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TRANSDISCIPLINARIDADE: A BUSCA DA UNIDADE NA DIVERSIDADE EM EDUCAÇÃO

3 CULTIVANDO A UNIDADE SER HUMANO-COSMO: UMA PROPOSTA DE SUPERAÇÃO

3.7 TRANSDISCIPLINARIDADE: A BUSCA DA UNIDADE NA DIVERSIDADE EM EDUCAÇÃO

A educação contemporânea sofre profundamente com o eclipse da dimensão espiritual de nosso mundo e universo. Em nosso tempo, a espiritualidade foi seriamente comprometida por sua identificação com as religiões institucionalizadas. (O’SULLIVAN, 2004, p. 376, grifo nosso.)

De acordo com Weil (1997 apud O’SULLIVAN, 2004, p. 376), “a religião procura institucionalizar a espiritualidade e, em muitos casos, isso é feito mais pela perpetuação da instituição do que pelo bem-estar explícito do indivíduo”. Portanto, a espiritualidade referida aqui não é sinônimo de religião, mas, sim, refere-se a dimensões não físicas, imateriais, de nosso ser, o qual transcende a materialidade da nossa existência física, bem como as barreiras conceituais da nossa cultura. Esta dimensão faz parte da vivência do ser humano, quer queira a ciência ou não.

Atualmente, especificamente na sociedade ocidental, o predomínio da ideologia cientificista tem ignorado as dimensões humanas, as quais não se pode manipular através de leis e de métodos objetivos. Qualquer outro conhecimento que não seja científico é considerado fantasia, fruto da imaginação, algo sem valor e que não merece nossa atenção nem respeito. Esta cegueira tem sido uma ameaça para nossa própria espécie, uma vez que a complexidade da crise civilizatória ou de percepção, que comentamos no capítulo anterior, exige da sociedade global (nós) uma compreensão e atitude complexa, a qual requer a valorização do desenvolvimento integral do ser humano, e este inclui funções psíquicas, como emoção, sensação e intuição.

A transdisciplinaridade é uma abordagem recente que comporta este anseio transcendente, uma vez que transgride as fronteiras das disciplinas e vai além delas, reconhecendo a unidade na diversidade bem como percebendo a diversidade na unidade. Como esclarece D’Ambrósio (1997, p. 9):

A transdisciplinaridade não constitui uma nova filosofia. Nem uma nova metafísica. Nem uma ciência das ciências e muito menos, como alguns dizem, uma nova postura religiosa. Nem é, como insistem em mostrá-la, um modismo. O essencial na transdisciplinaridade reside numa postura de reconhecimento onde não há espaço e tempo culturais privilegiados que permitam julgar e hierarquizar - como mais corretos ou mais verdadeiros - complexos de explicação e convivência com a realidade que nos cerca. [...] Na sua essência a transdisciplinaridade é transcultural.

Como escreve O’Sullivan (2004, p. 377): “a diversidade é um dos ingredientes necessários à espiritualidade saudável [...]”. Segundo Nicolescu (2005), a unidade na diversidade e a diversidade através da unidade é inerente à transdisciplinaridade. Ou ainda, com Barbosa (2005, p. 361):

A atitude transdisciplinar precisa ser entendida como abertura para perceber o novo na educação, disposição para a mudança de paradigma epistemológico, compreensão do movimento que propõe a incerteza, articulação dos saberes e aceitação de que a transdisciplinaridade possibilita a compreensão do mundo presente.

Para alcançar esta compreensão do mundo presente, o caminho ou método transdisciplinar, trilhado por um número significativo de pesquisadores em diversos países, se ergue a partir de três pilares, sendo estes: a complexidade, os níveis de realidade e a lógica da inclusão.

A complexidade compreende a interdependência entre todas as coisas e fenômenos dos universos físicos, sociais, culturais, constituindo uma teia multidimensional de relações onde nada está isolado. Neste sentido, a complexidade exalta a riqueza de elementos contidos na diversidade, indo de encontro ao empobrecimento da visão humana limitada pela ilusão da fragmentação e pela ênfase na racionalidade (em particular na limitante racionalidade cientificista dominante). Segundo Barbosa (2005, p. 363), “a educação transdisciplinar possibilita desenvolver uma pedagogia da incerteza que propõe condições para o educando buscar soluções para problemas concretos apresentados pela existência”. Nesta perspectiva o educando aprende a aprender.

