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Este estudo analisou a forma que a gestão do ensino médio público no Distrito Federal se configurou durante a execução de uma política pública, o Promed, orientada e financiada por uma organização multilateral de crédito externo, o BID, no período de 1999 a 2007. Compreende-se que esse nível de ensino integra a estrutura educacional nacional e constitui-se como direito social e humano. Suas finalidades objetivam a promoção de conhecimentos voltados para o desenvolvimento crítico dos sujeitos, de modo a interpretarem as realidades social, histórica e política da sociedade, e sobre elas atuarem. Nesse sentido, a gestão enseja um exercício democrático e cidadão, mediatizado por forças que se expressam e se contradizem na atuação da sociedade civil e do governo distrital, e que, por seu turno, resultam na definição das políticas públicas para a educação básica.

As análises partiram do exame do contexto histórico e sociopolítico internacional que permitiram a fundação do BID, em 1959. Seus antecedentes remontam a um cenário mundial marcado pela liderança e imposição de condutas políticas e econômicas dos Estados Unidos da América para a América Latina e o Caribe, especificamente na realização da Primeira Conferência Internacional Americana, com início em 1889. Desde então, e de diferentes maneiras, os processos de reprodução capitalista acirraram domínios e incutiram ideologias voltadas para os interesses de mercado, alheios aos anseios de parte da população das nações do continente americano. Essa política implicou na subjugação dos setores sociais a ajustes estruturais favoráveis à acumulação do capital, e propícios aos desígnios das nações desenvolvidas.

Esse movimento contou com momentos de posicionamentos variados dos países envolvidos nas disputas, ora concordantes, ora dissonantes à preponderância estadunidense nas discussões que envolveram o estabelecimento de uma instância provedora de recursos financeiros, com vistas a fomentar o desenvolvimento da região. Os governos do Brasil contribuíram significativamente na consecução desse projeto heptagenário, sobretudo na diligência do presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira que, oportunizou-se de uma crise diplomática do governo norte-americano e expôs os propagandeados benefícios da constituição de uma instituição multilateral de crédito, sob o controle acionário daquele país. Portanto, o BID se fundou numa conjuntura que comungou os anseios financeiros e desenvolvimentistas dos governos latino-americanos e as necessidades socioeconômicas para a expansão capitalista dos Estados Unidos da América.

do mercado financeiro, ao estabelecer em seu Convênio Constitutivo a finalidade de promover o investimento de recursos públicos e privados, dentre os seus objetivos, e, por outro lado, assegurou a disponibilidade de fundos, obtidos nas transações desse mercado, para custearem empréstimos destinados ao desenvolvimento de seus países membros (BID, 1996). Desse modo, além de manter estreita vinculação com setores econômicos, denotando sua fundamentação capitalista para a obtenção de vantagens monetárias, semelhantemente às grandes corporações bancárias, o BID assumiu importância estratégica no cenário mundial para a trasladação e a injunção de regras socioeconômicas do capital. Com base na inserção de mecanismos de condicionalidades nos acordos, impôs a lógica produtivista aos setores sociais de seus signatários, sob a presunção de melhorias qualitativas.

Os anos de 1990 expressaram a magnitude da presença dessa instituição na conduta das políticas sociais dos países a ela subscrita, notadamente, de seus setores educacionais (Gráficos 1, 2 e 3). Nessa década, os empréstimos destinados à educação brasileira representaram cerca de 60% de todos os acordos firmados com o BID71 (Gráfico 4), desde o início de suas operações creditícias, em 1961. Para o ensino médio público nacional, especificamente, esse aumento na movimentação de recursos implicou no seu alinhamento aos preceitos do mercado, ao tempo em que o subordinou ao crescimento econômico e imprimiu marcas típicas do setor empresarial privado na sua gestão. A partir do diagnóstico da crise do Estado, reduziu-se, ainda mais, o oferecimento de condições materiais estatais para a oferta dessa etapa da educação básica pública, imputando aos seus sujeitos, individualmente, as responsabilidades pelo sucesso e fracasso nos processos educacionais e nas disputas no campo do emprego.

As reformas educacionais, efetivadas com recursos de instituições multilaterais de crédito externo, ainda naquela década, tornaram-se uma constante, sobretudo nos dois governos de Fernando Henrique Cardoso, que as perceberam como parceiras para o avanço socioeconômico do país. E, por conseguinte, acreditaram que elas, em si, seriam capazes de auxiliarem no direcionamento da educação como instrumento para a inserção do país no mercado global, tornando-o competitivo. Esses pressupostos neoliberais romperam com a concepção de direitos sociais, incrustaram na estrutura da gestão dos sistemas os determinantes macroeconômicos e fabricaram a necessidade do modelo gerencial na administração pública. Esse modelo coexiste com o princípio da gestão democrática advindo da LDB (BRASIL, 1996, art. 14), ainda que sob protestos e resistência

71 Conforme registrou a Banca Examinadora, durante a defesa desta dissertação, os anos de 1990 foram marcados por políticas públicas executadas por programas, cada um com sua respectiva “porta”. A comunicação entre eles, ou a falta de comunicabilidade entre eles, portanto, apresenta- se como potencial para novas perspectivas de estudo.

de parte da sociedade organizada.

