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Adoção de práticas de reprodução educativa

Capítulo 5 – As alianças e estratégias para a estruturação de um futuro campo organizacional (1930-1938)

5.4 Adoção de práticas de reprodução educativa

Com as reformas sanitárias sendo instituídas, as práticas educativas foram se configurando, dando margem à formação do campo organizacional emergente da Enfermagem Profissional. O que aconteceu de 1935 a 1938 não significou a exclusão dos acontecimentos nos demais períodos contemplados pelo estudo. O campo, tanto o da saúde como da educação, recebeu influências do meio, ou seja, da sociedade a que ele pertencia, naquele dado momento e ao longo do tempo. As transformações ocorridas no campo social, que muitas vezes foram

277

Ata da 34a. Junta de Administração da Santa Casa de Misericórdia de 13 de junho de 1926, p.3. Localização: Arquivo da Santa Casa de Misericórdia do Recife.

oriundas dos próprios agentes, como as reformas nos serviços sanitários, nos hospitais e no ensino, definiram suas posições e os seus investimentos no campo da saúde e da educação. A transformação das práticas de saúde teve seus reflexos nas práticas de enfermagem, as quais estão na dependência dos investimentos e reconhecimentos dos agentes no campo social, pois a adoção de prática de reprodução educativa esteve entrelaçada no campo, nas lutas e disputas no jogo que eles exerceram.

Fernando Simões Barbosa foi um dos que, mesmo sem criar a escola, estimulou as práticas de enfermagem na época. Como professor da Faculdade de Medicina sabia da importância de profissionais qualificados, sendo assim, preocupou-se em manter o HC com enfermeiras preparadas sejam alemãs ou inglesas. Mas, com o evoluir do tempo, os agentes que estiveram à frente do DSP impulsionaram a reprodução de práticas de enfermagem na medida que foram surgindo novos hospitais e as ampliações de outros, bem como a expansão do campo sanitário. Os profissionais que por essas instituições passaram, oriundos de treinamentos em serviço, como era o caso do HC, que só chegou a oferecer esse treinamento, bem como de cursos para enfermeiras especializadas, entre outros, como os da área de saúde pública, foram capazes de reproduzir o habitus adquirido na época.

O sentido da adoção da prática de reprodução educativa ocorre na diversidade das propostas de adoção de medidas profiláticas e educativas no campo da saúde. Os agentes, por sua vez, tiveram a preocupação, por exemplo, de preparar médicos e visitadoras. Note-se que no governo de Lima Cavalcanti, uma das preocupações do seu DSP era com a Enfermagem, dizia ele em sua Mensagem “Enfermagem e laboratório constituem os pontos indefensáveis na organização sanitária de Pernambuco. O primeiro dentro de alguns meses voltará a ter o lugar que

merece entre os serviços básicos de Saúde Pública [...]”278. Nesse sentido, no governo de Agamenon, o IAH veio a criar o Curso de Visitadora Sanitária, só que por um período de quatro meses. Em sua Mensagem quando refere sobre a Instrução Sanitária, nota-se preocupação com o aperfeiçoamento dessas visitadoras. Com efeito, além de promover a especialização dos médicos em 1938, através de curso de aperfeiçoamento em assuntos de higiene e saúde, com a colaboração do Departamento Nacional de Saúde Pública, promove a ida de quatro visitadoras escolhidas entre as mais “hábeis e dedicadas”279 do Departamento de Saúde Pública, para realizar curso de aperfeiçoamento na Escola Ana Nery no Rio de Janeiro.

No cotidiano há mecanismos que são utilizados pelos agentes para poder conservar a sua ordem social. Bourdieu, em seus estudos, deu ênfase a essa ordem ao estudar a sociedade ocidental contemporânea. Nesse sentido, o espaço social pode ser visto como campo de lutas, onde os agentes desenvolvem meios de sobrevivência e, assim, elaboram estratégias para se manter ou melhorar sua posição no campo. As estratégias, por sua vez, podem ser variadas com maior ou menor intensidade e, para que elas existam, é necessário que haja instrumentos e mecanismos de reprodução.

