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O SISTEMA DE COBRANÇA DOS DÍZIMOS

4.1. Administração directa ou arrendamento?

O arrendamento era o método de cobrança mais utilizado. Porém, não o era da mesma forma por todos os proprietários e, cremos, em todas as épocas (quadro 33). Apesar de tudo, o peso global da administração directa (ligeiramente superior a 40%) foi, em grande medida, uma surpresa. Explicável, como veremos de seguida, mas em todo o caso uma surpresa. Em quase toda a historiografia portuguesa que se tem dedicado, directa ou indirectamente, ao estudo dos dízimos é afirmado o carácter excepcional e pontual que reveste o recurso à administração directa por parte dos proprietários dos dízimos216.

33 – Métodos de cobrança de acordo com a localização dos proprietários

Localização dos

proprietários Arrend. %Ar Adm. %Ad Total c/dados Desconhecido Total geral*

No Arcebispado 1154 48,45 1228 51,55 2382

Fora do Arcebispado 799 89,78 91 10,22 890

Desconhecida 25 71,43 10 28,57 35

Total 1983 100,00 1329 100,00 3312 309 3621

%T 59,87 40,13 100,00 8,53

* Este valor explica-se pelo facto de termos 607 freguesias, com dados para 5 anos (607x5=3035), muitas delas repartidas por mais do que um proprietário que poderiam optar por métodos de cobrança diferentes.

Havia factores que influenciavam a escolha do arrendamento ou da administração directa. O factor geográfico era sem dúvida um desses. Verificamos que são as entidades cuja residência ou sede se encontrava no arcebispado de Braga, ou seja, estava mais próxima ou coincidia com as dizimarias, que mais vezes recorriam à administração directa. As entidades estranhas à região preferiam claramente o arrendamento, optando menos vezes pela administração directa. Esta opção podia estar relacionada com dificuldades em encontrar arrematantes para os dízimos, o que seria natural, pois os riscos desta actividade certamente iam sendo maiores à medida que o país caminhava para a instabilidade política e para a guerra civil.

216 Cf. Aurélio de Oliveira, A Abadia de Tibães..., pp. 374-375; Idem, “Rendas e Arrendamentos da Colegiada

de Nossa Senhora da Oliveira de Guimarães (1684-1731)”, in Actas do Congresso histórico de Guimarães e

sua Colegiada, Vol. II, Guimarães, 1981, pág. 114; Idem, “Contabilidade Monástica...”, pp. 162-163; Fernanda

Paula Sousa Maia, O Mosteiro de Bustelo..., pág. 187; Célia Maria Taborda da Silva, O Mosteiro de Ganfei, pág. 152; Inês Amorim, O Mosteiro de Grijó..., pág. 125; Margarida Sobral Neto, Terra e Conflito..., pág. 63. Porém, a maioria destes estudos termina no triénio liberal ou mesmo antes e pensamos que a Revolução de 1820 corresponde, precisamente, ao ponto de viragem nesta e noutras questões, como procuraremos demonstrar nas páginas seguintes.

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34 – Métodos de cobrança de acordo com a categoria dos proprietários

Proprietários Arrend. %Ar Adm. %Ad Total c/dados

Universidade de Coimbra 80 100,00 0 0,00 80

Mitra Primaz 115 95,83 5 4,17 120

Igreja Patriarcal de Lisboa 240 90,91 24 9,09 264

Nobreza 306 88,95 38 11,05 344 Casa do Infantado 73 85,88 12 14,12 85 Cabido e Colegiadas 127 79,38 33 20,63 160 Outros 80 77,67 23 22,33 103 Câmaras Municipais 15 75,00 5 25,00 20 Conventos e mosteiros 289 73,16 106 26,84 395

Abades s/cura – Beneficiados 55 68,75 25 31,25 80

Dignidades e Cónegos 127 54,04 108 45,96 235

Clero paroquial 476 33,38 950 66,62 1426

Total 1983 59,87 1329 40,13 3312

Se analisarmos com mais detalhe as opções pelo método de cobrança, vemos que são os grandes proprietários de rendas e, em particular, os que se situam fora do arcebispado que recorrem, maioritária ou mesmo exclusivamente ao arren- damento dos seus dízimos, como é o caso da Universidade de Coimbra (quadro 34)217. No sentido oposto aparece o clero paroquial, dando preferência à admi-

nistração directa. Também muitas são as vezes em que os membros dos cabidos e colegiadas optam por este método de cobrança e o mesmo se pode dizer das casas de religiosos regulares.

