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ACORDOS BILATERAIS E A SINGULARIDADE DO ESTATUTO DE IMIGRANTE BRASILEIRO

Em seguida, são analisadas as políticas de migração e os acordos bilaterais São conceptualizados como constrangimentos ou facilitadores do movimento, numa

4. ACORDOS BILATERAIS E A SINGULARIDADE DO ESTATUTO DE IMIGRANTE BRASILEIRO

O imigrante brasileiro que reside em Portugal é um nacional de um Estado terceiro relativamente à União Europeia. Mas é, simultaneamente, nacional de um país sig- natário de acordos com Portugal, a maioria dos quais com versões anteriores cele- bradas num período anterior ao do padrão migratório atual, nomeadamente quando a migração entre Portugal e Brasil fluía na direção oposta.

Ao abrigo desses acordos, o imigrante brasileiro pode adquirir um estatuto específico com vantagens comparativas relativamente a outros imigrantes, nesse caso podendo- se considerar que tais elementos de política são, entre as variáveis intermédias da mi- gração (Saint-Maurice e Pires, 1989), suas facilitadoras. Este estatuto contribui para explicar o desenvolvimento da imigração e a heterogeneidade na sua composição. É consensual que situações favoráveis de integração num país recetor, neste caso concreto resultado direto de um instrumento de política que promove a integração, pode influenciar direta ou indiretamente as características dos imigrantes que che- gam ou tentam chegar (Brochmann, 1999a), e podem ser considerados fatores de atração. No caso da imigração brasileira podemos observar estas influências no pe- ríodo a que se convencionou chamar “primeira vaga” migratória, através de condi- ções (em teoria) vantajosas na equivalência de diplomas – exemplo de promoção da integração – – e, pelos seus resultados mais recentes, ainda que sendo uma facili- dade antiga, a dispensa de visto em casos de turismo no fluxo migratório da viragem do Século ao qual se convencionou designar de “segunda vaga”.67 Ambos os efeitos

são resultados mais ou menos diretos desta política acordada bilateralmente. Mais abrangente é o estatuto de igualdade de direitos e deveres, que permite a obtenção de um bilhete de identidade semelhante ao português, apenas com a indicação da nacionalidade e da referência ao Tratado que o estabelece.

Pode dizer-se que dois Tratados de Amizade e Consulta entre Portugal e Brasil en- quadraram cada um dos dois fluxos migratórios brasileiros em dois momentos dis- tintos, além de outros acordos que são, de alguma forma, enquadrados por estes.

67. A Casa do Brasil realizou um estudo em 2004 com base em inquérito por questionário aos imigran- tes brasileiros, que se intitulava “A “segunda vaga” de Imigração Brasileira para Portugal (1998-2003)”, que foi publicado mais tarde numa compilação de estudos sobre a imigração brasileira (Casa do Brasil, 2007), e que já tinha sido divulgado em sessões públicas anteriormente. De aí em diante, os estudos sobre imigração brasileira [por exemplo, Padilla (2005b) e Peixoto e Figueiredo (2007)] referem-se aos dois períodos e tipos de migração brasileira como “primeira” e “segunda” vagas.

O primeiro foi assinado no Rio de Janeiro no dia 16 de novembro de 1953, tendo-se mantido em vigor – sem prejuízo de adendas ou protocolos adicionais – até 22 de abril de 2000. Nesta data foi assinado o mais recente, em Porto Seguro.

Antes daquele primeiro Tratado já tinha sido assinado em Lisboa, em 1948, o Acordo de Cooperação Intelectual entre Portugal e o Brasil, no dia 6 de dezembro (Decreto- -Lei n.º 38: 361, publicado no segundo semestre de 1951), que estará na origem da mobilidade de profissionais qualificados entre os dois países. Nele se estabelecia, no Art.º III “que as Altas Partes contratantes conceder-se-ão mutuamente bolsas de estudo para professores, membros de academias ou institutos literários ou cien- tíficos oficialmente reconhecidos, diplomados universitários e técnicos de formação científica, a fim de habilitá-los a fazer trabalhos ou cursos de investigação ou de aperfeiçoamento científico”. No Art.º V, as partes contratantes comprometem-se a empreender esforços para “conceder, na base da mais completa reciprocidade, o máximo de igualdade relativamente à admissão de cidadãos portugueses e brasilei- ros à matrícula nas Universidades, ao exercício de profissões liberais e à equiparação dos respetivos títulos académicos nos dois países”.

Este Acordo manter-se-ia em vigor por 10 anos (Art.º VIII) e em 7 de setembro de 1966 é assinado, em Lisboa, novo Acordo Cultural entre o Brasil e Portugal. Logo no Art.º I, com o objetivo do estudo, investigação ou pesquisa e difusão da cultura do outro país no seu território, cada Parte Contratante compromete-se a apoiá-lo “pro- movendo o intercâmbio de pessoas, troca de informações e permuta de material”. Continuando na análise de fatores que podem ser vistos como estímulo à emigração brasileira de profissionais qualificados, o Art.º VII referia que cada Parte Contratante “favorecerá e estimulará o intercâmbio de professores, artistas, cientistas, investiga- dores ou pesquisadores, técnicos e demais representantes de outras atividades cul- turais”. A concessão de bolsas de estudo continuava a ser apoiada. E estava prevista a equivalência de estudos no Art.º XIII.

