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5. AS DORES DOS HOMENS: INTRODUÇÕES ACERCA DA LINHA LIMÍTROFE

5.1 Acolher a dor, escutar a dor

O homem sangra as mãos na parede. Uma batida atrás da outra. Nada contém seu desespero, ele ecoa pelo hospital (HPS). Como conter alguém que perdeu a própria filha de seis anos? Dessa vez não poderia ser o vigilante com sua força, nem a psiquiatria; nem pela Psicologia (por não estar nos plantões aos finais de semana).

Nem medicamentos, nem contenção física, os modos mais operantes para conter o sofrimento no hospital de trauma. A profissional de saúde do serviço social é chamada para

81 Vigiar, punir. Mecanismos de poder que serão apenas brevemente inscritos nesse capítulo para serem absorvidos no segundo bloco dessa tese, pois não há nada mais próprio para a segurança pública no hospital de trauma do que a possibilidade de exercitar a efetividade de dispositivos de vigilância, de captura e controle da população perigosa ; por vezes da punição (que leva sujeitos silenciados por ela para o hospital).

cessar a dor que já se alastrou pelos corredores da emergência e paralisou a todos. Usuários de saúde, médicos, vigilantes. Como fazer parar, como conter, como acolher o sofrimento, a profissional se questionou. Seguindo sua intuição, foi se aproximando devagarinho até que fez um pedido ao pai:

-Por favor, me dá um abraço? Eu preciso do teu abraço!

O pai então encontra dois braços estendidos em sua direção para que então pudesse chorar.

Dor intensa é um dos avaliadores na classificação de risco do HPS, o que faz com que casos clínicos mais graves sejam atendidos primeiro. “Por isso chegam tantas causas clínicas.” Quando é avaliado que a dor é intensa, a classificação de risco pode ser laranja ou amarela. Uma das gestoras do HPS refere que mesmo que os sintomas não sejam graves como uma luxação no ombro, por exemplo, “classificam o paciente no mínimo como amarela” (gestora).

Vários aspectos podem interferir na avaliação da dor e o enfermeiro deve estar atento a eles, como idade, percepção se a dor está aumentando, experiência prévia de dor, influências culturais, ansiedade, comprometimento das atividades de vida diária e sinais clínicos de dor. No entanto, é necessário testar a dor do outro. Pode ser só fingimento. Para isso a técnica de enfermagem da SAMU me mostra duas técnicas: uma é passar uma caneta sobre a unha com força. Outra é empurrar com a mão uma parte do peito.

Existem muitas dúvidas sobre a veridição do sofrimento. “Água, água, água, água”. Para um dos técnicos de enfermagem pedir água o tempo todo pode ser abstinência. “Não pode ser só sede?”, perguntei. O profissional não soube responder. Sede ou abstinência, não seria de todo modo habitar um deserto em ambos os casos?

Na tentativa de humanizar o cuidado em saúde nas urgências e emergências o Ministério da Saúde, (Brasil, 2009), lançou a cartilha sobre Acolhimento e Classificação de Risco nas Urgências. De acordo com essa cartilha, o acolhimento com Classificação de Risco se coloca como guia orientador para a atenção e gestão na urgência, já que a não-distinção de riscos ou graus de sofrimento faz com que alguns casos se agravem na fila, ocorrendo às vezes até a morte de pessoas pelo não-atendimento no tempo adequado. “O acolhimento diferencia-se da triagem, pois acolher se constitui numa ação de inclusão que não se esgota

na etapa da recepção, mas que deve ocorrer em todos os locais e momentos.” (BRASIL,2009, p.09)

No entanto, acolher, como pressupõem, é um desafio antes moral, isso porque os jogos de discursos do cuidado e suas escolhas terapêuticas que passam das tecnologias leves, às leve-duras e duras 82 não devem ser lidos como mera acepção positiva de zelo e precaução, mas em sua concepção limítrofe do que escapa ou o que foge às diagramações de ser cuidável, do que é o cuidado e do que é ser cuidador.

