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A metodologia de acompanhamento dos pacientes (as diversas escolhas feitas no que concerne à propedêutica, fluxogramas para seqüenciamento de exames, etc.) foi definida quando da proposição do projeto, já referido, denominado “Banco de Dados em Uropatias Fetais Diagnosticadas por Ultra-som: Estudo Prospectivo e avaliação dos Fatores Prognósticos”, em 1999. Algumas das considerações desenvolvidas podem não ter relação direta com o trabalho aqui tratado, mas foram mantidas para que se guarde a coerência com a metodologia definida para o Macro-Projeto.

3.2.1 - Abordagem no pré-natal

Em todas as gestantes com indicação para realização de ultra-som pré-natal, a anatomia do trato urinário foi sistematicamente avaliada. Todos os fetos suspeitos de serem portadores de uropatia foram acompanhados prospectivamente, por meio de estudos ecográficos seriados. Essa avaliação foi obtida em intervalos variáveis (semanais ou quinzenais), de acordo com as necessidades clínicas, considerando-se, entretanto, apenas o último laudo realizado antes do parto para comparação com o diagnóstico pós-natal. Os exames foram realizados obedecendo à dinâmica mostrada nas seções seguintes.

3.2.1.1 - Morfologia fetal geral

O estudo segmentar do feto foi realizado, considerando-se a seguinte sistemática: a) visualização do crânio, face, membros superiores e inferiores, órgãos internos do tórax e abdome, buscando malformações associadas; b) biometria fetal – para identificar a idade gestacional e o padrão de crescimento fetal; c) avaliação da placenta e do cordão umbilical; d) avaliação do volume do líquido amniótico, através da medida do ILA, considerando-se como normal o volume entre 8 e18 cm3 (PHERLAN et al., 1987).

3.2.1.2 - Morfologia do trato urinário

Foram avaliados: localização anatômica; relações anatômicas; contorno; ecogenicidade; volume e estruturas anatômicas das unidades renais; presença de cistos, seu tamanho e distribuição. Foram obtidas as seguintes mensurações: comprimento renal (diâmetro no plano longitudinal) e o diâmetro ântero-posterior no corte transversal.

O diagnóstico ultra-sonográfico de dilatação da pelve renal foi estabelecido sempre que verificada uma medida transversal da pelve renal igual ou maior do que 5mm em qualquer idade gestacional.

No que concerne ao estudo do trato urinário: ureter e uretra foram avaliados quanto à presença de dilatações tubulares irregulares e anecóicas em suas respectivas topografias, pesquisando-se a presença de megaureter e megauretra; a bexiga foi examinada definindo-se a ocorrência de megabexiga nas situações em que a bexiga fetal, estrutura arredondada e centralizada no abdome fetal, mantém persistentemente um diâmetro longitudinal maior que 5mm; espessura da parede vesical, avaliada e considerada anormal para um valor maior que 2mm.

3.2.1.3 - Diagnóstico funcional

Foram considerados os seguintes parâmetros da avaliação da função renal do feto: a) aspecto ecográfico do parênquima renal – considerados achados sugestivos de perda ou redução da função renal fetal à presença de hiperecogenicidade do parênquima renal em relação às estruturas vizinhas e a presença de microcistos, isto é, cistos de até 2mm difusamente distribuídos córtex renal; b) volume do líquido amniótico – considerada sugestiva de dano renal fetal a presença de redução do volume do líquido amniótico; c) determinação da osmolaridade da urina fetal – nos casos suspeitos de obstrução uretral, obtida a urina fetal através de punção da bexiga, para determinação indireta da função renal fetal, considerando-

se valor adequado uma osmolaridade fetal menor que 210mOsm/L, e indicação de tratamento intra-útero nos casos de valor adequado da urina fetal.

3.2.2 - Abordagem ao nascimento

Foram registrados em protocolo próprio, dados referentes às gestantes, aos exames ultra-sonográficos, aos recém-nascidos, à propedêutica, ao diagnóstico pós-natal, ao tratamento inicial e às evoluções dos pacientes. Os parágrafos seguintes detalham a metodologia.

