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CAPÍTULO III AS MIGRAÇÕES NA HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA

3. SISTEMA NORTE-AMERICANO DE MIGRAÇÕES: OS EUA

Nos anos 1990, os Estados Unidos estariam a passar (ou teriam retomado a) uma época de migrações. Porém, o atentado terrorista às Torres Gémeas (World Trade Center) no 11 de setembro de 2001 acentuou a polémica em torno da associação entre terrorismo e imigração, fazendo crescer a discussão pública acerca do tema. À perceção da vulnerabilidade das fronteiras, o resultado do debate foi o reforço do

controlo das entradas e da emissão de vistos (Kritz, 2002), em consonância com o diploma legal USA Patriot, criado em resposta ao medo de novos ataques terroristas. Este diploma aumentou os poderes da administração (na época, a de Bush) para deter e deportar imigrantes que fossem percebidos como ameaças à segurança na- cional. Estes factos terão atenuado, ainda que não tenham invertido, a tendência de subida exponencial nos movimentos de entrada no país.

Em 1990, os Estados Unidos tinham 19,8 milhões de residentes nascidos no estran- geiro, ou seja, 8% da sua população total. No ano 2000 esta percentagem já havia subido para 11,1%, o que se traduzia em 31,1 milhões de residentes nascidos no estrangeiro (US Census Bureau).

A percentagem de imigrantes na população total tem subido nas últimas décadas em resultado de um recrudescimento da imigração desde os anos 1960. No fim dos anos 1980, a imigração na América do Norte excedeu o recorde observado nas primeiras décadas do Século; entre 1971-93, o total de entradas foi de 9,2 milhões, numa média anual de 929 mil, enquanto no período clássico de migrações, entre 1901-30, o total havia sido de 4,1 milhões de entradas, numa média anual de 411 mil (Massey, 1995).

Durante o período da imigração intensa, ou período clássico, a composição popula- cional era predominantemente europeia, tendo mudado do Norte para a Europa oci- dental e do Sul para a do Leste, acompanhando a generalização da industrialização no continente americano. Depois do período massivo, o grande intervalo de 40 anos terminou com uma descida da imigração europeia e subida da imigração da América Latina.

Sem os europeus entretanto atraídos pelas necessidades de reconstrução dos paí- ses construção do pós-guerra, nos Estados Unidos as suas carências de mão de obra passaram a associar-se à crescente entrada de latino-americanos, nomeada- mente de imigrantes mexicanos, cubanos, dominicanos e colombianos. Esta subida verificou-se depois de 1965 e do fim do programa Bracero, quando as mudanças na Lei da Imigração e Nacionalidade (Immigration and Nationality Act) até vieram a impor limites à entrada de imigrantes com esta proveniência. Até então, o sistema de quotas em vigor, que vinha dos anos 1920, era omisso relativamente a quem fosse originário da América Latina e Caraíbas (Cerrutti e Massey, 2004).

A mudança na legislação de migração abolia também os anteriores obstáculos às entradas dos asiáticose abriram-se precedentes para fluxos da Coreia, Taiwan, Chi-

na, Filipinas e outros países asiáticos (Massey, 1995).39 O aumento da imigração para

os EUA é, deste modo, acompanhado pela diversificação das origens dos migrantes, quer em termos de países, quer de continentes, acompanhando a tendência mundial para a diferenciação das migrações. Do total dos imigrantes, cerca de metade é da América Latina – com uma forte contribuição de mexicanos – aproximadamente um quarto são asiáticos e apenas 15,8% nasceram na Europa (quadro 3.2).

39. Nos anos 20 foram estabelecidas quotas à imigração pelos Estados Unidos da América, de acordo com as quais estava proibida a imigração asiática e africana, e havia limites muito restritos à entrada de indivíduos provenientes da Europa ocidental e do Sul (Cerrutti e Massey, 2004; Massey, 1995). Em 1965, as mudanças na lei foram no sentido de eliminar a discriminação anterior e alargar os limites que pareciam mais defensáveis numa época de expansão dos direitos civis. Cada país na Europa, Áfri- ca, Ásia e Pacífico tinha direito a 20 mil vistos anuais, que eram alocados de acordo com um sistema de preferências que dava prioridade a familiares de cidadãos norte-americanos e a estrangeiros residen- tes, assim como a pessoas com qualificações de que os Estados Unidos necessitassem. Estas regiões concorriam para um limite de 170 mil vistos por ano. Este diploma, que ficou com o nome dos legisla- dores (Har-Celler), não fixou quotas por país de proveniência, na América do Norte, Sul ou Caraíbas, mas limitava a um total de 120 mil por ano as entradas cuja origem fosse a região, assim como fixava um teto de 290 mil anuais para o mundo inteiro (Cerrutti e Massey, 2004).