“Mas a dor só é reconhecida quando há sangue, tiro, ferida, carne queimada, aberta. A dimensão do sofrimento psíquico emocional não é. Inclusive há uma culpabilização dos pacientes que chegam por tentativa de suicídio, por exemplo. É como se estivessem tirando o lugar de alguém”, diz um dos psiquiatras com mais de 20 anos de trabalho no hospital de trauma. “Se o cara que incomoda é agressivo, ameaça a gente, ele de algum modo é visto. Se ele está quietinho é um bom paciente, não dá trabalho a ninguém, não querem saber se está sofrendo ou não.” (médico psiquiatra)

A medida da dor é a violência naturalizada no hospital de trauma. Sônia Maluf (2005), afirma que os poderes públicos se ausentam como interlocutores, obrigando os atingidos a recolherem a própria dor na esfera do íntimo e do privado. Agem como se o confinamento da violência, e com ela a reclusão e o emudecimento, fossem seu único lugar aceitável e possível. Porém, a ‘dor’ também pode falar expressar vivamente uma história, assim como o ‘sofrimento’ pode calar ou apresentar-se sem linguagem.

Seguidamente observava pessoas chorando na sala de espera da emergência no HPS. No início da pesquisa de campo, os profissionais de saúde na emergência do hospital me levavam a conversar com os usuários de saúde que haviam sofrido alguma agressão. Um dos usuários de saúde chorava, literalmente, lágrimas de sangue. Fui apresentada a esse senhor,

82 Para Emerson Merhy (2006), as tecnologias podem ser classificadas como leve, leve-dura e dura. As tecnologias leves são as das relações; as leve-duras são as dos saberes estruturados, tais como as teorias, e as duras são as dos recursos materiais. A adoção das tecnologias leves no trabalho em saúde perpassa os processos de acolhimento, vínculo e atenção integral como gerenciadores das ações de saúde. A humanização do atendimento como tecnologia leve é uma forma de gerenciamento do trabalho nas relações, enquanto a atenção integral é tida como gerenciadora dos processos de trabalho humanizado. Esta tem como ações a promoção da saúde, a prevenção das doenças, a recuperação da saúde e a humanização do atendimento.

trazido por uma ambulância de um dos municípios do interior do estado. Ele aguardava o cirurgião plástico fazer a sutura em seu olho. “Mas o que mais me dói mais não é o olho, é minha alma.” Acompanhado da esposa e ambos vestindo um casaco de alguma igreja evangélica, ele conta sobre seu filho que usa crack e lhe deu um soco após uma discussão em que foi trancado para o lado de fora de casa. Fala sobre o que é amar um filho “dar tudo o que pode e ser ameaçado de morte.”

Nesses momentos algum procedimento deve ser realizado, como se fosse a escuta um não fazer. Precisamos ver por dentro com contraste? Tirar um raio x e por uma tala na alma? O que fazer? Pergunto sobre a rede de apoio deles. Eles dizem que há familiares na igreja interessados em iniciar de um grupo de apoio, “talvez seja a hora de começarmos?”, se questiona o pai, que acha triste o fato de tirar da rua tantos “jovens drogados”, um projeto de sua igreja, mas não consegue ajudar o próprio filho.

De um lado sangue, outro, lágrimas. “Com medo, o que fazer?”, ele me pergunta. Internação compulsória? Expulsar de casa? Ir na polícia, fazer um boletim de ocorrência? A possibilidade de acessar o plantão policial do hospital foi fortemente cogitada pelo casal. Reiterando: seguidamente, quem experiencia a violência interpessoal, busca nos operadores da segurança pública, nem sempre a justiça ou a vingança (quando a justiça se torna miragem). Por vezes quer apenas um porto seguro, um modo de dar destino ao que parece irresolvível. Única saída não apenas para os usuários de saúde mas também para os profissionais de saúde, quando parece ser o único espaço “de proteção” às ameaças de morte destinadas a homens que retornarão do lugar de violência de onde vieram.

“Às vezes esse sujeito que passou pelo serviço chega com muita dor, ele vem com raiva, com ressentimento. As pessoas vão tratar os problemas físicos dele, mas aqui é provavelmente o único lugar que ele vai ter para poder falar sobre a situação de violência que ele viveu, para ser escutado”, diz o policial civil que trabalha há muitos anos no plantão policial do hospital. Ele sabe que a maioria dos colegas de profissão se posicionam de “maneira inadequada”, pois ele acredita que o trabalho do policial civil no hospital é de escuta para além do inquérito.

