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Pensando em uma avaliação que se construa dentro dessa linha formativa e emancipatória, voltamos a sinalizar como um possível caminho, a Avaliação Institucional Participativa (AIP). Como já posto na revisão de literatura apresentada, estudos recentes têm apontado esse tipo de avaliação como um instrumento de monitoramento e aprimoramento da educação básica. Projetos de AIP, de

perspectiva abrangente, como defendem Sorde e Lukde (2009, p. 322), “potencializam a adesão dos atores da escola a projetos de qualificação do ensino, inserindo-os, inclusive, na formulação das metas, regras e ou estratégias que orientam e impulsionam o agir da escola rumo à superação de seus limites”.

Avaliar a escola e construir juízo de valor sobre a função social que possui implica um zelo bastante acentuado, dadas as mudanças que assolam nossa sociedade. Cabe atualizar esta função de modo que acompanhe os novos desafios impostos pela realidade, porém sem perder o compromisso com as crianças e jovens, em especial aqueles menos favorecidos, para quem a permanência na escola pode e precisa fazer diferença. (SORDE; LUKDE, 2009, p. 328)

Deste modo, sabendo que os mecanismos de avaliação têm se apresentado como uma forma de regulação, responsabilização e accountability estabelecida por meio da performatividade e do gerencialismo, insistimos na ideia de desenvolver uma proposta que possa, além de diagnosticar a realidade, propor alternativas que venham a melhorar o que está posto, uma avaliação participativa que tenha caráter formativo e emancipatório. Assim, pensamos que reatualizar a avaliação emancipatória apontada por Saul (1994), ao analisar programas educativos, é de extrema importância. O Quadro 1 apresenta, de forma sistemática, o paradigma da avaliação emancipatória, destacando suas principais características e respectivas descrições. Apesar de a autora indicar tal proposta para avaliar programas educacionais e sociais, pensamos que ela pode ser adaptada para avaliação institucional.

Analisando o quadro, pode-se perceber que a avaliação emancipatória se preocupa não apenas em diagnosticar a realidade, mas, com um olhar crítico, perceber essa realidade e propor uma transformação. É um instrumento de caráter participativo e democrático que propõe uma mudança: a emancipação do que se está sendo avaliado5.

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No Apêndice A, com o intuito de observar o paradigma da avaliação emancipatória apontado por Saul (1994) e com o olhar para a análise dos requisitos fundamentais para o desenvolvimento de um

software inteligente que auxilie a gestão escolar a avaliar a qualidade social de sua instituição,

apresenta-se a busca de características emancipatórias nos documentos selecionados – CAQi, Documento Final da CONAE e INDIQUE (Ensino Fundamental).

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Quadro 1 – O paradigma da avaliação emancipatória

CARACTERÍSTICAS DESCRIÇÃO

NATUREZA DA AVALIAÇÃO  Processo de análise e crítica de dada realidade visando a sua transformação.

ENFOQUE

 Qualitativo.

 Praxiológico: busca apreender o fenômeno em seus movimentos e em sua relação com a realidade, objetivando a sua transformação e não apenas a sua descrição.

INTERESSE  Emancipador, ou seja, libertador; visa provocar a crítica, libertando o sujeito de condicionamentos determinados.

VERTENTE  Político-pedagógica.

COMPROMISSOS

 Propiciar que pessoas direta ou indiretamente atingidas por uma ação educacional escrevam a sua própria história.

 O avaliador se compromete com a “causa” dos grupos que se propõe a avaliar.

CONCEITOS BÁSICOS

 Emancipação.

 Decisão democrática.

 Transformação.

 Crítica educativa.

OBJETIVOS  “Iluminar” o caminho da transformação.

 Beneficiar audiências em termos de torná-las autodeterminadas. ALVOS DA AVALIAÇÃO  Programas educacionais ou sociais.

PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS

 Autenticidade e compromisso.

 Restituição sistemática (direito à informação).

 Ritmo e equilíbrio da ação-reflexão. MOMENTOS DA AVALIAÇÃO  Descrição da realidade.  Crítica da realidade.  Criação coletiva. PROCEDIMENTOS  Dialógico.  Participante.

 Utilização de técnicas do tipo: entrevistas livres, debates. TIPOS DE DADOS  Predominantemente qualitativos.

 Utilizam-se também dados quantitativos.

PAPEL DO AVALIADOR  Coordenador e orientador do trabalho avaliativo.

 O avaliador, preferencialmente, pertence à equipe que planeja e desenvolve um programa. REQUISITOS DO

AVALIADOR

 Experiência em pesquisa e em avaliação.