O enquadramento de estudantes e profissionais qualificados é celebrado neste Acor- do Cultural de 1966, com a “equivalência de estudos aos nacionais de qualquer dos dois países que tenham tido aproveitamento escolar em estabelecimentos de ensino da outra Parte” (Art.º XIII), e o reconhecimento “para efeito de exercício de profissão em seu território, os diplomas e títulos profissionais idóneos expedidos por institutos de ensino da outra Parte e desde que devidamente legalizados e emitidos em favor de nacionais de uma ou da outra Parte” (Art.º XIV). Embora tenha sido alvo de su- cessivas referências no caso específico dos dentistas, alegadamente por estar a ser incorretamente aplicado, o acordo de facto estabelece aquela condição mas prevê

situações em que sejam necessários ajustamentos curriculares “favorecendo, em caso de inexistência ou diferença de curso, as necessárias adaptações para o mais próximo” (art.º XIV). O Acordo teve um Protocolo Adicional assinado em 22 de abril de 1971 para clarificar alguns aspetos do Art.º XIII, nomeadamente porque a estrutura de ensino não era semelhante em ambos os países.

O elevado contingente de estudantes e profissionais qualificados entre brasileiros com autorização de residência no final dos anos 1980, início dos anos 1990 (Pinho, 2001), teve estas cláusulas dos acordos como condições possibilitadoras e de se- leção, de alguma forma, se considerarmos a canalização de informação entre os migrantes com estas características enquanto fator importante de explicação da se- letividade ocupacional (Johnson e Salt, 1990: 9). A consubstanciar esta afirmação, os dados sobre os reconhecimentos académicos, em meados dos anos 1990, mostra- vam que os brasileiros eram a única pressão estrangeira consistente sobre o merca- do nacional dos quadros (Peixoto, 2001: 164).

O acordo de maior abrangência para a fixação e integração de brasileiros em Por- tugal seria, contudo – e até ao mais recente Tratado – a Convenção sobre Igualdade de Direitos e Deveres entre Brasileiros e Portugueses assinada em Brasília em 7 de setembro de 1971, já mencionada atrás. O indivíduo de nacionalidade brasileira com residência permanente em território português podia requerer o estatuto geral de igualdade referido, através do Decreto-Lei n.º 126/72, de 22 de abril. A aquisição deste estatuto sociojurídico concedia o direito à obtenção de um bilhete de identidade de modelo igual ao que era passado a cidadãos portugueses, contendo a menção da nacionalidade do titular e a referência à Convenção (Art.º 47, n.º 1).

Com este estatuto, era permitido o exercício de atividades económicas e garantidos os direitos ao trabalho (sem a limitação quantitativa dos 10% de máximo de admissão de estrangeiros em empresas portuguesas, de acordo com a legislação então em vigor) e o desempenho de funções nos órgãos de sociedades ou de quaisquer pes- soas coletivas. Não era tácita a aquisição de direitos políticos, exigia-se a residência permanente e principal em Portugal há mais de cinco anos, bem como a condição de usufruto dos direitos políticos no Brasil, que então se tornava cessante. No caso do estatuto especial de direitos políticos, permitia-se o acesso a cargos governativos à exceção dos apenas acessíveis a portugueses (como o de Presidente da República). Em qualquer dos casos, mantinha-se a nacionalidade brasileira, este diploma legal não revela qualquer relação com a lei da nacionalidade.

O Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta, assinado no Brasil em 2000 entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil, mantém-se em vigor. Foi

aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 83/2000, de 14 de dezem- bro. Este Tratado atualiza e conjuga todos os anteriores, nomeadamente os relativos à isenção de vistos, ao estatuto de igualdade de direitos e deveres (geral e específico de direitos políticos, ambos regulados pelo Decreto-Lei n.º 154/2003, de 15 de julho)68

e o acordo cultural. Decorrentes deste Tratado, como se referiu, são os acordos que se referem a seguir e que têm interesse para o trabalho.

O Acordo para a Contratação Recíproca de Nacionais (Decreto n.º 40/2003, de 19 de setembro de 2003) constituiu um instrumento importante para que imigrantes brasi- leiros aqui residentes em situação irregular, e desde que estivessem na posse de um contrato de trabalho, terem regularizado a sua situação. Estabelecia-se, no Art.º 2, n.º 1, que “a tramitação de qualquer tipo de visto, de acordo com a legislação interna do Estado recetor, não deverá ultrapassar o período de 60 dias contados a partir da instrução completa do processo”, assim como se previa a sua prorrogação no terri- tório do estado recetor (n.º 2 do mesmo artigo).