Porém, não era só o factor proximidade que influenciava a escolha do método de cobrança, mas também o volume de rendas a gerir e a sua maior ou menor dispersão geográfica. Não será necessário, neste caso, falar de instituições como a Igreja Patriarcal, a Casa do Infantado ou a Universidade que tinham rendimentos espalhados um pouco por todo o reino e bastará verificar a opção feita pela Mitra de Braga. As suas rendas abrangiam todo o arcebispado e, tendo em conta a dimensão deste, era natural que esta instituição escolhesse predominantemente o arrendamento. Era uma forma de garantir um rendimento certo, sem estar sujeito às incertezas e despesas da administração directa. Opção que era comum a outras dioceses portuguesas e espanholas218.

217 Algo que era já comum a esta instituição desde o século XVIII. Cf. Fernando Taveira da Fonseca, A

Universidade de Coimbra..., pp. 695 a 700.

218 Veja-se o caso da mitra de Faro em Joaquim Romero de Magalhães, O Algarve Económico..., pág. 187; da

mitra de Santiago de Compostela em Ofelia Rey Castelao, “Estructura y evolución de una economía rentista de Antiguo Régimen: La Mitra Arzobispal de Santiago”, in Compostellanum, XXXV, Santiago de Compostela,

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Eram os párocos proprietários das dizimarias, os abades, que preferiam administrar os seus rendimentos. Neste caso, mais de 67% optavam predominantemente pela administração directa das suas rendas e 56% só utilizava mesmo este método de cobrança entre 1827 e 1831219. Há mesmo casos

de abades que, recebendo dízimos de duas freguesias, continuam a optar pela cobrança directa. Encarregam-se eles próprios de recolher os dízimos, pelo menos, na freguesia que pastoreiam e na outra delegam essa tarefa em funcionários ou criados. Era o que acontecia com o abade Francisco Abreu Coutinho, de Meixedo, que entre 1827 e 1831 cobrou os dízimos dessa freguesia e os de Orbacém. Nesta última recorreu aos serviços de uma “colhedora”, Maria Luísa Lourença, viúva e residente na mesma freguesia220.

A opção por um ou outro método de cobrança podia ser influenciada pelas épocas de crise, de convulsão social e política, e não nos podemos esquecer de que o inquérito corresponde ao reinado de D. Miguel e à guerra civil. Foi considerando esta perspectiva histórica que analisámos a evolução dos valores da administração e do arrendamento. Apesar de ser pouco significativo, nota-se um ligeiro aumento da percentagem de dizimarias administradas directamente quando comparamos 1827 (39%) e 1831 (41%). É óbvio que esta evolução pode ser o resultado de uma ou outra opção pontual de um determinado número de proprietários. Não deixa, contudo, de ser uma tendência, talvez forçada pelo rumo dos acontecimentos uma vez que a instabilidade tendia a afastar os rendeiros, com se terá oportunidade de verificar221.

1990, pág. 470; de várias mitras espanholas cujo estudo foi levado a cabo por Maximiliano Barrio Gozalo em diversos números da revista Anthologica Annua, entre 1981 e 1993. Veja-se, por exemplo, o artigo dedicado aos bispos galegos em “Perfil socio-económico de una élite de poder (III): Los obispos del Reino de Galicia, (1600-1840)”, in Anthologica Annua, n.º 32, 1985, pp. 62 e 72-75. Uma visão de conjunto sobre as opções de várias entidades e, basicamente, com os mesmos resultados agora apontados por nós, é dada para a Galiza em Angel I. Fernández González, A fiscalidade eclesiástica..., pp. 182 e 190 a 196. Também este autor refere que ficava mais barato aos proprietários de dízimos arrendar a cobrança dos mesmos do que empregar criados ou administradores pagos por si. Cf. Idem, pág. 617.

219 As percentagens referem-se, neste caso, ao número de abades e não ao número de observações total, uma

vez que também havia priores e outros, poucos, párocos a receber dízimos directamente. Esta preferência dos párocos pela administração directa já tinha sido apontada por Eiras Roel para a Galiza. Cf. “Evolucion del producto decimal en Galicia...”, pág. 55. Algo reafirmado de forma inequívoca por Angel I. Fernández González, A fiscalidade eclesiástica..., pp. 181 e 185 a 190.

220 Cf. ANTT, AHMF, Tesouro Público, caixa 4306, concelho de Caminha.

221 A influência da conjuntura política nos arrendamentos e, mais especificamente, na “desistência progressiva

dos homens que controlavam a arrecadação” das rendas senhoriais entre 1818 e 1832 foi realçada por Margarida Sobral Neto no seu trabalho sobre o Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra. Cf. Terra e Conflito..., pág. 376.

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