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1.2 A INQUIETAÇÃO DA PERGUNTA

1.2.2 O advento

Como movimento contrário ao êxodo, esse abrir-se do ser humano à transcendência para encontrar o sentido e a liberdade na existência, Forte concebe o advento como “o mundo da eternidade enquanto se volta ao ser humano e o visita. É o livre autodestinar-se de Deus à criatura e o gratuito dom da autocomunicação divina”.54 Nessa autocomunicação livre, Deus

apresenta-se como Pai, Filho e Espírito Santo e insere-se na História para transformá-la e dar- lhe qualidade sem, contudo, ser aprisionado nas malhas da limitada compreensão humana. Ao contrário, Deus mantém-se transcendente e continua sendo o horizonte maior desse mundo, apenas se autocomunica ao coração humano, passando a fazer parte da História, sem diluir-se nela nem aniquilar o mundo em sua majestade divina.

Se Deus se manifestasse totalmente na História, se a Palavra em que ele se expressa o traduzisse perfeitamente, se verificaria uma de duas possibilidades: ou o mundo divino se reduziria às medidas do mundo criado ao qual ele se comunica, ou a criação simplesmente seria engolida pela luz deslumbrante e ofuscante do Absoluto.55 No entanto, a Revelação não faz diferença entre os dois mundos: Deus continua sendo Deus e o mundo continua sendo o mundo, mesmo que Deus passe a fazer parte da história humana e seja oferecido ao humano o dom de fazer parte da história divina.

O Mistério da eternidade no tempo revela o advento que se cumpre no êxodo humano. É na dialética do advento que Deus, saindo de si, vem ao encontro da criatura que peregrina fragilmente no rumo do Mistério. A Revelação de Deus se manifesta e se realiza. É no movimento de se abaixar do divino, no esvaziar-se, que se dá a realização do advento. Ele acolhe, assume e eleva o êxodo humano. É entre as dores e questionamentos do coração humano, na angustiante possibilidade do nada e do trágico fim, que irrompe a novidade: Deus vem.

O “Deus da fé hebraico-cristã é o Deus do advento, o Eterno que tem tempo para o homem. Entretanto, na história Ele abre caminho, acende o desejo, oferece uma promessa sempre maior do cumprimento realizado”.56 O advento é a própria Revelação de Deus, é o

54“Il mondo dell’eternità mentre si rivolge all’essere umano e lo visita. È il libero autodestinarsi di Dio ala

creatura e il dono gratuito dell’autocomunicazione divina” (Cf. FORTE, B. L’eternitá nel tempo: saggio di antropologia ed etica sacramentale, p. 29).

55 FORTE, Bruno. Fede e Ragione, tra Parola e Silenzio. Humanitas, n. 54, p. 393, 1999/3.

56“Il Dio della fede ebraico-cristiana è il Dio dell’avvento, l’Eterno che ha tempo per l’uomo. Intanto, nella

storia Egli apre strada, accende il desiderio, offre una promessa sempre più grande del compimento realizzato” (Cf. FORTE, B. La parola della fede: introduzione alla simbolica ecclesiale, p. 18).

mundo da eternidade enquanto se volta para o mundo criado e para a criatura humana e a visita. “É o livre autodestinar-se gratuito, o dom da autocomunicação do Criador à criatura”.57

Em seu itinerário, Forte parte das categorias êxodo e advento, através das quais elabora a teologia, articulando os dados da fé e da História. Ele concebe o Advento que é o mundo da eternidade enquanto se volta ao ser humano e o visita. Portanto, no evento da Revelação é indispensável conservar a dialética entre transcendência e imanência: só assim Deus não será diluído no mundo, nem o mundo será aniquilado em Deus.

É graças ao advento que a autotranscendência exodal encontra-se com a autocomunicação divina. O advento é o início - uma vez que a iniciativa do encontro é sempre divina - e fim, enquanto horizonte último:

O Deus de todo testemunho bíblico é um Deus em êxodo de si mesmo, um Deus que encontrou tempo para o ser humano e, vindo à história, estabeleceu uma aliança com ele, abrindo o caminho de seu povo rumo ao Reino prometido sempre maior do que qualquer realização já consumada.58

Os conceitos de êxodo e de advento são, pois, complementares e tornam o evento da Revelação uma dialética entre transcendência e imanência. Bruno Forte em sua obra Teologia da História: ensaio sobre a Revelação descreve que o êxodo acontece quando o ser humano se põe diante daquele que é a inaudita novidade para o mundo: o livre e gratuito oferecimento para o Eterno. Assim, o advento do Deus vivo visita o êxodo da condição histórica e o abre na fé e na esperança a um sentido possível e sempre novo: o amor. O movimento do amor é condicionado pela limitação humana, pelo mal e pela morte, mas não cessa de provocar no ser que vive essa condição exodal, o dinamismo da busca e da esperança. Se de um lado o ser humano se afronta com a angústia, a ausência e as interrogações da existência; por outro pode abrir-se Àquele que é sempre disponível, sempre à espera, sempre maior. O êxodo exprime, em última análise, o caráter peregrino do ser humano. Logo, o lugar do encontro com o Mistério se dá “onde a existência como êxodo se disponha à escuta de um possível advento do Outro no horizonte do tempo”.59 O êxodo é um impulso que parte de baixo que se movimenta

ao encontro da Palavra e do Silêncio da Revelação. No seu peregrinar, o ser humano abre-se ao escatológico e, na fé vai em busca de uma Pátria. A fé o faz entender que Deus não está

57“È il libero autodestinarsi gratuito, il dono dell’autocomunicazione del Creatore con la creatura” (Idem.

L’eternità nel tempo: saggio di antropologia ed etica sacramentale, p. 28.

58 FORTE, B. A essência do cristianismo, p. 49.

59 “Dove l’esistenza come esodo si disponga all’ascolto di un possibile avvento dell’Altro nell’orizzonte del

acima da História, mas na História, agindo nela e transformando-a, dando qualidade a ela pela Palavra no Silêncio com o Encontro.