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2.3. Enquadramento teórico

2.3.1. Adjunção

Do ponto de vista da sua organização funcional, uma frase pode conter, para além do predicador e dos seus argumentos, expressões “que enquadram as situações descritas em dimensões circunstanciais de natureza variada” mas “não são essenciais para completar o sentido do predicador e, logo, para obter uma proposição (completa)” (GP: 364). Chamamos estes constituintes adjuntos adverbiais21 (ou adjuntos)22.

São adjuntos adverbiais que primariamente “contribuem para o significado do sintagma verbal, quantificando, qualificando ou localizando (temporal ou espacialmente) a situação que se descreve” (ibidem: 1161).

Observemos as frases seguintes23: (1) Os pais compraram um carro novo. (2) Os pais compraram um carro novo ontem. (3) Os pais compraram um carro novo esta semana.

(4) Os pais compraram um carro novo às 11h no dia 1 de setembro de 2014. (5) Os pais compraram um carro novo há pouco tempo.

(6) Os pais compraram um carro novo depois do seu regresso a Portugal. (7) Os pais compraram um carro novo logo depois do seu regresso a Portugal . (8) Os pais compraram um carro novo depois de vários anos de poupança.

20Veja-se adiante uma análise da ambiguidade semântica na frase O Paulo está com um problema no joelho,

mas conta treinar até ao final do mês (exemplo de Móia (1995)).

21A inclusão do adjetivo “adverbial” na expressão remete apenas a uma função típica dos advérbios e não faz

ligação à sua classe estrutural, visto que outras classes sintagmáticas também podem exercer a função do adjunto adverbial. É de notar que adjuntos podem modificar não só os verbos mas também os nomes eventivos, chamados neste caso adjuntos adnominais (Lembro-me do nosso encontro há muitos anos

atrás).

22Em outras gramáticas usam-se também os termos “adjunto circunstancial”, “complemento circunstancial”

ou “modificador adverbial”.

23Colocamos as expressões temporais na posição final da frase (quando isto for aceitável) para tornar os

(9) Os pais compraram um carro novo depois que ganharam um prémio24. (10) Os pais compraram um carro novo depois de ganharem um prémio. (11) Depois de ganhar um prémio os pais compraram um carro novo

Todos os elementos da frase assinalados em itálico exercem uma função de adjuntos adverbiais de localização temporal, pertencendo às várias classes estruturais. O facto de estes constituintes poderem ser facilmente omitidos sem que a frase deixe de ter um conteúdo proposicional completo, como em (1), confirma a sua função de adjuntos. Embora os adjuntos não sejam essenciais, nem gramaticalmente nem semanticamente, para a boa formação da frase (em contraste com os complementos do verbo), a informação circunstancial sobre a situação que eles fornecem pode ser de grande importância numa situação comunicativa particular.

Assim, todos os adjuntos presentes nos exemplos, localizam temporalmente uma situação descrita na frase; alguns deles, indicando a data e hora certa do evento acontecer (4), outros, dando uma informação temporal aproximada e realizando a localização em relação ao momento de fala (2), (3) e (5), e os terceiros, relacionando a situação descrita com uma outra situação (6), (7), (8), (9), (10) e (11).

Os exemplos acima ilustram uma variedade de estruturas que podem realizar a localização temporal adjunta: assim, em (2), o adjunto é o advérbio; em (3), o sintagma nominal; em (4), (5)25, (6), (7) e (8) os adjuntos são representados por sintagmas preposicionais, em alguns deles, nomeadamente, em (6), (7) e (8), o complemento é constituído por um nome eventivo; em (9), o adjunto é uma oração subordinada finita, em (10), uma oração subordinada de infinitivo flexionado e em (11), uma oração subordinada de infinito não flexionado.

Deste modo, o estudo de adjuntos adverbiais constitui uma tarefa complexa, mesmo se considerarmos apenas um dos seus numerosos valores semânticos - o tempo. A sua complexidade advém da diversidade de formas que os expressam, da variedade de interpretações que um só adjunto temporal pode introduzir26, da sua posição na frase e da natureza categorial e referencial dos seus constituintes.

