros urbanos. Outro ponto comum entre os professores foi o estado de paz que descreviam ao compartilhar a experiência de desfrutar aquele céu. Mais uma vez me ocorreu na lembrança de um trecho de Bachelard (2001, p. 184):

O céu estrelado é o mais lento dos móbeis naturais. Na ordem da lentidão, é o primeiro móbil. Essa lentidão confere um caráter suave e tranqüilo. É o objeto de uma adesão inconsciente que pode dar uma impressão singular, uma impressão de leveza aérea total.

Aqui é importante trazer à tona o fato de que o céu, no sentido físico, é um só. Porém, este mesmo céu pode parecer diferente para diferentes pessoas da mesma cultura e pode parecer mais diferente ainda para pessoas de culturas diferentes; para maiores reflexões e aprofundamentos sobre estes pontos, vide Jafelice (2005c). Se fizermos uma viagem imaginária para a Babilônia de há 4000 anos, encontraremos o início de uma estruturação acerca do céu. Aquele “mesmo céu” (fisicamente falando) também estava sendo visto e interpretado pelas civilizações pré-colombianas e pelos índios brasileiros. Pode-se dizer que esses diferentes povos, diante do mesmo céu, quer dizer, da mesma influência ambiental física, enxergaram significados diferentes, conforme a sua cultura. Nossa cultura ocidental

herdou muito da visão do céu originalmente dos babilônios, à qual se agregaram as influências e modificações posteriores dos gregos. Neste momento da prática, então, convidamos os participantes a identificarem algumas coisas que fazem parte desta cultura. E sugerimos que achassem o Cruzeiro do Sul e, a partir deste, o pólo sul celeste; Alfa e Beta de Centauro; a constelação de Escorpião; entre outros astros celestes mais notáveis que estivessem visíveis, como Júpiter estava, naquela época, por exemplo.

Após nos deleitarmos um bom tempo com o prazer de ligar mentalmente as estrelas no céu, para obter uma figura que é significativa para nossa cultura, partimos para a observação do céu através do telescópio. Este momento também é estimulante para todos, uma vez que desperta outros aspectos, como a curiosidade e a expectativa de se tornar mais próximo de um astro e, quem sabe, poder desvendar algum segredo longínquo. Muitas vezes, contudo, o telescópio tem frustrado tais expectativas, uma vez que as imagens que visualizamos através de seus espelhos e lentes não correspondem àquilo imaginado, não indo muito além, principalmente no caso de estrelas, daquilo a que já temos acesso a partir da visão a olho nu.

Com este grupo, observamos a estrela mais próxima da terra (depois do sol): a alpha centauri (como é tecnicamente chamada a estrela Alfa de Centauro, a estrela mais brilhante desta constelação), que está a 4,4 anos-luz de distância da terra. Neste caso, em particular, sim, foi possível ter algum resultado surpreendente, diferente do que notamos a olho nu, pois pudemos observar que se trata de um sistema estelar formado por duas estrelas (quer dizer, na verdade formado por três estrelas, conforme explicamos para os alunos, porém, isto só é observável com telescópios muito grandes; o nosso nos permitiu apenas enxergá-la como uma estrela dupla; mas isto já causou um grande impacto nos alunos). Depois observamos Júpiter e suas luas galileanas.

Figura 12 – Observação do céu com telescópio em Santana do Matos/RN.

Como última atividade desta noite, voltamos a observar, em silêncio, o céu noturno a olho nu, numa atitude contemplativa. Foram dados os comandos de escolher algum astro ou conjunto de astros delimitado; fixar o olhar no(s) astro(s) escolhido(s); buscar estabelecer uma relação íntima com o(s) mesmo(s); registrar internamente qualquer percepção, ou idéia, ou sentimento, que surgir; ampliar ao máximo esta relação com o cosmo e, ainda em silêncio, recolher-se ao leito, neste caso a rede, e dormir impregnado das imagens e das sensações provocadas por esta vivência. No dia seguinte, na ocasião do café da manhã, comentamos sobre a qualidade do sono e a ocorrência, se rememorada, de algum sonho. Aqui expressamos a valorização por funções imaginárias e subjetivas próprias do sonhar. Segue outra citação retirada de Bachelard (2001, p. 201), que traduz a relação do sonho e sua função cosmogônica:

O sonho é a cosmogonia de uma noite. Todas as noites o sonhador recomeça o mundo. Todo ser que sabe desprender-se das preocupações do dia, que sabe dar ao seu devaneio todos os poderes da solidão, devolve ao devaneio sua função cosmogônica.