O profissional, na ocasião, me convidou para observar seu atendimento (que levou cerca de 20 minutos) no plantão policial do hospital. Um senhor com o braço enfaixado

esperava por ele para fazer o boletim de atendimento contra o filho do patrão. O senhor dizia “Você vê, eu tô indo trabalhar e o filho dele discute e vem pra cima de mim. Como é que posso trabalhar assim. E eles ainda me mandaram embora, eu preciso receber pelo dia.”, diz o senhor. O policial escuta com tranquilidade, sem pressa no que ele tinha a dizer: “exato, se o senhor trabalhou precisa receber.” Ele fica bastante tempo “pegando o depoimento” do homem. “Você quer apenas fazer o boletim ou que vá para o juiz”, ele pergunta. Depois me explica que o que vai para o juiz é um modo simples de perguntar se ele quer abrir um processo contra a pessoa. O senhor diz que sim, que está com medo de não receber pelo trabalho. O homem tinha uma fala de difícil compreensão para mim. No entanto, ao final do atendimento tive a oportunidade de ler o depoimento. O policial pareceu entender perfeitamente a situação e a descrição na fala cortada do sujeito.

Depois que o senhor foi embora com a cópia de seu boletim de ocorrência, o policial civil conta que ao passo que considera a escuta como um meio necessário de acolher a dor pela violência sofrida, é necessário investigar no sistema se o sujeito possui um mandado de prisão. Se há, no mesmo momento é detido pelo profissional, que o algema até que chegue um volante da polícia civil que faça a escolta para o destino prisional a cargo de agentes da Susepe: “Se aquele senhor tivesse que ser detido, eu faria.”

Era confuso observar o profissional com tantos sinais que poderia nomear como de uma escuta empática (corpo voltado para a frente do usuário de saúde, olhos atentos mas não o suficiente para parecerem inquisitórias, voz suave, devolução dos sentimentos e angústias verbalizados) e, ao mesmo tempo, aquele que poderia fazer a passagem de um usuário de saúde com dor para o destino do encarceramento. Eu questionei várias vezes sobre como seria para ele ter que algemar, como os homens detidos costumavam reagir, se haviam reações violentas contra a ação de algemar alguém. Ele, com o mesmo tom de voz, responde como se eu tivesse perguntado a um médico: e como é para você quando precisa suturar um coração, como é para você ter que entubar alguém? Tranquilo.

Outro operador da segurança pública que percebe seu trabalho como de acolhimento é o vigia do Hospital Cristo Redentor. Diferente do vigilante do Hospital Pronto Socorro, profissional esse terceirizado que fica nas três entradas do HPS, munido de arma, colete a prova de balas e walk talk (rádio transmissor), no Hospital Cristo Redentor, o vigia é

profissional concursado, ele traja um paletó preto com o logo da instituição, munido apenas de um “walk talk”. O trabalho de segurança armada, ficaria então para os vigilantes do Cristo Redentor, aí sim terceirizados e fortemente armados (com fuzis na mão) que ficam em frente às duas saídas, na parte externa do Cristo Redentor.

O vigia que foi encontrado no interior da emergência de saúde do Hospital Cristo Redentor, junto ao profissional da portaria, conta que a incumbência primeira de sua função é cuidar do patrimônio do hospital, no entanto, os vigias são fundamentais para fazer o convencimento e tranquilização do paciente: “Às vezes os pacientes ficam mais agressivos por esperar demais pelos cuidados. Imagina um homem todo cagado nas calças sem trocar a fralda há três horas. Um cara de 30 anos. É difícil. O cara sai de si. Aí eu tenho que ir para mediar a situação.” O que é descrito como uma contenção pelos profissionais da vigilância do HPS, é nomeado aqui como mediação pelos profissionais vigias do Cristo Redentor. “Minha arma tá aqui”, e aponta para a cabeça. “Minha arma é a capacidade de mediação.”

