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Conforme Sander (2005), duas décadas atrás, era praticamente inexistente, na teoria e na prática da educação brasileira, o uso do termo gestão. “Os primeiros que se aventuraram a utilizá-lo eram encarados com ar de desconfiança, até mesmo de desaprovação” (SANDER, 2005, p. 45). Segundo o referido autor, havia desconfiança e desaprovação provavelmente porque os primeiros a adotar o termo foram os administradores de empresa, além de por ele ter sido trazido por representantes do pensamento liberal que atuavam nos bancos internacionais de desenvolvimento e nos organismos multilaterais de cooperação técnica.

Apesar dessa rejeição, o termo gestão foi se impondo crescentemente no pensamento administrativo do setor público e da educação brasileira. “É consagrado na Constituição de 1988, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 e em numerosos instrumentos legais dos sistemas de ensino do País” (SANDER, 2005, p. 45). Além disso, passou a constituir o vocabulário politizado dos movimentos sindicais e de outras entidades da sociedade civil organizada. “Enfim, representa hoje o novo discurso político e administrativo no governo da coisa pública e da educação, tanto estatal como privada, confessional ou não” (SANDER, 2005, p. 45-46).

Cury (2002, p. 164), atendendo a uma demanda acadêmica sentida nessa matéria, explora a origem etimológica do termo gestão (de verbo latino

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dialógica subjacente ao conceito de gestão como forma de governo da educação em seus distintos níveis e modalidades de ensino. Lima (2002, p. 17-19) faz um exercício semântico semelhante com relação ao termo governação (do latim gubernatione, condução, direção, ação ou efeito de governar), destacando a idéia de processo, exercício e ação de governar, ao invés do enfoque funcionalista próprio do pensamento administrativo tradicionalmente adotado na educação ocidental. Ambos os autores completam suas explorações focalizando intervenções democraticamente referenciadas, sinalizando, assim, uma tendência que hoje encontra apoio generalizado entre legisladores, pensadores e atores da política e da administração da educação. Nasce, assim, o conceito de gestão

democrática da educação, consagrado na Constituição Federal de 1988 e

na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996. (SANDER, 2005, p. 46, grifos do autor)

Os estudos de Maia (2008) corroboram Sander (2005) ao fazerem uma análise das publicações da Revista Brasileira de Política e Administração da Educação (RBPAE), no período de 1983 a 2000. Distinguiram-se três períodos na utilização das termologias administração e gestão. Segundo a referida autora, o primeiro período se estabeleceu no início da década de 1980, contando “[...] com o resgate do pensamento em administração da educação, com a não separação entre o pensar e o agir nas suas atividades e com a ênfase no papel político desempenhado por ela” (MAIA, 2008, p. 40). O termo administração vigorava para identificar as funções de profissionais que administravam escolas.

O segundo período teve início em 1986, com a introdução do termo gestão nas produções, algumas destinadas à “gestão da educação”, com abordagens mais amplas, que englobam as relações entre Estado, educação e política educacional; e outras com ênfase na “gestão escolar”, analisando as atividades do diretor escolar. “Os diferentes autores acrescentaram à ‘Gestão’ um adjetivo, podendo este ser: democrática (década de 1980), inovadora, estratégica (1990 em diante)” (MAIA, 2008, p. 41). Além disso, esse período teve como marco a realização do simpósio, em 1986, com o tema “A democratização da educação e a gestão democrática da educação”.

Por fim, no terceiro período, os termos administração e gestão passaram a ser utilizados paralelamente. Entretanto, como argumenta Maia (2008, p. 40), o termo administração “foi associado às formas antidemocráticas de trabalho, ao individualismo, à hierarquia e à centralização das decisões”, e o termo gestão “designou-se a possibilidade de horizontalidade das relações, da coletividade, da participação e da descentralização das ações no sistema educacional e nas unidades escolares” (MAIA, 2008, p. 40).

Na realidade, conforme Maia (2008), desde os primeiros textos da Associação Nacional de Política e Administração da Educação (ANPAE), esteve presente uma confusão terminológica. Os dois substantivos passaram até mesmo a ser utilizados paralelamente na RBPAE. Apenas dois artigos da revista tiveram a preocupação e procuraram explicar a alteração dos termos, atribuindo a gestão um caráter mais abrangente, holístico e estratégico.

O grande questionamento que permeou a análise conceitual foi exatamente se a adoção de um ou outro substantivo seria responsável pelas atribuições das qualidades ou defeitos de suas práticas. Como primeiro argumento negativo, o estudo identificou que desde 1961, passando pela primeira década de 1980, quando ainda os autores não utilizavam o termo “Gestão”, houve a preocupação em conceber a “Administração” enquanto atividade política, comprometida com os meios e com os fins, com o pensar e com o agir. (MAIA, 2008, p. 42)

O estudo da referida autora concluiu que a fragilidade da produção teórica da ANPAE foi a ausência de conceituação e distinção dos termos. No entanto, são inegáveis as várias contribuições das publicações para a trajetória do conhecimento em administração da educação no Brasil.

Sander (2005, p. 45) argumenta que, para muitos analistas, o uso do termo gestão representa mais uma transposição, “[...] tão comum na história do pensamento administrativo brasileiro, de categorias analíticas e praxiológicas da administração empresarial para a administração do Estado e da educação”.

Para Paro (2001), gestão e administração são tomados como sinônimos. O autor argumenta que, em uma sociedade autoritária, embora esses conceitos apareçam ligados a relações de poder, sua especificidade e razão de ser estão em seu caráter de mediação para a concretização de fins. “Ao administrar, ou ao gerir, utilizam-se recursos de forma mais adequada possível para a realização de objetivos determinados” (PARO, 2001, p. 49). Libâneo (2008), por sua vez, toma o conceito de gestão como sinônimo de administração e define essa ação como a “atividade pela qual são mobilizados meios e procedimentos para se atingir os objetivos da organização, envolvendo, basicamente, os aspectos gerenciais e técnico- administrativos” (LIBÂNEO, 2008, p. 101).

Desse modo, alguns autores tomam o conceito de gestão como mais abrangente, holístico, estratégico, como tendo um caráter mais democrático, e outros o tomam como sinônimo de administração. Sem pretendermos fazer juízo de

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valores, escolhemos utilizar o termo gestão em nossa pesquisa, por uma questão de padronização e por ser o termo mais em voga atualmente. Independentemente do termo utilizado, acreditamos que o que importa é o significado sendo atribuído a essas expressões em dado momento histórico e social, e não a nomenclatura utilizada. Assim, na seção que segue, por se tratar de um histórico, manteremos a terminologia utilizada pelos autores.