Respeitando os limites do presente trabalho, optamos por analisar apenas as expressões temporais na função de adjuntos que, do ponto de vista formal, são introduzidas por sintagmas preposicionais27 e do ponto de vista semântico, apresentam o valor da localização temporal.

Deste modo, o nosso trabalho não inclui o estudo dos adjuntos expressos por advérbios, como em (2), nem os casos da adjunção representados por (9), (10) e (11).

Os advérbios temporais, sem dúvida, merecem um estudo à parte no âmbito de PLE. Uma distinção do significado e uso de advérbios como brevemente, futuramente, imediatamente, recentemente, outrora, etc., bem como vários usos contextuais e discursivos de agora, logo, já, podem causar dúvidas legítimas ao aprendente de PLE.

No que diz respeito às orações subordinadas adverbiais, verificámos que o seu uso nos

24Depois que tende, na atualidade, a ser evitado pelos falantes, quer no discurso oral quer no discurso escrito. 25Uma discussão sobre o estatuto categorial do conetor há segue na secção 2.3.2.

26Tenha-se em linha de conta que esta interpretação depende do tipo de verbo com que combina e do tempo

morfológico da forma verbal.

27Cujo núcleo constituem preposições, locuções prepositivas e conetores que consideramos muito próximos

manuais de PLE, tipicamente, se aborda aquando do trabalho sobre os conteúdos gramaticais dedicados aos temas “Verbo em Conjuntivo”, “Infinitivo Flexionado”, “Infinitivo não flexionado”.

Para melhor se perceber o paralelismo semântico entre várias estruturas sintáticas, atente-se nas frases:

(1) Eu li o livro com atenção e percebi a ideia do autor

(2) Depois de ter lido o livro com atenção, percebi a ideia do autor (3) Depois da leitura atenciosa do livro, percebi a ideia do autor

Cada dos exemplos apresenta duas situações (de “eu ler o livro com atenção” e de “eu perceber a ideia do autor”) relacionadas entre si; nomeadamente, a primeira situação é interpretada como sendo anterior à segunda.

A frase (1) apresenta um exemplo de coordenação assimétrica, quando a ordem das duas orações (coordenadas pela conjunção e) denota uma sequência temporal. Em (2) estamos perante duas orações conectadas por subordinação onde o conector depois de exprime um valor temporal de posterioridade; e em (3) o mesmo valor é introduzido pelo adjunto adverbial de localização temporal composto por uma locução prepositiva (depois de) e o seu complemento expresso por nome deverbal que guarda a sua grelha temática (a leitura atenciosa do livro).

Repare-se que (1), (2) e (3) referem o mesmo estado de coisas e asseguram a coerência e a coesão temporal entre as situações interpretadas como sequenciais no tempo, envolvendo também uma relação de causalidade entre si (“eu li o livro com atenção e por isso percebi a ideia do autor”). A diferença entre as três frases consiste nas estruturas sintáticas que as formam. A escolha destas pelo falante no processo da comunicação pode depender de diversos fatores, entre quais o modo de produção falado ou escrito, o registo formal ou informal, o tipo do discurso.

Numa perspetiva do ensino-aprendizagem de PLE, é importante realçar um mecanismo linguístico que consiste na conversão de uma frase em sintagma nominal (o processo chamado por alguns autores nominalização28) e vice versa. A preferência do uso de um adjunto em vez de uma oração é mais comum nos textos escritos ou no discurso mais formal. Consideramos importante que os aprendentes de PLE (começando com nível A2 ou B1) saibam usar o mecanismo acima referido nas várias situações de comunicação. O presente trabalho analisa o uso de alguns conetores temporais que podem introduzir como complemento nomes eventivos, de maneira que uma situação se encontra compactada no adjunto temporal (antes de, durante, depois de, após, a partir de, até, desde).

Como já referimos, os sintagmas preposicionais com função de adjuntos representam uma “zona cinzenta” no quadro atual dos documentos de ensino PLE, apesar da sua alta frequência no discurso. Foi este o facto que nos levou escolhê-los como o tema principal deste trabalho.

Passaremos agora à análise desta classe sintagmática.