• Nenhum resultado encontrado

Capítulo II Trauma

6. Incidência por faixa etária

7.2 Acidentes de trabalho

Um acidente de trabalho é, segundo as Estatísticas Europeias de Acidentes de Trabalho, definido como uma “ocorrência imprevista, durante o tempo de trabalho, que provoque dano físico ou mental”. Nesta denominação incluem-se casos de intoxicação aguda e atos voluntários de terceiros, assim como acidentes durante o trabalho, incluindo o exterior das instalações da empresa, mesmo que provocados por terceiros. Excluem-se lesões auto-infligidas, acidentes que ocorram no percurso para o local de trabalho ou no regresso deste (acidentes de trajeto) e acidentes que se devem

unicamente a causas médicas e doenças profissionais.109

O trauma maxilofacial relacionado com o trabalho é raro, mas muitas vezes é

complexo e desafiador, tal como demonstram os valores da AIS33 na Face. De acordo

com os poucos estudos publicados, os trabalhadores da construção civil, em conjunto com os trabalhadores agrícolas e florestais, estão em maior risco de lesões,

principalmente por causa de poderem ser atingidos por um objeto lançado, projetado

ou em queda, ou mesmo por um animal.110-1

Num estudo realizado em Itália, os autores concluíram que os acidentes de trabalho representaram a quinta causa mais comum de lesão, com uma percentagem de 6,3%. As fraturas maxilofaciais foram mais frequentemente observadas em trabalhadores da construção civil (37,9%). O terço médio foi envolvido em 67% dos

casos, tendo sido a mandíbula o local mais frequentemente lesado.110

Em Berna, na Suíça, numa amostra de 42 pacientes com fraturas maxilofaciais por acidentes de trabalho, no período compreendido entre 2000 e 2002, os autores constataram que 69% das lesões ocorreram em trabalhadores agrícolas e florestais e 33% em trabalhadores da construção civil no período do verão. Cerca de 43% das lesões foram causadas por um objeto lançado, projetado ou em queda. No que concerne à localização topográfica das lesões maxilofaciais, 82% das fraturas ocorreram na região do terço médio da face e na base do crânio e 59% dos pacientes

apresentaram traumatismos associados. 111

Numa pesquisa realizada na Áustria entre 1991-1999, cerca de 5,4% (463) dos pacientes com lesões maxilofaciais sofreram acidentes de trabalho. A incidência mais elevada registou-se nos trabalhadores da construção civil, com 26,8% (124), seguidos dos artesãos (22%;102) e dos empregados de escritório (14,9%; 89). A faixa etária dos 20-29 anos de idade foi a mais atingida, sendo que os homens sofreram mais acidentes que as mulheres numa proporção de 11,8:1. A causa do traumatismo mais frequente foi o golpe em 48,4% dos casos, seguido da queda com 27,9% e queda sobre os obstáculos, com 7,1%. De todos os traumas, 45,4% (210) dos pacientes apresentaram 423 fraturas maxilofaciais, 31,7% (147) sofreram 232 lesões dento- alveolares e 21,2% (98) apresentaram 430 lesões nos tecidos moles. Cerca de 20,7% dos doentes com lesões apresentou traumatismo craniano associado. Em suma, de acordo com a opinião dos autores deste estudo, a probabilidade de ocorrer trauma maxilofacial no trabalho está correlacionada com a natureza da profissão e os indivíduos (principalmente os homens) que utilizam ferramentas e máquinas no local de trabalho, estão expostos a um risco maior de trauma maxilofacial.112

O uso inadequado de máquinas, a falha no uso do Equipamento de Proteção Individual (EPI) ou o descuido dos trabalhadores no local de trabalho podem causar sérios danos físicos. Foi o que aconteceu num estudo efetuado na Áustria, por um período de 11 anos sobre fraturas faciais por acidentes de trabalho, em que os autores verificaram que 33% dos acidentes foram provocados por quedas inesperadas de objetos e a mesma percentagem devido a acidentes com máquinas. As profissões mais atingidas foram os trabalhadores da construção civil (31%), seguidos dos

agricultores (27%). As regiões mais afetadas foram o terço-médio da face (64%), principalmente o zigomático (28%) e a mandíbula (38%) distribuída, frequentemente,

no ângulo (30%) e no processo condilar (27%).112

Por sua vez, no continente asiático, mais propriamente na Coreia do Sul, os resultados de um estudo aqui realizado, demonstraram que as quedas em pacientes adultos foram particularmente observadas pelo elevado consumo de álcool dessa

população em comparação com as regiões vizinhas.113

7.3 Agressão (violência Interpessoal, autoinfligida, guerras e terrorismo)

O homem sempre foi vítima de traumatismos desde os tempos primitivos. Pela análise de ossadas e de restos cadavéricos esqueletizados é possível discernir que a espécie Homo sapiens sapiens foi vítima, ao longo da sua história, de alguma forma de violência.114