40. A fonte é diferente, a América Latina não é considerada com esta designação e aqui o México está incluído na América do Norte.

Quadro 3.2 - Residentes nos EUA nascidos no estrangeiro, por região de nascimento, 2000

Fonte: US Census Bureau, Census 2000.

Região N % Total 31.107.573 100 Europa 4.915.557 15,8 Ásia 8.226.254 26,4 África 881.300 2,8 Oceânia 168.046 0,5 América Latina 16.086.974 51,7 América do Norte 829.443 2,7

A subida da imigração nos Estados Unidos e a diversificação dos fluxos podem ser conferidas, também, nos totais anuais de autorizações de residência permanente concedidas no início do Século XXI (ver quadro 3.3). Das cerca de 706 mil atribuídas em 2003, as autorizações de residência ultrapassaram um milhão em 2008. A Ásia e a América do Norte (só o México com 17% e 16%, respetivamente em 2008 e 2003) são as regiões de onde são provenientes mais imigrantes a quem foi atribuída auto- rização em qualquer dos anos.40

Quadro 3.3 - Autorizações de residência permanente legal nos Estados Unidos, por região e país de origem, 2003 e 2008

Fonte: US Department of Homeland Security, Computer Linked Applicant Information Managements System (CLAIMS). Nota: existem dados anuais entre 2003 e 2005 mas, pretendendo-se analisar a evo- lução, é possível apenas com os dados destes dois anos.

2008 2003

Região / país de origem N % Região / país de origem N %

Total 1.107.126 100,0 Total 705.827 100,0 Região Região África 105.915 9,6 África 48.738 6,9 Ásia 383.608 34,6 Ásia 244.759 34,7 Europa 119.138 10,8 Europa 100.769 14,3 América do Norte Caraíbas América Central Outra América do Norte

393.253 137.098 50.840 205.315 35,5 12,4 4,6 18,5 América do Norte Caraíbas América Central Outra América do Norte

250.667 68.756 54.565 127.346 35,5 9,7 7,7 18,0 Oceânia 5.263 0,5 Oceânia 43.777 0,6

América do Sul 98.555 8,9 América do Sul 55.247 7,8

Desconhecido 1.394 0,1 Desconhecido 1.270 0,2 País País México 189.989 17,2 México 115.864 16,4 China 80.271 7,3 Índia 50.372 7,1 Índia 63.352 5,7 China 40.659 5,8 Filipinas 54.030 4,9 Filipinas 45.397 6,4 Cuba 49.500 4,5 Cuba 9.304 1,3

República Dominicana 31.879 2,9 Vietname 22.133 3,1

Vietname 31.497 2,8 República Dominicana 26.205 3,7

Colômbia 30.213 2,7 Coreia 12.512 1,8

Coreia 26.666 2,4 Colômbia 14.777 2,1

Haiti 26.007 2,3 Ucrânia 11.666 1,7

Paquistão 19.719 1,8 Canadá 11.446 1,6

El Salvador 19.659 1,8 El Salvador 28.296 4,0

Jamaica 18.477 1,7 Reino Unido 11.666 1,7

Guatemala 16.182 1,5 Jamaica 13.384 1,9

Peru 15.184 1,4 Rússia 13.951 2,0

Canadá 15.109 1,4 Guatemala 14.415 2,0

Reino Unido 14.348 1,3 Brasil 6.357 0,9

Irão 13.852 1,3 Peru 9.444 1,3

Etiópia 12.917 1,2 Polónia 10.526 1,5

Nigéria 12.475 1,1 Paquistão 9.444 1,3

O peso dos países da Europa nas origens dos imigrantes decresceu no período de referência (2003-2008), de 14% para 11%, embora tenha subido (muito ligeiramente) em termos absolutos. O Reino Unido é o único país que aparece como origem no conjunto dos 20 fluxos mais significativos.

Uma tendência contrária à da Europa é a que África apresenta, pois subiu para cer- ca de 10% no conjunto das regiões de origem dos detentores de autorizações de residência permanente concedidas em 2008, significando 7% em 2003. Em termos absolutos, os imigrantes desta região duplicaram no conjunto das autorizações le- gais atribuídas para residir. A Etiópia e a Nigéria aparecem na lista dos países com representação mais significativa nas proveniências dos imigrantes.

