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Esquema 2: Contínuo +/ agregação ao DSM do verbo e +/ ao cenário de referência da

3 A APOSIÇÃO: ENTRANDO EM CENA

3.2 Afinal

Por tudo o que vimos até agora, podemos, para efeitos didáticos e de facilitação do acompanhamento do nosso raciocínio, sintetizar o que foi apresentado sobre o aposto. Não vamos, nesse momento, separar por correntes de pensamento linguístico ou se o termo foi abordado no PB ou em outro idioma. O que faremos é uma compilação do que julgamos essencial em cada análise apresentada e que poderá, de certa forma, ecoar no estudo que pretendemos realizar. Sendo assim, temos:

- o aposto é um termo sintático que acompanha nomes, sejam eles próprios ou comuns: (I) Telma chegou a Paris – cidade da luzes – sentindo uma emoção estupenda; (II) Chuva coloca zona leste e marginal Tietê, em SP, em alerta.

- a aposição pode ocorrer em nomes que estejam em lugares sintáticos diversos, não somente no lugar do sujeito como, às vezes, somos levados a crer. (III) Moro na Rua Bernardo Guimarães, a do lava jato do Paulinho (aposição no lugar sintático de adjunto adverbial); (IV) Beatriz comprou um carro novo, aquele vermelho, há pouco tempo. (aposição no lugar sintático de objeto); (V) Esther tem medo de avião, dos supersônicos; dos outros nem tanto. (aposto no lugar sintático de complemento nominal); (VI) O goleiro Bruno, ex-jogador do Flamengo, cometeu um crime. (aposição no lugar sintático de sujeito); (VII) A atual miss é linda, atributo necessário ao título, mas é pouco atraente. (aposto no lugar sintático de predicativo); (VIII) O alto da marginal Tietê ficou alagada. (aposto no lugar sintático de adjunto adnominal).

- o aposto pode apresentar-se de várias formas composicionalmente falando, seja por um único elemento ou por uma estrutura complexa, isto é, podem se apresentar através de um único nome, ou de nome mais determinantes, ou de estruturas nominais coordenadas e até estruturas oracionais, como podemos ver,

respectivamente, em: (IX) O tio Sílvio está muito deprimido; (X) O goleiro Bruno, ex-jogador do Flamengo, cometeu um crime; (XI) Rui, morador de rua e pessoa digna de nossa piedade, está muito doente; (XII) João, que é pão-duro, tem muito dinheiro guardado.

- a aposição pode ser encontrada em gêneros textuais de qualquer natureza, na modalidade oral ou escrita, sendo, portanto, uma estrutura que não é própria, característica ou exclusiva de nenhum registro ou variedade linguística em particular.

- o termo aposto pode aparecer em qualquer ordem na sentença, antes ou depois do nome ao qual ele se liga, não acarretando alterações sintáticas, entretanto interferindo semanticamente na construção do sentido da sentença, destacando a si ou ao termo ao qual se refere, como em (XIII) Rômulo Augusto, diretor comercial da Rede Gabriel, assegurou que a crise é passageira ou (XIV) O diretor comercial da Rede Gabriel, Rômulo Augusto, assegurou que a crise é passageira.

- a aposição apresenta semelhanças com as estruturas de coordenação, embora uma parte dos estudos aqui apresentados a consideram como independente posicionalmente falando.

- a aposição é tratada por muitos gramáticos como elemento secundário, acessório na estrutura sintática, por ser correferencial, ou seja, remete-se ao mesmo elemento tido como principal, haja vista em (XV) João, homem pão-duro, tem muito dinheiro guardado; (XVI) Suellen, mulher de fibra e de muita garra, mudou de emprego ontem.

- a aposição não pode ser considerada um termo secundário ou acessório. Ele traz, para muitas sentenças, uma carga semântica e até argumentativa capaz de interferir no sentido delas, como em (XVII) Rui, morador de rua e pessoa digna de nossa piedade, está muito doente, se comparada a (XVIIa) Rui, morador de rua, um drogado e bêbado, está muito doente.