Gestantes: idade, endereço, gestações anteriores (GPA), uso de medicamentos, intercorrências na gestação, história familiar de doenças nefrourológicas e procedência.

Exames ultra-sonográficos: para cada avaliação realizada foram coletados dados referentes à indicação obstétrica para o exame, a idade gestacional em que foi realizado, os achados encontrados em relação ao líquido amniótico (normal, oligoidrâmnio, polidrâmnio), rins fetais (hidronefrose, presença de cistos, presença de hiperecogenicidade), ureteres (normal, dilatado, ausente), bexiga (normal, dilatada, ausente).

Recém-nascidos: dados de nascimento, idade de início no protocolo, tipo de parto, idade gestacional em semanas, peso e estatura ao nascimento, sexo, dados clínicos de pressão arterial, palpação abdominal (bexiga e lojas renais), genitália, observações sobre a diurese e jato urinário.

Dados da propedêutica inicial: resultados exames de uréia, creatinina, urina rotina, urocultura, laudo dos exames de imagem (ultra-som, urografia excretora, uretrocistografia miccional, cintilografia renal estática e cintilografia renal dinâmica quando indicados).

Diagnóstico pós-natal, tratamento inicial, dados evolutivos: tempo de seguimento, episódios de infecção do trato urinário, presença de insuficiência renal, presença de complicações, óbito (se ocorreu, causa e data), outras avaliações realizadas.

3.2.3 - Abordagem propedêutica

A avaliação propedêutica feita na criança constou de exames, realizados seqüencialmente, conforme se relata nas seções seguintes.

3.2.3.1 - Avaliação laboratorial

Exame de urina rotina, urocultura, dosagem sérica de uréia e creatinina foram realizados no momento da inclusão da criança no protocolo. Os exames foram realizados, respectivamente, nas sessões de urinálise, bacteriologia e bioquímica do Laboratório Central da Faculdade de Medicina da UFMG.

3.2.3.2 - Avaliação de imagens

A avaliação de imagens foi realizada em todos os neonatos de acordo com o fluxograma da FIG. 1, estando indicada para todas os recém-nascidos com a pelve renal igual ou maior que 5mm em qualquer idade gestacional.

Figura 1 - Fluxograma para avaliação do trato urinário do neonato portador de hidronefrose fetal (BOUZADA, 2003) - Abreviaturas: DAP, diâmetro ântero-posterior; US, ultra-som; UCM, uretrocistografia miccional; UE, urografia excretora; DMSA, cintilografia estática; DTPA, cintilografia dinâmica; RVU, refluxo vesicoureteral)

Ultra-som - a primeira avaliação propedêutica, visando confirmar a alteração

encontrada intra-útero, foi um exame ecográfico, realizado entre o terceiro e quinto dia de vida, no Berçário do Hospital das Clínicas. Se confirmada a anomalia do trato urinário, a propedêutica foi continuada conforme se descreve mais adiante. Se não confirmada, uma reavaliação ecográfica foi obtida aos 30 dias de vida. Foram realizados exames ecográficos aproximadamente a cada 6 meses para os casos leves a moderados de hidronefrose até o seu desaparecimento. A gravidade da hidronefrose foi graduada de acordo com a medida do DAP (será detalhado oportunamente), bem como pela escala padronizada pela Society for Fetal

Urology (FERNBACH et al., 1993).

Os exames foram realizados em equipamentos Siemens (Sonoline SLC) utilizando-se o transdutor de 5 MHz, na posição supina. A mensuração foi obtida nas seções longitudinais e transversais de ambas as unidades renais. Foram registrados: o comprimento (diâmetro longitudinal) renal e o diâmetro transverso no corte longitudinal, o diâmetro transverso e o diâmetro ântero-posterior no corte transversal.