Assim, quando os agentes presentes no campo da saúde e educação se uniram em torno de um espaço social, o fizeram no sentido de unir forças num jogo no qual a reprodução do capital social e capital simbólico remetia à divisão sexual do trabalho nas atividades produtivas, inserindo-se em todos os domínios da prática e também ocorrendo por meio de trocas entre os agentes, de modo que o investimento no jogo social se transforme em necessidades simbólicas

278

Ver Mensagem Apresentada pelo Governador Carlos de Lima Cavalcanti à Assembléa Legislativa de Pernambuco a 1de agosto de 1937. Recife, Imprensa Oficial, 1937, p. 70. Localização: APEJE.

279

Ver Relatório Apresentado ao Exmo. Sr. Presidente da República em virtude do art. 46 do Decreto Lei Federal n.1202, período de 1937 a 1940. Agamenon Magalhães, Interventor Federal. Recife, Imprensa Oficial, 1940, p. 92. Localização: APEJE.

primordiais de homens e mulheres. Bourdieu (2005, p. 62) exemplifica o sentido desse jogo como o ponto de honra a ser defendido pelos homens, como se vê a seguir.

[...] o ponto de honra, essa forma peculiar de sentido do jogo que se adquire pela submissão prolongada às regularidades e às regras da economia de bens simbólicos, é o princípio do sistema de estratégias de reprodução pelos quais os homens, detentores do monopólio dos instrumentos de produção e de reprodução do capital simbólico, visam a assegurar a conservação ou o aumento deste capital: estratégias de fecundidade, estratégias matrimoniais, estratégias educativas, estratégias econômicas, estratégias de sucessão, todas elas orientadas no sentido de transmissão dos poderes e dos privilégios herdados[...].

As práticas educativas estiveram mais presentes nesse período do estudo na figura da Faculdade de Medicina, embora a Reforma Sanitária do DSP já as vislumbrasse ao tentar criar a Escola de Enfermeiras e também substituir as Visitadoras Sanitárias. O Curso de Educação Sanitária, nesse período, foi suspenso, retornando no governo de Agamenon como Curso de Visitadora Sanitária, como já se sabe. É através do Estado, com o DSP, que nas instituições de saúde, como o HPII e a Faculdade de Medicina, o campo organizacional da enfermagem começa a tomar forma. Os valores dos agentes os levam a uma convergência dos saberes da enfermagem, no sentido de contemplar áreas especializadas, como a da mulher e a da criança, sem subordinar- se às necessidades do campo da saúde, que já abrangia a saúde publica, a assistência aos psicopatas, a higiene infantil e higiene mental.

A adoção da reprodução dessas práticas educativas vinha a ser primordial, no momento em que reproduzem agentes, capazes de incorporar o habitus do grupo na medida que são oferecidos cursos, onde fossem as atividades de enfermagem desenvolvidas, não importando a denominação que lhes fosse dada. Os agentes, agora, fazem parte de um jogo no qual os valores que lhes foram passados são também incorporados e impulsionam o campo. Foi assim com o Sindicato dos Enfermeiros, mesmo não sendo diplomados na época, os enfermeiros estão

inseridos no campo, reproduzindo o habitus de um grupo por adoção de práticas educativas que lhes foram apresentadas.

Sendo assim, os agentes, ao fazerem alianças no campo e adotarem estratégias educativas, propiciaram a outros agentes o compartilhamento de valores e crenças, suficientes para preparar agentes para a reprodução do habitus no grupo, com alguns valores que lhes foram incorporados sobre as atividades de enfermagem, pelos cursos que eram oferecidos na época, mesmo àqueles aos quais não eram totalmente direcionados. No entanto, para a formação do campo organizacional da enfermagem, era necessário que os agentes além de compartilharem tais valores e crenças, contassem com bases cognitivas e normativas bem fortalecidas, efetivamente o que ainda não acontecia, dificultando a organização do campo da enfermagem e sua completa institucionalização.