Estima-se que no ano 2000, só na África, tenham morrido 725 000 pessoas devido aos traumatismos, representando 7% do total de óbitos em África e 15% do total de óbitos no mundo relacionados com traumatismos. Dos óbitos mencionados estima-se que 116 000 tenham ocorrido por violência interpessoal, 27 000 por violência autoinfligida (suicídio) e 167 000 por violência coletiva. Quase metade destes óbitos ocorreu entre jovens do sexo masculino no grupo etário economicamente ativo, dos 15 aos 44 anos. As inúmeras guerras civis no continente africano, segundo a OMS, foram responsáveis pelo segundo maior número de óbitos. Uma grande variedade de estudos indica que a proporção de não combatentes, mortos em resultado direto de conflitos, excederia os 50%.115-6

Num estudo em que os investigadores documentaram a violência a um nível mais assustador e que atinge países ocidentais como a Espanha, mencionam que do atentado terrorista bombista, que sucedeu a 11 de Março de 2004 em Madrid, resultou em 177 mortes imediatas (93%), 9 mortes precoces e 5 mortes tardias. A maioria dos sobreviventes não apresentou lesões críticas, mas 14% dos 512 feridos registaram ISS>15. A taxa de mortalidade crítica foi de 19,5%. As regiões mais afetadas foram a cabeça e a face, enquanto as fraturas maxilofaciais e dos ossos longos foram as mais prevalentes.117

Ainda num cenário de terrorismo, um estudo realizado em Bagdad, reporta-nos para outra realidade num contexto ainda mais adverso, pois este país tornou-se num campo de batalha para as vítimas dos ataques terroristas, através de diferentes tipos de armas, incluindo mísseis, carros-bomba, cintos explosivos e balas. O tipo de lesões provocadas por mísseis tem características especiais que representam um desafio

para a equipa médica. Um estudo realizado durante um período de 12 anos incluiu 140 pacientes tratados numa unidade maxilofacial. Na sua maioria eram do sexo masculino (80%; 112), com idades compreendidas entre 9-60 anos e apresentavam deformidades orofaciais. Destes, 44% apresentavam perda óssea, 32% perda de tecidos moles, 6,4% uma combinação de perda de tecidos moles e duros e 15,7% outras deformidades.118

No Médio Oriente, foi efetuado um estudo que analisou a incidência e a gravidade das lesões maxilofaciais na Guerra Civil do Líbano, entre soldados do regime e a população civil. E deste panorama ficaram feridas 565 pessoas em combate, sendo que 36 (6,4%) delas sofreram lesões maxilofaciais registando-se uma taxa de mortalidade de 2,8%. De referir, ainda, que a maioria das lesões maxilofaciais (33; 91,7%) também apresentava traumatismos associados e, de igual modo, se constatou

que 25% dos pacientes apresentavam lesões dentárias.119

Outros autores constataram, num estudo epidemiológico de fraturas do complexo zigomático, que os principais fatores etiológicos foram a agressão física com 27,36% e

os acidentes motociclísticos com 23,15%.120

Em Portland, foi efetuado um estudo com o objetivo de analisar, por um período de 5 anos, a incidência, causas e padrões dos traumatismos maxilofaciais por violência doméstica. Em 236 casos admitidos na SE, 81% dos estudados apresentavam lesões maxilofaciais e 31% apresentavam fraturas na região face, sendo que o “murro” foi a situação que mais contribuiu para estas sequelas. De referir que as fraturas faciais estiveram presentes em 30% das vítimas e, neste sentido, o terço médio da face foi a região mais envolvida com 69% dos casos, sendo as fraturas nasais responsáveis por 40% dos casos e as lesões nos tecidos moles estiveram presentes em 61% dos pacientes. Em termos de bilateralidade, o lado esquerdo da face foi o mais atingido sem, contudo, apresentarem valores. É de ressalvar, também, que a média de fraturas por paciente foi de 1,32.121

Parece ser consensual que os traumatismos maxilofaciais, em casos de tentativa de suicídio por arma de fogo, podem resultar em consequências devastadoras funcionais e estéticas para as vítimas. Um estudo retrospetivo de 4 anos, em Houston, que englobou uma amostra de indivíduos com idades entre os 56 e os 84 anos, vai de encontro à nossa opinião, pois, registaram-se 64% de casos em que as lesões resultaram de apenas um único tiro e 36%, de múltiplos tiros. A taxa de mortalidade foi de 11%. Um total de 67% das vítimas ficaram lesionadas no esqueleto subjacente craniofacial e 75% necessitaram de intervenção cirúrgica.122

Face ao que foi exposto anteriormente, nos estudos mais atuais verifica-se uma participação cada vez maior da agressão como mecanismo de trauma maxilofacial,

devido ao aumento da violência nas populações.123

Documentos relacionados