Uretrocistografia miccional (UCM) - a avaliação contrastada do trato urinário

baixo foi obtida na primeira semana de vida, sempre precedida de cobertura antibiótica profilática com 50mg/Kg/dia em dose única de cefalosporina de primeira geração (cefalexina ou cefadroxil).

Os exames são realizados no Serviço de Radiologia do Hospital das Clínicas da UFMG. O preparo consta de: recomendação de jejum de duas horas para lactentes; recomendação para trazer dois acompanhantes. O exame é realizado observando-se os seguintes passos: a) radiografia simples, na posição ântero-posterior, da região pélvica para pesquisa de malformações ósseas e cálculos; b) realização de anti-sepsia da região genital com degermante; c) introdução de sonda vesical de alívio pela uretra (a sonda utilizada varia de número 4, nos recém-nascidos, a número 10, nos lactentes); d) diluição de 200ml de contraste não iônico em 50ml de soro fisiológico; e) infusão na bexiga da solução composta por contrataste não iônico e soro fisiológico, feita por gravidade; f) acompanhamento com a radioscopia das fases de enchimento vesical, repleção vesical e micção; g) realização de radiografia, ântero-posterior, oblíqua direita e oblíqua esquerda com a bexiga repleta; h) retirada da sonda vesical; i) radiografia pós-miccional em ântero-posterior (BARNEWOLT et

al., 1998).

Urografia excretora - essa avaliação é realizada após o primeiro mês de vida ou,

nos casos de maior urgência diagnóstica, tão logo a exigência clínica assim o determine. Os exames foram realizados no Serviço de Radiologia do Hospital das Clínicas da UFMG, também segundo técnica descrita a seguir.

Recomendações de preparo: a) observar jejum de duas horas para lactentes e de 10 a 12 horas para pré-escolares e escolares; b) comparecer acompanhado de dois adultos; c) prescrição de laxante (dulcolax) e dimeticona para pré-escolares e escolares; d) realização de questionário para avaliação de risco de reação ao contraste; e) nos recém-nascidos e lactentes é utilizado contraste não iônico; f) aos pré-escolares e escolares, com história de alergia e asma, é prescrito prednisona e cloridrato de dexclorfeniramina; g) a prednisona é utilizada na dose de 1 a 2mg/kg/dia divididas em 4 doses: às 12 horas, 18 horas e 24 horas do dia anterior e às 6 horas do dia do exame; h) o cloridrato de dexclorofeniramina é prescrito na dose de 0,14 a 0,3mg/kg/dia em dose única, às 6 horas da manha no dia do exame; i) em crianças com historia de alergia grave ao contraste pode ser utilizado contraste não iônico ou, em alguns casos, o exame pode ser contra-indicado.

O exame é realizado seguindo-se o seguinte roteiro: a) radiografia simples de abdome, na posição ântero-posterior, para pesquisa de malformações ósseas e cálculos; b) punção de acesso venoso; c) infusão endovenosa do contraste (dose preconizada e de 4mg/kg nos recém- nascidos, 2mg/kg nos lactentes, contraste infundido em bolus; d) radiografia do abdome para visualização do nefrograma, assim que a infusão do contraste esteja terminada; e) realização de radiografia de abdome após 5 a 8 minutos; f) compressão da região abdominal acima da

sínfise púbica, no momento em que o contraste atingir os cálices e sistemas coletores (em pacientes com obstrução do trato urinário, não e realizada a compressão abdominal); g) colocação do paciente na posição de trendelenburg; h) realização de nova radiografia de abdome; i) retirada da faixa compressiva; j) realização de radiografia de abdome após o paciente realizar uma inspiração; k) paciente ingere água; l) realização de radiografia quando a bexiga está cheia; m) realização de radiografia pós-miccional; n) realização de radiografias após 2, 4, 6 e 24 horas, quando há dificuldade de drenagem sugestivas de obstrução do trato urinário (BARNEWOLT et al., 1998).