- muitas estruturas apositivas possuem a capacidade de orientação do ouvinte pelo falante; portanto, há mais informações sendo veiculadas, quando se emprega uma aposição explicativa, que meras justaposições ou reiterações dos dados aos quais

esse termo se refere, como em (XVIII) João, que é pão-duro, tem muito dinheiro guardado. e (XIX) João, que é econômico, tem muito dinheiro guardado.

-a aposição descritiva, pode ter também a função de perspectivar o termo sobre o qual a descrição apositiva incide, tal qual em (XX) As redes sociais, que são grandes ferramentas de interação pessoal, têm causado muitas discussões. e (XXI) As redes sociais, que são grandes ferramentas de disseminação de fofocas e de falsas notícias, têm causado muitas discussões. Nesse sentido, a aposição traz uma mensagem orientada pelo falante e dá a ele condição de adicionar uma mensagem completa sobre o elemento a que se refere sem ter que usar nova frase.

- a aposição tem um potencial de uso no modo argumentativo de organizar o discurso, como se vê em (XXII) Aquele rapaz [Bruno] – de infância humilde e história sofrida – sonhava alto ou em (XXIII) Bruno, imaturo, deixava-se influenciar pelos companheiros e ainda em (XXIV) A começar pela voz [de Bola], incompatível com o que se espera de um matador inclemente: fina, mansa e acuada, muitas vezes falhando ao final das frases. Assim, o aposto manifesta valores argumentativos revelados por opiniões, crenças e atitudes por parte de quem constrói o texto, auxiliando na construção do significado dele.

- os apostos, bem delineados, é que argumentam, fazendo-os extremamente significativos na construção dos sentidos das sentenças. O lugar sintático do aposto é propenso ao direcionamento para uma argumentação desejada e capaz de orientar o interlocutor nessa direção argumentativa, tal como em (XXV) A mídia, que faz a cabeça da parte dos brasileiros mais à direita (conformou-se em perder os brasileiros de esquerda de vez e optado por fazer política abertamente), propensos a ouvir comentários apenas com determinado conteúdo, apontará os membros desses tribunais como parte de um sistema de justiça ultrapassado, que tal ou qual juiz foi nomeado pelo PT, que as leis são muito liberais etc.35

Por tudo isso que foi visto, não é de se admirar que o aposto seja, então, objeto de interesse, mas também de muito pouco consenso, em muitas correntes linguísticas, sejam elas de natureza tradicional, gerativistas, funcionalistas ou semânticas. Isso, embora haja outras razões, por si

35 Disponível em https://jornalggn.com.br/noticia/arbitrariedades-do-juiz-sergio-moro-ja-passam-de-uma- dezena-por-percival-maricato acesso em 06/03/2018.

só, já justificaria um estudo com bases enunciativas para esse termo. E é o que faremos neste trabalho de pesquisa e de análise.

Feitas essas considerações, é o momento de comprovarmos nossas premissas e pressupostos, bem como aplicar a nossa base teórica no corpus de trabalho, a fim de comprovarmos (ou não) a nossa tese. Para isso, submeteremos a uma análise semântico-enunciativa algumas sentenças que contêm ENIs de diferentes naturezas sintáticas, focados na pertinência desses dizeres na situação comunicativa em que foram enunciados, observando o referencial histórico que foi mobilizado, com vistas a compreender o papel que essas ENIs representam na construção do sentido desses tais enunciados.

Dividimos o nosso corpus e o apresentamos em quatro subseções para serem analisados: 1- Enunciados de FNs com ENIs que aparecem em situações comunicativas diversas; 2- As ENIs como convergências enunciativas; 3- FNs com ENIs, segundo os eixos enunciativos e temático- referencial, e 4- ENIs como referenciais argumentativos. Vejamos, então, como isso se deu.

4. AS ENIS EM CENA: ATUAÇÕES ENUNCIATIVAS