“Temos que aguentar algumas ofensas e maus tratos verbais para saber encaminhar as coisas sem atrapalhar. Temos que fazer o serviço ficar mais tranquilo e não mais agitado.” Enquanto concursados, os vigias tiveram acesso à legislação sobre os direitos dos usuários de saúde como o estatuto do idoso, da população negra entre outras. “É comum eu ter que informar os direitos dos pacientes ao profissional de saúde. Olha, ele tem direito sim, está no estatuto do idoso.”

Enquanto os vigias do Cristo Redentor são seguidamente solicitados na emergência e enfermarias do hospital para acolher os pacientes agressivos pela conversa e convencimento, os vigilantes do HPS reiteram a postura imponente, até mesmo aos familiares, quando se encerra o horário de visitas. A coordenadora da enfermagem de um dos plantões da UTI prefere que os(as) residentes ou a secretária da unidade avisem os familiares.

Em uma das minhas visitas à UTI do HPS, observei a inserção da secretária como mensageira, informando que a visita havia acabado enquanto um dos vigilantes era dispensado da função. Para a enfermeira chefe de plantão, é necessária uma dose homeopática de firmeza e suavidade para que o familiar respeite a hora de ir embora sem deixar de se sentir acolhido pela equipe. “Com os vigilantes não dá, sempre dispenso dessa função. Alguns costumam ser muito ríspidos, grosseiros”, diz uma das enfermeiras chefe do

plantão conhecida por agradecer os familiares pela importância da visita para a recuperação do paciente.

Todavia, veremos que os vigilantes do HPS são comumente solicitados em situações que poucas vezes a psicologia é chamada: pacientes rebeldes/agressivos ou definidos como em surto. Em 25 anos de atuação profissional, uma das médicas do HPS costumava atender usuários de saúde que se negavam a serem medicados ou suturados. “Eu nunca fui agredida, por muitos anos não teve o segurança então eu me acostumei a fazer o convencimento. Tem que dar o tempo da pessoa, conversar, tentar tranquilizar.”

Uma das psicólogas concursadas afirma que “todos sabem o papel da psicologia, que é atender casos clínicos e não conter essas situações. Quando somos chamadas, elas conversam com a equipe sobre essas situações, de como lidar com os pacientes.” Também “que a contenção física é necessária em muitos casos, ela também pode ser um cuidado a pessoa em surto”. Na Jornada de Residência Multiprofissional do HPS, a psicóloga residente salienta na mesa de debate sobre humanização do cuidado. “Sempre esclarecemos sobre qual a função da psicologia dentro do hospital, que é acolher os pacientes que precisam de uma escuta, mesmo assim todos os dias é preciso conversar sobre isso, pois há muitos profissionais que não sabem o que faz um psicólogo.”

No mesmo evento outra psicóloga residente profere uma palestra sobre “Comunicação de más notícias”83 salienta ao público heterogêneo do hospital nas palavras de Rebecca Bebb (2005, p.13): “A comunicação é parte do tratamento do paciente e ficar conversando com ele, muitas vezes, é o próprio remédio.”

“Não se pode pensar na ação profissional sem levar em conta a importância do processo comunicativo nela inserido. A escrita, a fala, as expressões faciais, a audição e o tato são formas de comunicação plenamente utilizadas. A função do profissional de saúde é decifrar e perceber o significado da mensagem que o paciente envia, para só então estabelecer um plano de cuidado adequado e coerente com as suas necessidades. Para tanto é preciso ficar atento aos sinais de comunicação verbal e comunicação não-verbal emitidos por ele e por você durante a internação(...) A comunicação adequada é aquela que tenta diminuir conflitos, mal-entendidos e atingir objetivos definidos para a solução de problemas detectados na interação com os pacientes. (...) Já ficou comprovado que comumente, os profissionais de saúde não comunicam o que o paciente tem, não

explicam de maneira que se entenda, além do próprio mutismo de muitos profissionais.” (Rebecca Bebb, 2005, p.13 e 14)

No necessário fazer viver dos homens criminalizados, o respeito pelo preso, assim como o respeito pelo paciente, é um valor que produz uma aproximação ideal, um “cuidado” ao preso/paciente ao passo que evita a comunicação que escape ao protocolo. Banho, curativo, diagnóstico, cirurgia, vigília. Além dos procedimentos de cada função, nada que beire à imprevisibilidade, que exponha a outras trocas relacionais, nada que mobilize outros olhares sobre masculinidades que já estão dadas como perigosas em algum sentido. Assim o trabalho parece ficar mais fácil. Está dado quem é ele e o que devemos fazer.

