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CAPÍTULO III – Persrpectivas da Inclusão Escolar

3.1. A inclusão escolar, seu histórico e suas vozes

3.1.1. O Acompanhamento Terapêutico Escolar

O Acompanhamento Terapêutico Escolar encontra referenciais históricos nas ideias propostas pela Reforma Psiquiátrica, assim como pela Educação Terapêutica elaborada por Kupfer (1997) (Nascimento, 2015). A Reforma Psiquiátrica foi um movimento social e político que intencionou promover uma desospitalização no atentimento no campo da saúde mental, abrindo espaço para outras formas de tratamento (Pitiá e Furegato, 2009). Segundo Pitiá e Furegato (2009), o acompanhamento terapêutico surgiu nesse contexto de transformações e influências direcionadas para o fechamento dos manicômios na Europa Ocidental na década de 1960. A Educação Terapêutica refere-se a uma articulação entre o tratar e o educar no atendimento às crianças que apresentam um desenvolvimento atípico, principalmente àquelas crianças que demonstram falhas na inscrição do registro simbólico (Kupfer, 1997).

Parra (2009) destaca que o acompanhamento terapêutico realizado com crianças com sofrimento psíquico grave acontecia, inicialmente, através d o encaminhamento da escola a partir de uma demanda de queixa escolar. Segundo Fráguas (2004), o acompanhamento terapêutico passou por uma extensão de seu conceito e de sua atuação, o que possibilitou que fosse introduzido como um recurso auxiliar nos projetos de inclusão escolar. Algumas escolas regulares passaram, então, a solicitar o trabalho do acompanhamento terapêutico com o objetivo de facilitar o processo de inclusão de crianças com deficiências.

Neste sentido, ao ser introduzido no contexto educacional, o acompanhamento terapêutico ganha um formato de atuação diferenciado, sendo atravessado também pela

79 dimensão pedagógica. Segundo Fráguas e Berlinck (2001), o acompanhante terapêutico escolar exerce uma função situada no “entre”, ou seja, trabalha e intervém entre o campo pedagógico e o campo terapêutico. Na mesma direção, Coelho (2007) afirma que o acompanhante, atuando no contexto da inclusão escolar, precisa estar preparado para circular entre uma postura pedagógica e uma postura terapêutica. Além disso, é possível destacar que o acompanhante trabalha entre a criança e as outras crianças, entre a criança e a professora, entre a criança e a escola e, em alguns casos, entre a criança e a família (Nascimento, 2015).

Nesse lugar do “entre”, o acompanhante terapêutico escolar pode investir na possibilidade de criar vínculos entre a criança acompanhada e os outros, além de convocar a criança a ser introduzida em um contexto de rotinas e regras, considerando que ao submeter a criança às regras, supõe-se a existência de um sujeito, o que pode produzir efeitos terapêuticos importantes (Assali et al, 1999). O acompanhante terapêutico escolar atua, também, em constante diálogo com a professora (ou professor) de referência para o estudante, ofertando um apoio sobretudo quando esta precisa sustentar funções subjetivas e simbólicas na relação com o aluno, para além da função pedagógica (Kupfer & Petri, 2000).

É importante mencionar, no entanto, que a presença constante do acompanhante terapêutico escolar pode camuflar as faltas institucionais (Assali et al, 1999), ou seja, pode não permitir que aquilo que sabe-se que faz parte da responsabilidade da escola seja visto como tal, pois o acompanhante é posicionado (ou se posiciona) como aquele profissional que pode ou precisa “resolver” todas as questões de aprendizagem ou do comportamento do estudante. Segundo Jerusalinsky (2016), o acompanhante pode vir a

80 ocupar o lugar de para-choque diante daquilo que fracassa no encontro da criança com a escola. A demanda feita ao acompanhante, de acordo com a autora, refere-se a suportar o que é insuportável para a instituição. O acompanhante, nesse caso, precisa dar conta do que a criança não dá e daquilo que a escola não suporta nesse desencontro. Como um para-choque, o acompanhante, nessa posição, protege o professor - ou demais atores escolares - de entrar em relação com o que aparece dessa criança como uma exceção ao aluno ideal (Jerusalinsky, 2016). Nesse sentido, tal lugar de para-choque pode vir a tamponar aquilo que surge enquanto interrogante, no professor, sobre essa criança.

Diante da questão apontada, Gavioli, Ranoya e Abbamonte (2002) afirmam que o acompanhante precisa atuar de modo a produzir questões na escola. Para Nascimento (2015), produzir questões na escola siginifica possibilitar a abertura para o diálogo que promove uma implicação subjetiva, além de fazer com que as dúvidas sobre o aluno e sobre o processo inclusivo circulem e ganhem espaço. Para isso, é importante não dar orientações e prescrições aos professores, mas sim conduzir as questões de uma forma a partir da qual os atores escolares se interroguem sobre suas práticas e que, assim, possam construir algo de produtivo e criativo com suas próprias perguntas e inquietações (Spagnuolo, 2017). Nesse sentido, a intenção é promover um deslocamento de uma posição de queixa para a interrogação, de modo que ocorra um movimento, na produção discursiva do professor, do lugar ocupado pelo aluno (Spagnuolo, 2017). Assim, o professor e o aluno podem produzir saberes sobre si e sobre o seu fazer.

Como afirma Spagnuolo (2017), o acompanhante terapêutico escolar atua no sentido de não permitir que o discurso pedagógico seja excessivo e totalitário para a criança. Jerusalinsky (2016), ao refletir sobre o Acompanhamento Terapêutico e os seus impasses,

81 alerta para que o afã político, social, familiar ou escolar para que a legislação se cumpra - sob o princípio da igualdade de todos - não torne a inclusão um imperativo, onde deixa- se de escutar e ofertar um lugar à singularidade de uma criança. Parra (2009) menciona, inclusive, que a atuação do acompanhamento terapêutico escolar deve levar em consideração o fato de que a criança se encontra em processo de constituição psíquica. Por isso, é imprescindível a compreensão de que “a inclusão se faz caso a caso, com cada criança, turma, professor, coordenador e currículo pedagógico” (Jerusalinsky, 2016, p. 31)

Nesse sentido, Jerusalinsky (2016) enfatiza que o diálogo entre família, escola e clínicos é fundamental, e o acompanhamento terapêutico escolar pode contribuir significativamente com o processo inclusivo se for convocado não para obstruir, mas, sim, para fazer circular a falta que possibilita que todos se interroguem e busquem saídas diante das dificuldades de uma criança. Por, muitas vezes, ser um profissional que adentra o espaço escolar, mas vem de fora, o acompanhante terapêutico escolar tem a chance de produzir interrogantes sobre os ideais e revelar a impossibilidade da tarefa de educar, ao mesmo passo em que trabalha constantemente com os demais atores escolares construindo um lugar possível e suportável para a criança na escola (Spagnuolo, 2017).

3.1.2 Breves considerações sobre o Acompanhamento Terapêutico Escolar, o