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Acomodação de interesses por meio da reorganização curricular, recomposição das instancias operativas e expansão da rede

A RACIONALIZAÇÃO COMO PRINCÍPIO ESTRUTURANTE DA GESTÃO

CATEGORIAS QUESTÕES

3.3. Acomodação de interesses por meio da reorganização curricular, recomposição das instancias operativas e expansão da rede

Diante disso, apreende-se que a ênfase desses mecanismos estatais buscou imprimir na educação instrumentos de controle por meio da avaliação dos resultados alcançados pelos estabelecimentos de ensino médio. Esses propósitos impelem a reorganização e a reestruturação dos sistemas educacionais públicos ao transferirem “responsabilidades aos sujeitos envolvidos no processo, retirando do Estado uma parte de suas competências e colocando-o como ente avaliador dessas políticas em uma espécie de (re)centralização” (CABRAL NETO et al., 2006, p. 75). Não obstante, para as instituições escolares, tratou-se da “descentralização para o mercado”, em que se pressupõe “a adoção de medidas que permitam atenuar as fronteiras entre o setor público e o setor privado, de modo que fica também menos nítida a distinção entre os direitos sociais e os direitos individuais” (KRAWCZYK, 2002, p. 344).

Embora a qualidade da educação não seja o foco dessa investigação, ressalta-se que esse termo relaciona-se com a gestão do ensino público, na medida em que sua concepção e a prescrição de seu uso pelo Promed decorrem da transposição das “bases das teorias econômicas” que orientam as ações educativas e fundamentam o “raciocínio linear” dos técnicos do BID, ao compreenderem que “a mera adoção de equipamentos gera resultados satisfatórios” e conduz “a resultados a serem avaliados por meio de índices de desempenho e de rendimento escolar dos alunos e das escolas” (SILVA, H., 2009, p. 222).

A defesa do BID para o estabelecimento de avaliações em larga escala, no âmbito do ensino médio público nacional, explicitou-se nas ações do Promed estabelecidas para o MEC, delineadas com o intuito de efetivar as reformas prescritas, especificamente, em promover o “fortalecimiento institucional de la Secretaría de Educación Media y Tecnológica (SEMTEC) y de los sitemas de información e evaluación em EM [ensino médio] para permitir la adecuada formulación y conducción de políticas para la EM” (BID, 2009, p. 11). Nessa direção, o Banco compreendeu a criação do Enem pelo Inep, em 1998, como “otro avance” (p. 12) positivo, decorrente das alterações estruturais no campo da educação e da redefinição dos conteúdos do ensino médio, propugnadas pelos governos a partir das determinações da LDB e das orientações das DCNEM.

Todavia, dentre os propósitos daquele Exame, destaca-se o de “avaliar o desempenho do aluno ao término da escolaridade básica, para aferir o desenvolvimento de competências fundamentais ao exercício da cidadania” e o de “oferecer uma referência para

que cada cidadão possa proceder a sua auto-avaliação com vista às suas escolhas futuras, tanto em relação ao mercado de trabalho quanto em relação à continuidade de estudos” (MEC, 2001, p. 6). Esses objetivos demonstram, de início, que as instâncias governamentais concebem e tratam o processo educacional de forma individualizada, de modo a responsabilizar os sujeitos do ensino médio por seus eventuais sucessos ou insucessos ao longo da aprendizagem escolar. Nesse sentido, corroboramos com a seguinte crítica dirigida a essa avaliação:

Além de atribuir ao potencial do aluno o seu sucesso pessoal e profissional, abstraindo os fatores econômicos e sociais que lhe condicionam tal ou qual trajetória escolar e social, cabe ainda observarmos que, tal como se apresenta, o Enem, tende, no limite, a prejudicar os alunos oriundos de escolas que contam com precárias condições de funcionamento, oferecidas pelo poder público, que, tradicionalmente, atendem à população pobre. Trata-se, portanto, de uma medida de resultado final, interpretada em uma perspectiva individualizada, desconsiderando as condições do sistema de ensino que, sem dúvida, induzem a produção de "competências" ou "incompetências" nos alunos. (SOUZA, S., 2003, p. 182).

Além disso, evidencia-se no Enem um instrumento viabilizador de uma forma de exclusão que vem sendo observada nos espaços das escolas de educação básica. Trata-se da “eliminação adiada”, que posterga a saída do aluno dos estabelecimentos de ensino, “realizando-a em outro momento mais oportuno”, diferentemente, portanto, da reprovação, que o exclui fisicamente dessas instituições públicas (FREITAS, 2007, p. 972-973).

A operacionalização dessa prática consiste em reduzir a ênfase na avaliação formal e pontual dos alunos em sala de aula e introduzir novas formas organizativas no interior das instituições de ensino, como, por exemplo, progressão continuada, progressão automática e novas modalidades de avaliação informal, ao tempo em que direciona a prática docente e condiciona os currículos escolares “para se obter bons resultados no exame” (SOUZA, S., 2003, p. 183). Desse modo, libera-se o fluxo de alunos no interior das instituições escolares e o conduz “ao fortalecimento do monitoramento por avaliação externa, avaliação de sistema centralizada”, o Enem. Assim, alonga-se a permanência do aluno na escolarização, onde se inclui o ensino médio, e reforça-se a concepção de que por meio do uso de “controle remoto”, a distância, o MEC/Inep e as secretarias de Educação possam interferir nas escolas ou reorientá-las, por intermédio da “exposição dos resultados à sociedade” (FREITAS, 2007, p. 973).