“Atendi esses dias um rapaz que veio do presídio para cá. Parecia uma peneira, tive que pedir para o brigadiano tirar as algemas dele para ver as costas.” (Na sala de descanso da emergência do HPS, a enfermeira que executa a classificação de risco dos usuários de saúde na entrada do hospital, conta à colega da enfermagem a situação que vivenciou. Narrativa que fora estimulada pela pesquisadora que em meio a entradas e saídas de profissionais de saúde para um rápido cafezinho e lanche na sala de descanso se apresentava, de vez em quando, quem era ela e o que gostaria de fazer.)

- Mas tu não pode fazer isso. (A voz da colega de enfermagem era de repreensão à atitude da colega.) - Tu tá te arriscando, não faz mais isso, é perigoso.

- Mas ele era bonzinho, era calmo. Ele apanhou injustamente na prisão. Ele contou a história dele para mim e o policial confirmou que ele entrou na briga ao acaso. As costas cheias de bala de borracha, eu ouvi algo como doze (12).

- Doze é tiro de fuzil.

-Doze de borracha, acho. Foi tiro de borracha que a polícia deu para acabar com a briga deles.

- Eu não quero nem saber o nome. Mas eles sempre me respeitaram muito quando trabalhava no Hospital Vila Nova84. Eu também não mostrava os dentes. Muitos me diziam:

84 Atualmente o Hospital Vila Nova conta com cerca de 50 leitos divididos em celas por grupos de facções (Balas na Cara, Anti Balas na Cara e outras facções).

“Dona se me respeitam eu respeito; eu respeito a senhora.” Eles só querem respeito. Mas teve profissional que apanhou, porque elas eram muito nariz empinado, não olhavam pra cara do cara, mal chegavam perto e discutiam, tratavam mal.

A médica com mais de 20 anos de hospital de emergência, escutava tudo com seu cafezinho na mão:

- Eu nunca tive problemas. Já vi muito mais mulher agressiva, fazendo escândalo, xingando mais do que homem. Os homens escoltados pela polícia são uns queridos, uma carinha de menino, assim. (E faz uma cara declaradamente inocente). Eles são muito respeitosos, muito tranquilos.

Respeito. A chave que permite “mocinhos” e “bandidos” a ocuparem o mesmo espaço físico, sem que seja em meio à lama, escondidos sorrateiramente atrás de casas, ou por grades que os separam muito bem. A rajadas de pólvora e o fio metálico afiado onde estão? Depois de tudo, as correntes também ficarão escondidas em tornozelos por baixo de lençóis brancos; os avisos estampados dizem que é necessário silêncio.

É comedido esse respeito. Respeito de outro tipo, momentâneo, tão exibido, você pode conhecer no pé do garoto em meio a lama. O tênis Nike lhe retira de uma havaianas. Num reconhecimento perigosamente viciante. É preciso ser mais que um chinelo para viver. Mas quando o hospital lhe despir, o que restará em seu pé sob a mente de outros?

Felipe, também era outro adolescente de 15 anos internado pela violência urbana, alvejado pela polícial militar ao ser confundido com um traficante. “Vai ser assim pra sempre?”, ele perguntava à psicóloga enquanto via entre uma troca de colostomia e outra, as fezes saindo pelo seu abdomem. A escuta do sofrimento pela violência sofrida é fornecida apenas à crianças e adolescentes pela psicologia e pela psiquiatria, esta última, conforme o requerimento (antes reconhecimento do trauma) pelos profissionais de saúde.

A pesquisa de Richard Grey (2005), revela que que quando as vítimas de violência urbana deixam o hospital, a maioria retorna para comunidades onde se sentem especialmente vulneráveis. Muitos são deficientes físicos ou emocionalmente traumatizados. No entanto,