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Acordes finais

No documento Ar te e saúde: (páginas 154-159)

Uma breve análise do relato da oficina �Saúde no Poli: construção a partir de canções de Chico Buarque� aponta para algumas possibili-dades que importam à reflexão sobre as práticas educativas em saúde.

Em primeiro lugar, destaco a pertinência dos relatos de práticas educati- vas que se apoiem na perspectiva de análise das representações so-ciais, o que ainda constitui uma lacuna na produção científica brasileira. Para André (2002), a observação do cotidiano escolar que se ancora no aporte metodológico da etnografia é um poderoso aliado de abordagens mais amplas sobre as práticas educativas. Na mesma direção, em traba- lho anterior (Moraes, 2004), expus, por um lado, que se há escassez de estudos voltados para a caracterização das práticas educativas em saú-de, por outro, os esforços de observação e análise do cotidiano em que tais práticas ocorrem são bem-vindos. E ali tentei tratar dessa mesma caracterização. Assim, o presente texto ensaiou escapar de uma curiosa contradição: há vários trabalhos acerca dos marcos teórico-metodológicos da educação em saúde – sobre o que se deve fazer – mas ainda pouco se publica sobre o que se faz.

No caso descrito, esse esforço contribuiu para que fossem revelados outros possíveis aspectos do cotidiano escolar merecedores de investigação, destacando-se dois aspectos: as percepções sobre as relações de gênero; e a discussão sobre meritocracia, que, por um lado, possivelmente tangencia a implantação da política de cotas para alunos de escolas públicas e, por outro, certamente tensiona as leituras sobre trabalho em saúde.

As experiências com estratégias pedagógicas que almejem uma cons-trução coletiva e levem em conta as diferentes interpretações sobre os fa-tores determinantes e condicionantes do processo saúde–doença disputam espaço com a tendência hegemônica da educação em saúde. Essa tendên-cia, geralmente focada em uma visão hierarquizada dos saberes médico e popular, tem na mudança de comportamento dos usuários a finalidade da ação educativa. Observa-se, no discurso desses relatos dominantes, a pre-tensão de promover a melhoria da qualidade de vida da população com base em escolhas consideradas pelo saber médico como mais saudáveis. Um olhar meramente reducionista desvaloriza o papel da determinação social nos problemas de saúde.

Em contraponto a essa visão, algumas características da vertente não hegemônica parecem sinalizar convergências com a educação profissional em saúde pautada pela politecnia. Entre elas, citam-se as seguintes: possibilitar mudanças fundadas na visão dos educandos naquilo planejado anteriormente; enfatizar o diálogo entre teoria e prática partindo da concretude de experiên-cias; desdobrar o processo de problematização em proposição de soluções

coletivas que necessariamente critiquem as formas de inserção no mundo do trabalho e o processo de trabalho em saúde imiscuídos no modelo de desen-volvimento capitalista.

Nessas experiências, a expressão artística parece ir além de uma visão instrumental do uso das artes como meio mais fácil para se chegar a determinado fim, qual seja, o de ensinar um conteúdo. Em seu lugar, o

mergulho estético permite revelar a multiplicidade de visões de mundo

de estudantes e professores, e, no caso do Arte e SAúde, daqueles que trabalham e/ou trabalharão no SUS. Com isso, pode-se incentivar a rela-tivização das hierarquias de saberes estabelecidas no cotidiano escolar, possibilitando a presença do não planejado, do imponderável, da junção de narrativas discentes e docentes. No caso relatado, partiu-se dessa junção para se desenhar um cenário do que se quer na escola. Nessa perspectiva, a linguagem artística não se restringe a uma ferramenta, mas significa a deixa, o mote para o encontro.

Arteiro. [De arte + -eiro].

Adj. 1. Que revela arte ou artifício; manhoso, astucioso, ardiloso. 2. Bras. Que faz artes ou traquinices; traquinas, travesso. (Ferreira, 2004, p. 202)

Agradecimentos

Aos alunos da EPSJV/Fiocruz e outros participantes da oficina, pela cumplicidade. Aos idealizadores e organizadores do Arte e SAúde, pelo mergulho e a possibilidade de registrá-lo. Por fim, a Cassius, pela leitura estrangeira, mas prenhe de sentidos.

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No documento Ar te e saúde: (páginas 154-159)