Este acordo prevê também, no Art.º 6, n.º 1 que “aos nacionais de ambos os Estados Contratantes serão emitidos vistos adequados, nos termos da legislação em vigor no Estado recetor” e, no n.º 2, estabelece não ser necessário um visto consular obtido no país de origem, pois “o facto de um nacional de um dos Estados Contratantes se encontrar no território do outro Estado Contratante à data da assinatura do presente Acordo é considerado razão atendível para a aceitação de um pedido de visto num posto consular de carreira fora da área da sua residência, desde que aí esteja em situação legal e tenha a sua permanência regularizada no Estado Contratante em que se encontra”. Os brasileiros em situação irregular e nas condições atendíveis dirigiram-se a Espanha para regularizar a sua situação, não tendo sido necessá- ria a deslocação a postos consulares de Portugal no Brasil (como seria necessário numa situação normal). O acordo estabelece que, para estadas superiores, o tempo de concessão dos vistos respetivos não deverá ultrapassar 30 dias a partir da data de aceitação do pedido (n.º 1 do Art.º 2).

Tratava-se, neste caso específico, de um diploma que, na forma de um acordo bila- teral que incidiu sobre os imigrantes e a sua integração (Mármora, 2002), previa que as entidades competentes trocavam entre si informação disponível sobre as oportu-

68. Os cidadãos brasileiros que pretendam aceder ao estatuto de igualdade de direitos e deveres ou de direitos políticos, previstos no capítulo 2 do título II do Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil, assinado em Porto Seguro em 22 de Abril de 2000, têm de requerê-lo nos termos do diploma referido.

nidades de trabalho e os setores de atividade em que as mesmas existiam, assim como sobre as disponibilidades de mão de obra, a legislação laboral e sobre entra- da, permanência e contratação de cidadãos estrangeiros (Art.º 7, Art.º 5 e Art.º 10). Era aplicável aos nacionais que, “mediante contratos validados pelos órgãos com- petentes do Estado recetor, se desloquem ao território deste Estado, por períodos limitados de tempo, para aí desenvolverem uma atividade profissional por conta de outrem” (Art.º 2, n.º 1).

O Acordo Sobre a Facilitação de Circulação de Pessoas (Decreto n.º 43/2003, de 24 de setembro de 2003) volta a estabelecer a isenção de vistos para os cidadãos de um país que visitem o outro, por um período de 90 dias e para fins artísticos, culturais, científicos, empresariais, de estágio académico, jornalístico, desportivo ou turístico (n.º do Art.º 1 do Decreto n.º 43/2003 de 24 de setembro), sem que possam exercer uma atividade profissional (n.º 4 do Art.º 1).

A preocupação com a imigração irregular tem como exemplo o Acordo Sobre a Coo- peração Para a Prevenção e Repressão do Tráfico Ilícito de Migrantes assinado en- tre o Brasil e Portugal (Decreto n.º 42/2003, de 20 de setembro de 2003).69 Ambos

os países são signatários do Protocolo contra o Tráfico de Migrantes por Terra, Mar e Ar, adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Trans- nacional. O acordo estabelece o “objetivo de intercâmbio de experiências, informa- ções e demais formas de cooperação para controlo de fluxos migratórios, com o objetivo de promover a prevenção e a repressão do tráfico ilícito de migrantes” (Art.º 1) e “cooperação na área da formação, concretamente para desenvolvimento de ações de formação teórica e prática em matérias relacionadas com o controlo de estrangeiros e a circulação de pessoas, nomeadamente “a) sistemas jurídicos e práticas processuais; b) sistemas informáticos, com ênfase em bancos de dados e fluxo de informações; c) documentação falsa e ou falsificada; d) procedimentos para deteção de pessoas em situação migratória irregular” (Art.º 2). Também se esta- belece o “intercâmbio de experiências relativas aos procedimentos de fiscalização migratória nos seus postos mistos e nos seus controlos móveis de fronteiras com

69. Uma nota final para referir que, no que ao tráfico diz respeito, o Diretor Central de Investigação e Análise de Informação do SEF em 2008 nos informou que não é a este crime que, a existirem redes formais e organizadas com estas características a partir do Brasil, se dedicam. Segundo ele, o mesmo já não se poderá dizer no que respeita a falsificação de documentos e aconselhou-me a fazer uma pes- quisa de notícias sobre esse tema na Internet. No dia 27 de Abril de 2008 eu fiz essa pesquisa no Google com “rede de falsificação de documentos” e apareceram 109 referências só em “páginas de Portugal” e aparecem apenas 30 efetivas (porque omitem semelhantes). Várias notícias referem “várias naciona- lidades” mas a brasileira aparece sempre que listam alguma dessas.

os Estados Partes e associados do Mercosul e com os Estados membros da União Europeia” (Art.º 3).

As dimensões incluídas nos acordos referidos permitem afirmar que estes se tra- tam, na prática, de instrumentos de enquadramento do desenvolvimento da migra- ção brasileira, quer quanto ao seu volume e composição, quer no que respeita às condições de integração dos brasileiros.