Os níveis de realidade, já discutidos na seção anterior, em 2.2.1, percepção e realidade: o sujeito e sua concepção de mundo, são entendidos aqui de forma semelhante, admitindo-se a existência de diferentes níveis de realidade correspondentes aos diferentes níveis de percepção; estes últimos, por sua vez, são determinados pela posição em que se encontra o sujeito-observador e seu repertório cultural como um todo. Assim sendo, “a gestão educacional transdisciplinar possibilita ao educador perceber a vida da escola de diversos

pontos e notar que o que se vê de um ponto do espaço da escola pode ser visto de outra maneira de outro ponto” (BARBOSA, 2005, p. 365).

O terceiro pilar que sustenta a metodologia transdisciplinar é a lógica da inclusão, a qual defende a valorização do conhecimento prévio do educando através de suas vivências e de sua cultura. Esta visão vai de encontro à lógica da educação positivista, onde o que mais interessa é o professor e as informações que ele ‘tem que’ passar para o aluno e depois avaliá- lo para ver o quanto o aluno é capaz de reproduzir.

De acordo com a lógica da inclusão, o ponto de partida é a valorização do educando, de sua interioridade. Para perceber a interioridade do aluno é preciso que o educador esteja fazendo esse caminho de reconhecimento e valorização da sua própria subjetividade. Só assim desenvolverá a sensibilidade para perceber os movimentos mais sutis da subjetividade do aluno. Esta percepção mais sutil, que vai além da superfície dos fatos e nos permite ver em profundidade, pode ser vivenciada através da prática reflexiva e meditativa, a qual ainda não é comum no meio educacional.

Neste sentido, estamos diante de uma necessidade de mudança na forma de entender o processo educacional e a quem ele atende. Se, enquanto educadores, estamos preocupados com o desenvolvimento integral do ser humano e, conseqüentemente, com a construção de uma sociedade mais equânime, parece ser mais lógico nos voltarmos para nós mesmos num movimento de redescobrirmos nossa própria subjetividade, valorizá-la a fim de estimular essa descoberta pessoal no nosso aluno. Dessa forma, mudamos o foco da ação educacional para o estudante em sua complexidade existencial.

Segundo Barbosa (2005, p. 367-368),

A percepção da interioridade do sujeito é um aprendizado de meditação. O professor que medita consegue alcançar o sentimento dos seus alunos além da exterioridade que apresentam.[...] Na nossa prática educacional não estamos acostumados a exercícios de reflexão que desperte a subjetividade meditativa.

Esta colocação do autor é bastante pertinente ao nosso ver e presente ao longo das práticas que realizamos com nossos sujeitos, pois entendemos que a vivência meditativa geralmente nos permite elevar o nosso estado de consciência, ampliar nossas percepções e ver em profundidade as inter-relações das coisas e fatos que nos cercam.

Nesse processo de aprofundar nossas percepções nos deparamos com as faculdades de ver o invisível que permeia o imaginário dos sujeitos e de ouvir o meio ambiente além do audível. Faculdades estas tão importantes para criar empatia com nossos alunos e nos tornarmos um só com estes.

Para ilustrar, reproduzimos aqui uma lenda chinesa citada em Barbosa (2005, p. 368).

Na antiga China um certo príncipe procurou o mestre para aprender a relacionar-se com outras pessoas. O mestre deu-lhe um exercício que o príncipe deveria ir à floresta para ouvir os sons que ali se manifestavam. O príncipe dirigiu-se à floresta e por um ano ficou ouvindo os sons. Voltou ao mestre e disse: “Mestre pude ouvir o canto dos cucos, o roçar das folhas, o alvoroço dos beija-flores, a brisa batendo suavemente na grama, o zumbido das abelhas e o barulho do vento cortando os céus”. Quando terminou a explicação o mestre mandou-o de volta à floresta para ouvir tudo o mais que fosse possível. Foram longos dias e noites que o príncipe esteve sozinho na floresta, ouvindo, ouvindo. Mas não conseguiu distinguir nada de novo. Certa manhã, sentado entre as árvores da floresta começou a distinguir sons vagos, diferentes de tudo que já tinha ouvido e sem pressa passou horas e horas ouvindo pacientemente.Quando retornou ao templo, o mestre lhe perguntou o que mais ele tinha conseguido ouvir e então o príncipe disse: “quando prestei mais atenção, pude ouvir o inaudível - o som das flores se abrindo, do sol aquecendo a terra e da grama bebendo o orvalho da manhã”. O mestre acenou com a cabeça em sinal de aprovação.

4 INTEGRANDO O ASPECTO TRANSCENDENTE À FORMAÇÃO DE