Nessa conjuntura, formou-se um quadro educativo marcado pela má distribuição dos recursos públicos e pelo aumento das desigualdades do acesso e da permanência dos estudantes nas instituições de ensino médio, de responsabilidade do Estado. Diante disso, e com a alegação de que as receitas dos impostos não foram suficientes para atender às necessidades educacionais (OLIVEIRA, D., 1997), o governo brasileiro solicitou um empréstimo junto ao BID, em 1999, destinado a reformar essa etapa da educação básica. Dessa intenção, originou-se um documento elaborado pelo Banco, a Proposta BR-0300, aprovada pelas esferas administrativas competentes do país e assinada em julho de 2000, com a denominação de Promed, com o objetivo de melhorar a qualidade e aumentar a expansão desse nível de ensino.

As exigências do Banco para os governos brasileiros, decorrentes daquele programa, condicionaram a liberação dos recursos à comprovação da adoção de medidas que resvalaram do campo educativo para os âmbitos político, social e econômico das unidades federativas. As condicionalidades do BID demandaram determinações para os sistemas educacionais nacionais na definição de suas políticas públicas, de modo a orientá- las rumo (i) à modernização e ao reordenamento de suas redes de ensino; (ii) à eficiência nos gastos educativos; (iii) à padronização de processos, procedimentos e funcionamento das/nas instituições públicas de nível médio; e (iv) à elaboração e à efetivação de instrumentos legais, institucionais e organizacionais promotores de maior autogestão das escolas (BID, 2009). Consonantes às pretensões de parte dos dirigentes do país, esses mandamentos do Banco mostraram-se característicos do enfoque produtivo destinado à educação, que a aproxima das finalidades do mercado e dos preceitos neoliberais (SANDER, 2005), e, são contraditórios aos princípios democráticos para a gestão educacional, estabelecidos na Lei no. 9.394/96 e na Constituição Federal.

Nessa perspectiva, a lógica que orientou essas políticas públicas educacionais relegou a luta de classe como eixo estruturante e o substitui pelos ditames do mercado, capazes de atenuar conflitos. Concepções e pressupostos antes destinados ao campo econômico, como, por exemplo, competitividade, desempenho e produto, foram transpostos para a educação, reduzindo-a, ou, pelo menos, tentando reduzi-la, a uma mercadoria comercializável e, por conseguinte, fonte de lucro. De outro modo, o governo federal realiza a descentralização das atividades gestoras do ensino médio público e recentraliza os resultados por meio de avaliações em larga escala, a exemplo do Enem, e, com base nisso, estabelece as instituições merecedoras dos financiamentos. Assim sendo, o uso retórico da autonomia dos estabelecimentos públicos de ensino e da maior eficiência e eficácia nos sistemas acirrou o direcionamento da educação escolar para o mundo produtivo, mantendo-

se as condições materiais mínimas para a prática pedagógica, sobretudo quanto as suas fontes fixas de financiamento. Em termos gerais, subjacente a essas prescrições residiram a tentativa de consolidar um projeto educativo que (i) buscou readequar as instituições escolares de nível médio, (ii) propagandeou sua melhoria e expansão, (iii) convergiu os processos educativos por meio de avaliações massificadas, (iv) impingiu comandos verticais para os sistemas de ensino, (v) dissimulou suas estratégias como se fossem nacionais e (vi) reafirmou os espaços da educação pública como propícios e oportunos à realização de negócios, nos moldes do mercado.

Em seguida, analisou-se o ordenamento institucional do início dos anos de 1990 até 2007, período em que se incluiu o planejamento e a execução do Promed, com prioridade nas questões de gestão do sistema de ensino e examinou-se a gestão do ensino médio público distrital em dois momentos consecutivos, o período antecedente à execução do programa (1990-2001) e o período em que o governo distrital o executou (2001-2007), destacando-se algumas características que os marcaram.

Nesse sentido, registrou-se que simultâneo à aproximação do governo federal a esses delineamentos externos, o governo do Distrito Federal subscreveu a mesma lógica. No ensino médio público distrital, a constituição dessa etapa da educação básica foi permeada pelos ideais desenvolvimentistas de Juscelino Kubitschek de Oliveira, ao compreender a educação como promotora do desenvolvimento econômico (GDF, 2001). Desde esse tempo, persistiu e se incrustou nas normas regimentais voltadas para princípios democráticos.

A partir do acordo firmado entre GDF x MEC/FNDE, o diagnóstico elaborado pelo governo distrital, em cumprimento às condicionalidades do BID, indicou que as concepções de educação e de gestão alinharam-se às determinações do Promed e do MEC, nas DCNEM e nos PCNEM estabelecidos. Da conformidade do ensino médio às orientações introduziu-se a dimensão produtiva nos documentos norteadores e nas práticas educativas dessa etapa da educação básica pública, com implicações que se expressaram na incorporação dos termos: clientela, flexibilidade curricular, mundo da produção e indicadores internacionais nos procedimentos. Coexistem duas vertentes: uma, que compreende os estudantes como consumidores, professores como mediadores das mudanças pretendidas e a escola como agência de serviços subordinada ao mercado, e outra, que reafirma a educação pública, gratuita, laica, e como um direito social, ofertada na escola pública, com financiamento público adequado e com espaços participativos propícios à atuação da comunidade, em prol de um projeto de sociedade democraticamente construído.

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