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O Acompanhamento Terapêutico Escolar sob uma ótica psicanalítica

CAPÍTULO III – Persrpectivas da Inclusão Escolar

3.2. E a psicanálise, como se inclui no processo de inclusão escolar?

3.2.1. O Acompanhamento Terapêutico Escolar sob uma ótica psicanalítica

Dentro da leitura psicanalítica, considera-se, nesta pesquisa, que o acompanha nt e terapêutico escolar atua na relação da criança com o outro, de modo a buscar uma retomada da estruturação psíquica interrompida ou uma sustentação da construção,

93 mesmo que mínima, de um sujeito que uma criança possa ter estabelecido (Kupfer & Petri, 2000).

Assumindo uma posição de testemunha das situações do cotidiano escolar vivenciadas pelo aluno, o acompanhante promove o reconhecimento das produções e conquistas do mesmo (Gavioli et al., 2002). Tal posição de testemunha e de escuta ativa acontece através da relação transferencial que é estabelecida entre o acompanhante e a criança; sendo importante mencionar que essa relação não é interpretada no processo do acompanhamento terapêutico escolar (Cenamo et al., 1991, citado por Fráguas & Berlinck, 2001).

A partir da transferência e do investimento de desejo, por parte do acompanhante, ocorre uma “antecipação do sujeito”, uma aposta imaginária, considerando que na relação entre adulto e criança, há uma aposta imaginária do adulto nas possibilidades desta, sendo que ela pode responder a essa aposta ou não (Fráguas & Berlinck, 2001). Apostar nas possibilidades e “antecipar o sujeito” significam dar sentido às produções da criança através de uma suposição da existência de um sujeito numa dimensão imaginária.

Spagnuolo (2017) afirma que, a partir da orientação da psicanálise, é possível dizer que há uma posição ética do acompanhante terapêutico escolar de suposição de sujeito. Neste sentido, Fráguas (2004) destaca que o acompanhante deve pinçar, nas falas e nas atitudes das crianças, sinais de uma manifestação de algo do desejo destas. O acompanhante terapêutico escolar precisa atribuir sentido às expressões e comportamentos da criança, para que ela possa reconhecer, posteriormente, o desejo antecipado como algo próprio. É fundamental, também, “sustentar o desejo” quando a

94 criança expressa que gosta de algum espaço da escola, objetos ou relações significativas dentro do contexto escolar a despeito, muitas vezes, de determinadas regras institucionais (Nascimento, 2015).

Diante disso, compreende-se que o acompanhante, sendo um mediador entre o ideal de aluno e o real que se presentifica, representa alguém que sustenta as regras que norteiam a instituição, mas também aquele que oferece um lugar aos interesses do sujeito e à própria construção da subjetividade (Gavioli et al., 2002). Para ofertar um lugar aos interesses do sujeito, é necessário escutá-lo e, como menciona Spagnuolo (2017), compreender que “o saber está na criança, e não no outro, há ali um saber opaco e esfumaçado que esse profissional descobrirá junto com ela” (p. 295). Por isso, a autora afirma que o acompanhante terapêutico escolar precisa posicionar-se em um lugar de não saber para que um saber da criança possa emergir.

É fundamental, ainda, que ocorra uma aposta em um sujeito de aprendizagem (Colli, 1997). Para as professoras, ensinar algo aos estudantes que nada lhe demandam, ou seja, a uma criança que não demanda saber, que não expressa curiosidade, most ra-se como um grande desafio. Entretanto, é justamente na aposta de aprendizagem, inaugurada pela professora, que se encontra uma chance da criança construir “curiosidades parciais”, as quais podem permitir a aprendizagem de alguns conteúdos, mesmo que sem generalizações, além de possibilitar novas formas de circulação social (Bastos, 2001).

Além disso, atuando no “entre”, como foi enfatizado na caracterização sobre a prática, o acompanhante terapêutico escolar trabalha na direção do estabelecimento de um enlace. O termo “enlace”, descrito por Albe e Magarián (1991) e citado por Kupfer (2006) e Kupfer e Petri (2000), remete à atuação do acompanhante terapêutico no

95 tratamento da psicose infantil, a qual faz referência ao estabelecimento do laço social. Quando não há possibilidade em estabelecer exatamente o laço, a proposta é que se aposte em um “enlace”. Dessa forma, o enlace é compreendido como uma forma de circulação possível para as crianças diagnosticadas com autismo (Nascimento, 2015).

É importante mencionar que a relação com as outras crianças, na perspectiva do enlace, é fundamental para a criança com determinados impasses constitutivos - Entraves Estruturais na Constituição Psíquica (EECP) -, como o autismo. Isso porque as outras crianças servem de espelho e modelos de identificação, além de ofertarem, com a convivência, modos e circuitos de demandas, os quais podem fazer com que a criança autista “presencie” sem se sentir invadida (Kupfer et al., 2017). Jerusalinsky (2016) enfatiza que é fundamental que possamos nos interrogar sobre o que possibilita, para cada criança, sustentar desejosamente um laço social, para que o acompanhamento terapêutico escolar não se configure como um imperativo de adaptação social.

Segundo Nascimento (2015), a atuação do acompanhamento terapêutico escolar intenciona produzir marcas e mudanças em todos os âmbitos da sua experiência, inclusive fora dos muros da escola. A autora compreende que quando o trabalho acontece de forma coerente com o que se propõe, direcionado pela noção da retomada da estruturação psíquica para a emergência subjetiva, a partir da perspectiva de uma inclusão simbólica, para além de uma inclusão escolar, é possível notar que o estudante torna-se capaz de se expressar como sujeito e assume uma posição de agente no curso das suas interações sociais.

Jerusalinsky (2016), embasando-se nas considerações psicanalíticas, expressa que o acompanhamento terapêutico possibilita, para as crianças, vivências de travessias

96 e travessuras, ambas experiências estruturantes do sujeito. As travessias servem para realização de certos atos simbólicos que implicam no reconhecimento do rastro do desejo de um sujeito. Além disso, a travessia se refere ao saber fazer como ato do sujeito. Já nas travessuras, a criança põe à prova o saber do adulto, sendo estas fundamentais para que se possa começar a brincar de exercer um saber próprio.

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