 Habilidade de relacionamento interpessoal.

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Pensar em reatualizar uma prática emancipatória nos faz investigar como a perdemos de vista. Conforme Pereira e Carvalho (2008), em sua construção teórica, Boaventura afirma que o projeto da modernidade possui duas formas de conhecimento: o conhecimento regulação e o conhecimento emancipação. “Os pontos extremos do primeiro são o caos (ignorância) e a ordem (conhecimento); do segundo são o colonialismo (ignorância) e a solidariedade (conhecimento)” (PEREIRA; CARVALHO, 2008, p. 46). O pilar da regulação é constituído por três princípios (o Estado, o mercado e a comunidade) e o da emancipação pela articulação entre três dimensões da racionalização e secularização da vida coletiva (a racionalidade moral-prática do direito moderno, a racionalidade cognitivo- experimental da ciência e da técnica modernas e a racionalidade estético-expressiva das artes e da literatura modernas).

Segundo Santos (1991), o projeto da modernidade é caracterizado por um equilíbrio entre os dois pilares, regulação e emancipação. O equilíbrio entre os pilares se estabelece pelo desenvolvimento harmonioso de cada um deles, bem como das relações dinâmicas entre eles. Conforme o autor, esse equilíbrio nunca se deu e houve um consequente excesso de regulação.

A absorção do pilar da emancipação pelo pilar da regulação se deu através da convergência entre modernidade e capitalismo e a conseqüente racionalização da vida coletiva baseada apenas na ciência moderna e no direito estatal moderno (Santos, 2000, p. 42). A sobreposição do conhecimento regulação sobre o conhecimento emancipação se deu através da imposição da racionalidade cognitivo-instrumental sobre as outras formas de racionalidade e a imposição do princípio da regulação mercado sobre os outros dois princípios, Estado e comunidade. Portanto, a emancipação esgotou-se na própria regulação e, assim, a ciência tornou-se a forma de racionalidade hegemônica e o mercado, o único princípio regulador moderno. É o que o autor vai definir como a hipercientificização6 da emancipação e a hipermercadorização da regulação. (PEREIRA; CARVALHO, 2008, p. 47)

No entanto, conforme Pereira e Carvalho (2008), para Santos o princípio da comunidade é o mais bem colocado para instaurar uma dialética positiva com o pilar da emancipação e possibilitar um equilíbrio entre regulação e emancipação. Alguns dos elementos constitutivos da comunidade são o prazer, a participação e a

6 A hipercientificização da emancipação pode ser entendida como uma limitação ao conhecimento emancipação, pois a imposição da ciência sobre o seu duplo na modernidade, o senso comum, acabou por levar às monoculturas das práticas e do saber. Com o passar do tempo a ciência acabou por se tornar uma forma de conhecimento superior, isolada e intocável (PEREIRA; CARVALHO, 2008, p. 48).

solidariedade. Assim, com vistas a romper o conhecimento-regulação, a “comunidade pode tornar-se ‘o campo privilegiado do conhecimento-emancipação’ se este for concebido como trajectória que leva o indivíduo de um estado de ignorância a um estado de saber que se pode designar por solidariedade” (AFONSO, 2009, p. 123).

Para Afonso (2009), uma teoria como esta, que busca um conhecimento- emancipação pelo viés da comunidade, é extremamente oportuna para a defesa de uma política avaliativa diferente da que tem atravessado os últimos anos. Nesse sentido, o autor defende relocalizar uma avaliação formativa, considerando-a eixo fundamental na articulação entre Estado e comunidade, já que essa perspectiva, “enquanto lugar de definição dos objectivos educacionais e espaço de cidadania, parece ser a forma de avaliação pedagógica mais congruente com o princípio da comunidade e com o pilar da emancipação” (AFONSO, 2009, p. 125). Então, ao que parece, a avaliação formativa pode promover um novo equilíbrio no pilar da regulação a favor do pilar da emancipação. Mais que isso, a avaliação formativa deve ser tomada, como defende Afonso (2009, p. 40), “enquanto dispositivo pedagógico adequado à concretização de uma efectiva igualdade de oportunidades de sucesso na escola básica”.

Portanto, uma avaliação institucional emancipadora precisa ser formativa, transformar, ser democrática, participativa, abrangente e integradora. Não basta mais diagnosticar, pois para essa função já temos instrumentos suficientes. Ela precisa, além de tudo, ser participativa, envolver todos os indivíduos da comunidade escolar; no entanto, precisa ter um órgão que coordene sua ação – é aí que ocorre sua articulação com a gestão escolar, como veremos a seguir.