A convenção e a intensificação do uso dessa estratégia no Distrito Federal foram estabelecidas na Resolução no. 1 do CEDF, de 2 de agosto de 2005, ao determinar que “é permitida a progressão parcial […] para a 2ª e 3ª séries do ensino médio, com dependência

em até dois componentes curriculares” (CEDF, 2005, art. 10863). Ademais, da parte da

instância central de comando dessa etapa da educação básica pública distrital, percebeu-se que, antes de ser compreendido como uma avaliação subsidiária ao desempenho dos alunos, no sentido de auxiliá-los no “desenvolvimento de competências” para a “cidadania” e para o “mercado de trabalho” (sic), os resultados do Enem foram utilizados como instrumento de controle da gestão das escolas e de interferência nos seus processos educativos:

Nós fizemos uma gestão pautada na melhoria da qualidade do ensino, em que nós procuramos instrumentos para verificar, em termos avaliativos, como que estava cada instituição de ensino médio. […] nós não tínhamos avaliação […], e fomos conversar com o pessoal do Inep […], porque a única avaliação que nós tínhamos, de como focalizar a gestão do ensino médio, era o Enem […]. Então, o que nós verificamos? Que o Enem, apesar dele ser uma avaliação para o aluno […], ele revela como que está aquela escola quando todos os alunos fazem o Enem. […]. E aí a gente começou a pontuar também dentro de cada escola a sua situação, e que eles tinham que melhorar. E essa melhoria seria com relação a sua instituição educacional. (Gestor D).

Nessa mesma direção, a Resolução no. 1 do CEDF, de 21 de março de 2006, estabeleceu o uso de avaliações institucionais em larga escala como forma de impor padrões de funcionamento às escolas públicas distritais, com vistas à “melhoria da qualidade social da educação” (CEDF, 2006, art. 2º). Perfilhada aos dogmas capitalistas inscritos no BID/Promed, no que se refere à adoção de medidas de desempenho no sistema educacional público distrital, essa norma incluiu, no seu texto, a noção de que a “eficiência e a eficácia na utilização dos recursos financeiros”, pelas instituições escolares, constituem “componentes da qualidade” (art. 5º, VI) e, para sua efetivação, serão consideradas as avaliações internas e externas, sendo essas últimas, “realizadas pelo MEC e por instituições internacionais” (art. 6º, II, “a”), dentre as quais, se destacam o Enem, o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Programme for International Student Assessment - PISA64) e os relatórios do BID para o setor.

63 A Lei no. 9.394/1996 também permite fazer uma explicação do uso que está sendo dado, como no caso da previsão de que “o regimento escolar pode admitir formas de progessão parcial” (BRASIL, 1996, art. 24, III).

64 Trata-se de uma avaliação internacional comparada, com início no ano de 2000, que objetiva estudar, em cerca de “60 países”, incluindo-se o Brasil, “a cada três anos, o desempenho de mais de um milhão de estudantes”, nas áreas específicas de “leitura, matemática e ciências” (COSTA; AFONSO, 2009, p. 1.041). Segundo Ana Paula Oliveira (2011, p. 66), esse programa coleta, também, informações sobre o nível socioeconômico e cultural dos avaliados, e foi implementado por meio de um consórcio internacional, liderado pelo Australian Council for Educational Research (ACER), que “reúne diversos especialistas, com larga experiência internacional, no desenho e execução de sistemas de avaliação”. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), promotora desse exame, foi fundada em 1961 e possui “30 países

Entretanto, compreende-se que a expressão “qualidade social da educação” (sic), no contexto daquela norma, reforçou pressupostos econômicos para o sistema educacional distrital e, do ponto de vista de seu governo e da gestão educacional, desconsiderou “os limites e as imperfeições geradas pelo mercado” e a “incapacidade para corrigir questões sociais, que costumam se agravar quando deixadas à mercê dos interesses do capital financeiro e de empresários” (SILVA, M., 2009, p. 223). Ante ao exposto, e assim como asseverou Silva (Idem), defende-se que

A qualidade social da educação escolar não se ajusta […] aos limites, tabelas, estatísticas e fórmulas numéricas que possam medir um resultado de processos tão complexos e subjetivos, como advogam alguns setores empresariais, que esperam da escola a mera formação de trabalhadores e de consumidores para os seus produtos. A escola de qualidade social é aquela que atenta para um conjunto de elementos e dimensões socioeconômicas e culturais que circundam o modo de viver e as expectativas das famílias e de estudantes em relação à educação; que busca compreender as políticas governamentais, os projetos sociais e ambientais em seu sentido político, voltados para o bem comum; que luta por financiamento adequado, pelo reconhecimento social e valorização dos trabalhadores em educação; que transforma todos os espaços físicos em lugar de aprendizagens significativas e de vivências efetivamente democráticas. (p. 225).

Diante disso, considera-se que, assim como foi expressiva a reestruturação organizacional da SEDF, frente à profusão de determinações verticalizadas e orientações internas e externas, onde se inserem as condicionalidades do Promed, a institucionalização da gestão compartilhada (Lei no. 4.036/2007), no governo distrital de José Roberto Arruda (2007-2010), significou um avanço na concretização do projeto neoliberal para o ensino médio público do Distrito Federal.

Em meio a pressupostos econômicos aplicados à educação, avaliações em larga escala e imposição da subscrição dos governos locais a programas e projetos federais, utilizados como moeda de troca na liberação de financiamentos para a educação básica pública nas unidades federativas, a promulgação daquela norma para a gestão distrital levou adiante o projeto de seu antecessor para esse setor social. Nesse sentido, ela se distingue das legislações anteriores pela velocidade dos processos de racionalização e de descentralização efetivados nessa última etapa da educação básica pública.

Diferentemente da Lei Complementar no. 247/1999 e da Lei no. 3.086/2002, que se

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