Cintilografia renal - a morfologia do parênquima renal foi estudada utilizando-se

radioisótopos: 99tc-ácido diaminotetraetilpentacético (DTPA) para a realização do estudo dinâmico e de fluxo renal e 99tc-ácido dimercaptosuccínico (DMSA) para avaliação estática do parênquima renal. Os estudos foram realizados após o primeiro mês de vida, ou antes, se a condição clínica do paciente assim o exigiu. Os estudos cintilográficos foram realizados Setor de Medicina Nuclear do Hospital Felício Rocho, conforme técnicas e normas padronizadas (MANDELL et al., 1997a; 1997b). Os resultados dos estudos foram avaliados por dois examinadores que desconheciam a evolução clínica dos pacientes em questão.

3.2.4 - Abordagem terapêutica

O tratamento foi indicado de acordo com a uropatia específica de cada criança, não sendo definido a priori. Basicamente, dois tipos de intervenção foram realizados: para os casos de hidronefrose (com ou sem obstrução das vias urinárias), a intervenção terapêutica constituiu-se de quimioterapia ou antibioticoterapia profilática, com intuito de prevenir infecção do trato urinário. Para essa profilaxia foi utilizado sulfametoxazol+trimetoprim (2mg/kg/dia) ou nitrofurantoína (2mg/kg/dia) ou cefalexina (100mg/dia) ou cefadroxil (100mg/ dia), variando a medicação de acordo com a tolerância das crianças, sendo evitado o uso de sulfas e nitrofurantoína no primeiro mês de vida. A profilaxia foi mantida de acordo com os seguintes parâmetros: casos de obstrução ureteral: até a resolução cirúrgica; casos de dilatação sem obstrução ou RVU: até a resolução da dilatação ou até a criança alcançar 2 anos de idade; casos de refluxo vesicoureteral primário: até a resolução do refluxo ou até a criança alcançar 5 anos de idade; casos de derivação do trato urinário: até a reconstituição cirúrgica.

Para os casos de uropatias obstrutivas, confirmada na cintilografia renal dinâmica, indicou-se a intervenção cirúrgica, realizada no HC-UFMG pela equipe de cirurgia pediátrica ou urologia pediátrica da instituição. Nos casos em que a cintilografia dinâmica não apresentou um padrão de obstrução, mas sim uma drenagem retardada, foi adotada uma conduta conservadora, se normal a morfologia do parênquima renal, na cintilografia estática. (DEJTER et al., 1988).

3.2.5 - Abordagem evolutiva

Os pacientes foram acompanhados no Ambulatório Bias Fortes, anexo do Hospital das Clínicas (UFMG), sendo a periodicidade de 3 em 3 meses no primeiro ano de vida e de 4 em 4 meses após o primeiro ano de vida. Esse seguimento foi flexível o suficiente para se adaptar às condições clínicas e sócio-econômicas dos pacientes. Em cada retorno foram reavaliados os exames físicos, a evolução clínica, a pressão arterial, a aderência à profilaxia quimioterápica ou antibiótica e a presença ou não de infecção do trato urinário (urina rotina e urocultura). A avaliação da função renal (uréia e creatinina) foi obtida periodicamente, conforme a exigência clínica (pelo menos uma vez a cada 6 meses). A reavaliação por imagens foi variável de acordo com o tipo de anomalias presente. No caso de uropatias císticas, o exame ultra- sonográfico foi obtido anualmente. No caso das uropatias hidronefróticas não obstrutivas, a reavaliação de cintilografia renal e uretrocistografia miccional (esta no caso de refluxo vesicoureteral) foi realizada a cada 2 anos. No caso de uropatias obstrutivas, 6 meses após a correção cirurgia foi repetida a cintilografia renal e a ultra-sonografia. Todos esses prazos foram subordinados as condições clínicas dos pacientes. Como avaliação final, para este estudo prospectivo proposto, foram repetidos ultra-sons do trato urinário, estudo do clareamento de creatinina em todos os pacientes e uma avaliação de medicina nuclear nos pacientes com diâmetro ântero-posterior da pelve fetal maior que 10mm ou nos pacientes portadores de refluxo vesicoureteral.