O Brasil aparece na distribuição das residências legais dos imigrantes em 2003 com 6.357 concessões e em anos seguintes, mas em 2008 já está agregado com outros países (por haver outros que assumem maior peso proporcional). O padrão dos Es- tados Unidos demonstra a história do colonialismo e das intervenções militares. Os países que enviam grande número de migrantes para os EUA tendem a ser os que têm laços económicos, políticos e militares com este país (Massey e outros 1998). A proximidade geográfica com países com os quais existem laços do tipo enunciado é mais um fator a ser tido em consideração, neste caso comum às migrações na sua generalidade.41

Existe uma articulação dos Estados Unidos com o conjunto de países de língua es- panhola, que se reflete na emergência de correntes de migração com origem na América central, e também no facto de o maior fluxo (que parece continuar a crescer) ter origem no México. Entre 1981 e 1990, partiram do México 1,7 milhões de imigran- tes legais para os Estados Unidos (Massey e outros, 1998). De acordo com os dados do Censo de 1990 residiam 4,3 milhões de mexicanos nos EUA, tendo esse número quintuplicado nos 10 anos seguintes e em 2000 já eram 20,6 milhões (US Census Bureau), com concessões anuais de autorização de residência que, nos últimos anos, se situam nas cerca de 150 mil por ano (190 mil em 2008, como pode verificar-se no quadro 3.3) tendo mesmo ultrapassado as 200 mil em 2002 (US Department of Homeland Security).

41. De acordo com o Relatório de Desenvolvimento Humano de 2009, quase metade de todos os mi- grantes internacionais deslocam-se dentro dos limites da sua região de origem e cerca de 40% deslo- cam-se para países vizinhos. Esta proximidade entre países de origem e de destino não é apenas geo- gráfica, pois perto de seis em cada 10 migrantes deslocam-se para um país onde a religião dominante seja a mesma da do seu próprio país, e quatro de 10 para uma país onde a língua dominante é a mesma (PNUD, 2009: 22).

As políticas na América do Norte manifestaram orientações contraditórias com res- peito à migração internacional. O Canadá, o México e os EUA tentaram uma integra- ção de mercados, seguindo uma lógica de acordo de comércio livre (Massey e outros, 1998). A criação deste mercado integrado, o NAFTA – North American Free Trade Agreement, por um lado, tende a acelerar os agentes económicos que o compõem, incluindo o trabalho; mas, por outro lado, o Canadá e os Estados Unidos tentaram impor políticas restritivas de imigração, reagindo a rejeições públicas dos imigrantes dos países membros do acordo, em especial o México (Massey e outros, 1998). Os resultados destes dilemas foram fluxos de migrantes com uma forte componente de ilegalidade durante os anos 1970 e 1980, desenvolvidos depois do fim do Progra- ma Bracero, que atravessam a fronteira do México com os Estados Unidos. Em 1964 haviam sido efetuadas 87 mil prisões de estrangeiros ilegais, e em 1986 foram já 1,8 milhões os estrangeiros presos e expulsos (Cerrutti e Massey, 2004). Neste ano, e para que a imigração não se tornasse uma questão pública, o Congresso criou o IRCA – Immigration Reform and Control Act e legalizou 3,3 milhões imigrantes indo- cumentados (Massey, 1995). De zonas da fronteira muito patrulhadas, os migrantes que tentam atravessar mudaram-se para outras menos exploradas (Cerrutti e Mas- sey, 2004), os fluxos irregulares continuaram e estima-se que residam cerca de 4,7 milhões de mexicanos ilegalmente no país (US Department of Homeland Security). Pelo México também atravessam migrantes da restante América Latina, incluindo do Brasil, onde o auxílio no processo está acessível por preços que variam entre os 10 mil e os 20 mil dólares pagos a “atravessadores” (Patarra, 2005).

O desenvolvimento dos fluxos asiáticos associou-se às condições menos desfavo- ráveis que as mudanças na legislação em 1965 proporcionaram, nomeadamente a supressão da discriminação explícita. Mas deve ser acrescentado que cerca de um terço dos imigrantes asiáticos desde os anos 1970 deve a sua deslocação à interven- ção dos Estados Unidos na Indochina (Massey, 1995).