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2.2 FÉ E ERA DIGITAL

2.2.2 Lógica midiática e fé cristã

O que importa realmente ressaltar é que algumas manifestações presentes em nossa sociedade tornam evidente a revolução que está movendo toda existência. Como em outras épocas, são ondas e movimentos que marcam a história. Não se sabe exatamente para onde vão levar; o que se pode evidenciar são algumas características que têm forte incidência sobre a forma como se vive e se define a fé atualmente. São elas: o predomínio da linguagem visual, a pretensão do fator econômico e a tendência de homogeneizar os conteúdos.

Com relação à linguagem visual, pode-se ver que grande parte do fascínio e do sucesso das emissões televisivas está na facilidade de captar a comunicação feita através das imagens. O acelerado ritmo de vida das pessoas e o consequente cansaço e redução do tempo disponível, favorecem o apelo à “lei de menor esforço”, propiciando certo domínio da comunicação sobre os sentidos.

De fato, encontra-se na cibercultura uma informação que dispensa a atitude reflexiva e crítica, que não contextualiza os acontecimentos e tende a ser superficial, repetitiva, objeto de consumo, podendo também ser etiquetada como entretenimento. Tal linguagem desanima exposições mais sérias que exigem mais tempo e temas complexos são simplificados e facilmente assimiláveis, ficando no silêncio suas verdadeiras causas, sejam elas de cunho religioso, cultural, social, econômico ou político. Pode-se dizer que a leitura midiática descontextualiza e reelabora em sua ótica, também os temas religiosos, podendo reduzi-los a entretenimento. Com isso, a proclamação cristã dos conteúdos essenciais da fé corre o risco de se tornar prisioneira do estilo meramente informativo, perdendo sua característica fundamental de apelo à liberdade para a conversão ao Evangelho e um compromisso com o próximo. Não se nega o impacto das imagens, apenas se questiona seu efeito real na vida das pessoas.

A questão econômica aponta para o alto custo das emissões nos espaços visuais, o que exige patrocinadores que somente se interessam por um público cada vez maior, que compense o investimento feito, através do sucesso de venda de produtos anunciados. Nisso percebem-se os índices de audiência que ganham uma importância desmesurada, gigantesca e se tornam a preocupação principal dos que trabalham na mídia. Identifica-se que essa mentalidade age como uma censura camuflada, eliminando ou transformando informações de peso ou produções de boa qualidade. Priorizam-se programas que garantem bons dividendos,

mesmo que sejam propagadores de valores duvidosos. A luta pelo público por parte dos diversos canais de comunicação pode levar tais programas a níveis lamentáveis.

O domínio do valor econômico sobre todos os outros é visto na supervalorização do consumismo como estruturador de valores. As pessoas se identificam com as coisas, pois acreditam que tudo o que elas possuem e consomem é o que lhes dá a identidade. Como bem evidencia Leomar Brustolin “tudo se transforma em coisa, mas os objetos de consumo determinam quem são as pessoas. Tudo torna-se mercadoria: Deus, o ser humano, a terra, as sementes e até a vida”!144

Acerca desta problemática tão atual, Gilles Lipovetsky, declara:

[...] o império do consumo e da comunicação gerou um indivíduo desintitucionalizado e operacional, disposto, em todos os planos, a ter direito de dirigir a si mesmo. [...] Os lugares tradicionais de sociabilidade (trabalho, Igreja, sindicatos, cafés) cedem, por toda parte, terreno ao universo privatizado do consumo de objetos, de imagens e de sons.145

Outra característica presente em nossa sociedade é a homogeneização dos conteúdos transmitidos pela mídia. Pelo fato de se dirigir sempre para um grande público, a mídia tende a padronizar suas emissões para atingir a todos. Logo tende a reproduzir ideologias e valores culturais dominantes. Dá-se prioridade ao sensacionalismo, ao chocante, ao extraordinário, sem explicações acerca das verdadeiras raízes da vasta problemática social. O que é apresentado passa por um complicado processo de seleção e construção de imagens. O acontecimento só se torna notícia quando se vê transformado num produto noticiável. Trata-se sempre de uma realidade construída.

É nessa lógica que se insere a fé vivida pelas pessoas que costumam usufruir dos modernos meio comunicacionais para cultivar o aspecto religioso de sua vida. Assim, os espaços criados nos meios de comunicação para temas religiosos, recebem o mesmo tratamento sensacionalista. Também eles serão traduzidos numa versão soft, universal, que enfatiza o informativo e atrofia o interpretativo. O Evangelho, contudo, não é apenas informação, mas também interpretação e autocomunicação de Deus. Por isso, a evangelização que se realiza conforme a mentalidade “índice de audiência” corre o risco de se ver reduzida a um produto de consumo. Afetada pelo sensacionalismo, o emotivo, o chocante, acaba a mídia por consagrar a Igreja-espetáculo, deixando em silêncio elementos mais importantes da vida

144 Cf. BRUSTOLIN, Leomar A. Deus como mercadoria na era digital. Disponível em: <www.catedraldecaxias.org.br>.

Acesso em: 27 maio 2011.

cristã: como a fé viva, a oração, as obras de caridade, o esforço missionário, as renúncias cotidianas.

O maior perigo que a lógica midiática representa para a fé cristã é a supressão da verdade. Isso porque a linguagem das imagens pode distorcer a integridade dos fatos apresentados. Aceita-se as imagens como fiel representação da realidade, sem se discernir se são realmente verdadeiras.146 Em função dessa tendência da linguagem midiática e diante das exigências essenciais da proclamação do Evangelho, torna-se à primeira vista, bastante improvável a inculturação da fé na linguagem midiática enquanto não houver nela mudanças substanciais. Como visto, a linguagem televisiva deturpa a verdade; quanto para a internet vale o pensamento de alguns: o conteúdo é cristão, mas o software que o transmite tem sua lógica que pode reduzir ou até deformar a mensagem. Mesmo assim, dada a importância que esses meios de comunicação assumiram não se pode negar: de qualquer modo, o Evangelho, a Igreja, deve aprender, embora criticamente a linguagem midiática.

O Evangelho necessita da linguagem midiática para ser proclamado, pois esta linguagem condiciona fortemente a atual cultura. “Vivemos com a mídia e pela mídia”.147

Pode-se dizer que a mídia audiovisual constitui o material básico dos processos de comunicação, fornecendo símbolos, induzindo comportamentos, afetando inconscientes, privilegiando temáticas. Como bem lembra Marshal Mcluhan, o meio é a mensagem porque configura de certo modo as ações e associações humanas.148 A mídia se apresenta como o palco dos acontecimentos e das realidades na sociedade. Hoje, gastam-se fortunas na publicidade, porque “não estar na mídia é como não existir”. Portanto, no âmbito da fé, a presença na mídia representa um importante respaldo social para a crença do individuo.